Transgênicos, a falsa salvação
A ofensiva do lobby da Monsanto sobre o governo eleito (como noticiado pela Folha de São Paulo em 25/11) já era esperada, embora não tão rapidamente. Entretanto, os argumentos pró-transgênicos utilizados agora não são novos e já foram cabalmente rebatidos pelas organizações não-governamentais da Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos.
Se voltamos a insistir nesses argumentos é para esclarecer a sociedade mais uma vez que os transgênicos não são solução para resolver o problema da fome, nem no Brasil nem no mundo.
O Sr. Harvey Glick, diretor da Monsanto, erra quando afirma que os transgênicos podem ajudar o Brasil e erradicar a fome, acenando com o desenvolvimento de safras transgênicas resistentes às secas no Nordeste. O Sr. Glick deveria saber que não há, nem tão cedo será desenvolvida, tecnologia de transferência de genes que permita este objetivo, independentemente dos riscos que a mesma possa conter.
Em verdade, por trás desta e de outras promessas transgênicas mágicas está em jogo a pressão pela liberação de soja geneticamente modificada resistente a herbicidas – o que significaria um mercado de bilhões de dólares. Aliás, é bom lembrar que os dois produtos (a soja transgênica e o seu herbicida) são de propriedade exclusiva da Monsanto e que a soja transgênica está proibida no Brasil por ordem judicial. A pretendida liberação, portanto, poderia até suavizar a fome de lucros desta multinacional, mas não teria qualquer impacto sobre o número de famintos em nosso País. Afinal, é mais do que evidente que a fome é conseqüência da má distribuição de recursos e não de produção.
Com a sua pregação em favor de uma tecnologia que em nenhum lugar do mundo se comprovou segura para o consumo humano e para o meio ambiente, a Monsanto insiste em ignorar o Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro, redigida quando da Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, e referendada pela Convenção sobre Diversidade Biológica, já ratificada pelo Brasil. Também chamado de Princípio da Precaução, esse dispositivo aponta que o ônus da prova sobre a inocuidade dos transgênicos é de quem os produz e não de quem os combate. Cabe, portanto, à Monsanto provar que eles não fazem mal.
A legislação brasileira também tem esse entendimento e por isso exige estudos de impacto ambiental para liberar os transgênicos. Foi com esta interpretação que a Justiça impediu a liberação da soja da Monsanto há quatro anos. Mas, em vez de provar a eventual segurança dos transgênicos, a Monsanto e o governo federal, em conjunto, tentaram ao mesmo tempo derrubar esta decisão e também alterar a própria legislação, pressionando o Congresso a aprovar uma lei mais permissiva. Será que quatro anos não teriam sido suficientes para provar a suposta inexistência de impactos negativos à saúde, ao meio ambiente e à agricultura? O que a Monsanto teme?
Os representantes do governo americano falam em vantagens dos transgênicos, mas será que eles poderiam explicar porque precisam conceder cerca de 10 bilhões de dólares por ano só para compensar as perdas dos produtores de transgênicos nos EUA? Por que os EUA estão chantageando países em crise alimentar, com milhões de famintos, como a Zâmbia, a aceitar seus estoques de produtos transgênicos que não encontram mais mercado na Europa, Japão e China?
Os americanos dizem que o Brasil já estaria contaminado por sementes transgênicas contrabandeadas da Argentina para o Rio Grande do Sul e que, portanto, só nos restaria aceitar o fato consumado e liberar os transgênicos. Realmente, a omissão criminosa do governo FHC facilitou esta contaminação parcial da soja gaúcha e a Monsanto contribuiu para isso com sua maciça propaganda enganosa junto aos agricultores. A empresa também decidiu não cobrar o custo integral da semente na Argentina muito provavelmente para baratear e facilitar a adoção dessa caixa-preta tecnológica.
Mas, os agricultores gaúchos que fizeram essa escolha são vítimas e estão isolados nessa opção. No Paraná, por exemplo, tanto grandes quanto pequenos produtores participam do esforço de esclarecimento dos riscos deste produto. Santa Catarina e Mato Grosso do Sul têm leis estaduais anti-transgênicos para reforçar a legislação nacional.
A Monsanto sabe que a resistência européia aos transgênicos será dura de dobrar, pois corresponde a profundas convicções dos consumidores (que também são eleitores) e que até nos EUA a resistência aumentou tanto, que a obrigou a adiar por quatro anos o lançamento do trigo alterado geneticamente, tal a celeuma provocada entre produtores, indústrias e consumidores. A empresa também sabe muito bem que a separação de transgênicos e não-transgênicos é inviável economicamente.
O negócio dos transgênicos na agricultura já é quase um engôdo econômico e muitas empresas que nele se lançaram já se livraram de suas divisões de pesquisa para este fim. Só o imenso poder de algumas megaempresas apoiadas pelo dinheiro e pressões do governo americano permitem que este negócio ainda sobreviva.
O que a sociedade brasileira espera de Lula é uma atitude responsável. Não tratamos o problema dos transgênicos como uma questão de “dogma ou ideologia” como, estranhamente, tem sido colocado.
A questão é de interesse nacional e internacional e o PT a colocou corretamente no seu programa de governo, em três oportunidades: no Fome Zero, na Agricultura e no Meio Ambiente, se comprometendo com a sociedade na defesa do meio ambiente, da saúde da população e da economia brasileira. O governo americano e a Monsanto parecem que não estão levando a sério os programas eleitorais.
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Andrea Salazar (Idec), Jean Marc von der Weid (Assessoria e Serviços a Projetos a Agricultura Alternativa) e Mariana Paoli (Greenpeace) são coordenadores da Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos.