O post “Para ter alimento de verdade é preciso semente de verdade” apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>Em Lagoa Seca, no território da Borborema, na Paraíba, nos dias 23 e 24/08, o assunto foi as Sementes da Paixão. Cerca de 90 participantes da Rede dos Bancos Comunitários de Sementes do Polo da Borborema voltaram a se reunir presencialmente após a pandemia para organizar as demandas relacionadas à proteção, multiplicação e acesso às sementes crioulas e destacá-las nas ações de incidência política junto aos governos municipais e estadual.
E, como estamos em plena época de campanha eleitoral, os pleitos mais estratégicos vão ser incluídos no documento que o Polo da Borborema vai apresentar aos candidatos do campo progressista no dia 13 de setembro.
Os dois dias fizeram parte da 1ª Festa da Colheita das Famílias Guardiãs das Sementes da Paixão da Borborema. O evento é mais um passo da caminhada iniciada desde a fundação do Polo da Borborema em 1996, como lembrou Manoel Oliveira, conhecido mesmo como seu Nequinho, da diretoria do Sindicato Rural de Alagoa Nova e da Coordenação Executiva do Polo.
“No que se refere às políticas públicas que vinham pra gente, costumamos usar dois ditados: Que a corda sempre tora pro lado mais fraco e a água sempre corre para o mar. O que costumava vir de política pra gente era a esmola que o pessoal ganhava para cavar açude para o fazendeiro. Historicamente, as sementes sempre eram moeda usada na troca de favor com políticos”, destacou Euzébio Cavalcanti, poeta, sindicalista, guardião de sementes e agricultor familiar assentado da Reforma Agrária em Remígio.
“Hoje, a gente diz ao governo que nós queremos sementes crioulas. As experiências estão hoje aqui por causa da nossa história de resistência. Hoje, os agricultores e agricultoras guardam e mostram o que antes tinha vergonha porque era dito que não valia nada, que não eram sementes e sim, grãos”, acrescenta Euzébio e complementa referindo-se ao ditado que citou antes: “Hoje, queremos fazer um barramento no rio para que a água não corra toda para o mar.”
Em 2004, o governo da Paraíba reconheceu, por meio da Lei 10/2004, os bancos de sementes como espaço para guardar as sementes locais. “Ou seja, reconheceu essa forma de guardar como legal”, traduz Euzébio. Isso graças à organização social e pressão política, que no território da Borborema teve como um dos protagonistas o Polo da Borborema, em parceria com a ASPTA.
Atualmente, o principal pleito dos guardiões e guardiãs de sementes é que o governo estadual compre e distribua sementes crioulas. “O Estado só quer comprar sementes convencionais das empresas sementeiras”, dispara Euzébio.
No evento, os guardiões e guardiãs acompanharam a apresentação de iniciativas de acesso às sementes da Paixão a partir de ações diversificadas em Lagoa Seca, Montadas, Alagoa Nova e Queimadas. No primeiro, trata-se de um programa público municipal de aquisição e distribuição de sementes crioulas para as famílias guardiãs, em parceria com o sindicato e juntos constituíram o Programa Planta Lagoa Seca. Em Montadas, a ação se deu por meio da intervenção do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e Sustentável, que conseguiu recursos públicos para comprar e distribuir sementes, criando o Programa Conselho no Roçado.
Em Alagoa Nova, foi construído um banco municipal de sementes e com recursos próprios o sindicado comprou sementes de milho livre de transgênicos, fortalecendo a rede municipal de bancos e novas famílias de outras comunidades sendo atendidas pelo banco municipal. E, em Queimadas, as iniciativas de reforço dos estoques foram organizadas pela própria comunidade e gestores dos bancos comunitários de sementes, onde foram realizados bingos e contribuição dos fundos rotativos solidários para aquisição de sementes da paixão e fortalecer os bancos comunitários municipais.
“Fica muito claro pra gente que só com vontade política as coisas andam”, ressaltou Emanoel Dias, assessor técnico da AS-PTA, acrescentando: “Vontade política e participação popular”. Ele recordou que, em maio desse ano, também no Banco Mãe de Sementes da Paixão, no distrito de Quicé, em Lagoa Seca, houve uma audiência territorial com o secretário de agricultura da Paraíba, na qual os representantes da Rede de Sementes do Polo questionaram a compra das sementes às empresas.
“O governo do Estado investe R$ 6 milhões, por ano, no programa de compra de sementes. Não podia destinar R$ 500 mil para comprar as nossas sementes da Paixão? Por que não faz? Será que investir parte desse recurso para fortalecer os estoques de sementes crioulas não poderia gerar autonomia para famílias”, criticou.
Nesse momento, Nelson Anacleto, secretário de Agricultura e Abastecimento Alimentar de Lagoa Seca, comenta que, há cerca de dois meses, esteve numa audiência com o secretário da Agricultura, Bivar Duda, e com o secretário do Desenvolvimento da Agropecuária e da Pesca, Joaquim Carneiro, e questionou porque o governo não compra direto dos agricultores, como a prefeitura faz. “A resposta é que os editais deram desertos. Mas eles fazem editais voltados para a realidade das empresas, essas não vendem sementes crioulas”.
Segundo o secretário Nelson Anacleto, se não há regra no Estado para a compra direta de sementes aos agricultores, pode-se criar. “Compramos, em 2021, em plena crise por conta da seca, 1,5 mil quilos de sementes de 150 famílias. Em 2022, vamos comprar mais de cinco mil quilos”, observa ele anunciando o ‘caminho das pedras’: Tudo é pressão social para que se tenha vontade política”.
“Para ter alimento de verdade é preciso semente de verdade”, acrescentou Luciano Silveira, da coordenação da AS-PTA na Paraíba, que fez uma explanação sobre o contexto no qual está inserida a luta em defesa das sementes crioulas no território da Borborema, no semiárido paraibano.
“Pra gente entender o tamanho da nossa luta e a importância dela para a gente e para toda a humanidade, precisamos saber contra quem estamos lutando quando defendemos um modo de produção de alimentos de qualidade para ser consumidos pela sociedade”, dispara.
E faz um resgate histórico da implantação da Revolução Verde, nos anos de 1960 e 1970, quando o Estado se associou às indústrias de insumos agrícolas, entre eles, os agrotóxicos, para mudar completamente a forma de manejar o campo e produzir alimentos. Essa política se expressou em todos os campos, como os empréstimos nos bancos públicos para os agricultores familiares que precisavam comprar venenos para que as outras parcelas do financiamento fossem liberadas.
“Hoje, empresas grandes querem dominar a produção de alimentos e de sementes”, afirmou, informando que as indústrias que patenteiam as sementes são as mesmas que produzem mais produtos químicos e mais venenos. “O mercado de alimentos, por exemplo, está cada vez mais concentrado em grupos, que possuem grandes cadeias de supermercados, como o Atacadão, que é do grupo do Carrefour, o Açaí, que é do Wallmart. E essas cadeias vendem produtos ultraprocessados.”
Ao final de sua fala, Luciano verbalizou que o Polo, com sua rede de Bancos de Sementes, defenda a criação de uma política municipal de sementes a exemplo do que acontece com Lagoa Seca e questiona aos presentes: “Como fazemos que a experiência de Lagoa Seca e de Montadas [sementes crioulas compradas com recursos públicos e distribuídas via Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável] possam influenciar outros municípios?”
À tarde do dia 23 foi tão cheia de informações e trocas quanto a manhã. No primeiro momento, foi apresentado o resultado do monitoramento da quantidade e tipos de sementes crioulas que existem nos bancos comunitários do território coberto pelo Polo. Esse monitoramento, realizado há cinco anos, faz parte de um projeto de extensão desenvolvido pela professora Christine Cuebe, da Universidade Federal da Paraíba, com a participação de vários alunos e alunas.
Os dados socializados são de 59 bancos comunitários, com 637 associados, que representam 1.136 famílias. “Contabilizamos 11 espécies diferentes de sementes, além das plantas de roçado, temos frutíferas, forrageiras, oleagionosas, hortaliças, leguminosas e de flores”, informa a professora.
Entre as espécies, o milho e o feijão se destacam. No caso desse primeiro, de 2019 para 2021, a pesquisa apontou um crescimento sucessivo de variedades guardadas nos bancos comunitários. De 145 variedades, em 2019, para 189, em 2021. O crescimento também foi verificado no estoque. De mais nove toneladas em 2019 para quase 26 toneladas em 2021. “Houve um grande crescimento apesar da seca e dos dois anos de pandemia”.
Feira – No dia 24/08, foi a vez da abundância e diversidade das sementes crioulas e dos alimentos gerados pela agricultura familiar – sejam eles frescos e naturais, sejam eles beneficiados – ganharem um espaço públicos para serem mostrados, vendidos, comprados, trocados e doados.
A feira organizada pela 1ª Festa da Colheita das Famílias Guardiãs de Sementes da Paixão da Borborema animou o centro de Lagoa Seca e movimentou a praça da matriz. Estudantes das escolas municipais e estaduais também estiveram presentes acompanhados de suas professoras.
Na feira, foram montadas 13 barracas, uma para cada município que faz parte do Polo, além de mais duas barracas. Uma das para divulgação e venda dos itens da marca Produtos do Roçado beneficiados e ensacados pela EcoBorborema e comercializados região e para as cidades e capitais próximas.
E outra barraca para doação de sementes, que foi sucesso enquanto durou o estoque de sementes crioulas. O milho preto, batizado de Milho Chile por um dos primeiros guardiões dessa semente no território porque a recebeu de campesinos dos Andes, foi um dos que mais despertou interesses. E a primeira leva dele logo se acabou, precisando ser reposta.
Enquanto no pequeno palco montado um trio de forró tocava para animar o ambiente e representantes das organizações que promoveram o evento deixaram recados importantes sobre essa luta travada no território pelas famílias agricultoras, nas barracas o burburinho era grande.
Dona Iraci dos Santos, vinda do Sítio Furnas, no município de Montadas, levou alguns quilos de uma semente de feijão diferente. Trata-se da variedade chamada Divino Espírito Santo. É o terceiro ano que ela tá com essa semente. No primeiro, devido à seca, o que colheu só ficou para semente no ano seguinte, que já teve uma safra melhorzinha. “Dessa vez, eu provei para poder vender, né, minha filha?” O feijão foi aprovado com louvor tanto pelo bom sabor, quanto pelo seu caldo grossinho, como também pela planta ter sido mais resistente ao excesso de chuvas do que as outras variedades de feijão, como o rosinha.
“Esse ano, lucrei mais ou menos 120kg desse feijão. Ele cresce bem grandão se for plantado numa terra bem forte. Quando ele tá amadurecendo, as folhas começam a cair. E também ele tem uma vagem bem grossa que protegeu mais o feijão”, diz ela.
Pra ser feira mesmo, além dos vendedores é preciso ter os/as compradores/as. Um deles era o casal Angélica Batista e Ramom, que havia levado a pequena Anahi de um aninho. Moradores de Lagoa Seca, eles são clientes das feira agroecológica do município. “A gente já tinha preocupação com a comida e com o nascimento de Anahi é sempre compramos alimentos agroecológicos mesmo. Estou levando o Fubá da Paixão para dar a ela”, conta Angélica, que faz doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
O post “Para ter alimento de verdade é preciso semente de verdade” apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>O post 1ª Festa da Colheita celebra lucro dos roçados e defende políticas públicas para as sementes da Paixão apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>Para celebrar a boa colheita de 2022, mas também para defender as políticas públicas que protegem e valorizam as sementes crioulas, chamadas na Paraíba de sementes da Paixão, as famílias guardiãs desses materiais genéticos se reunirão por dois dias na semana que vem em Lagoa Seca.
A 1ª Festa da Colheita das Famílias Guardiãs das Sementes da Paixão da Borborema acontecerá nos dias 23 e 24 de agosto, na terça e quarta-feira da semana que vem. O primeiro dia vai ter a participação restrita das famílias guardiãs que integram a comissão de sementes do Polo da Borborema composta, principalmente, pelos sócios e sócias dos mais de 60 bancos de sementes comunitários espalhados pelos 13 municípios onde atua o Polo da Borborema.
A programação vai ser recheada de debates para promover reflexões sobre as políticas públicas locais e programas que promovem o acesso das famílias agricultoras às sementes da Paixão, adaptadas por gerações às características ecológicas do território.
As iniciativas, que serão analisadas sob o olhar e perspectiva dos principais interessados, são tanto promovidas pelo governo, como pela sociedade civil organizada. São elas: o Programa Municipal de Sementes do município de Lagoa Seca, o Programa Conselho no Roçado do Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) do município de Montadas e a mobilização de recursos do Sindicato de Alagoa Nova para a compra de sementes de milho da Paixão para evitar o abastecimento das famílias com sementes transgênicas ou contaminadas pela transgenia.
Ainda haverá a apresentação de uma estratégia comunitária adotada pela gestão de dois bancos de sementes – um na comunidade de Soares e outro em Guritiba, ambos em Queimadas, para superar a perda das sementes de milho pela seca dos últimos anos, quanto pela contaminação pela transgenia.
Na tarde do dia 23, haverá a socialização dos dados de 2021 do monitoramento dos estoques das sementes em todos os bancos comunitários. O monitoramento está sendo realizado a partir de uma técnica desenvolvida pela Universidade Federal da Paraíba, Campus de João Pessoa, departamento de Engenharia da Produção.
Por fim, haverá também um momento para definir as estratégias da campanha Não Planto Transgênicos para Não Apagar Minha História para mantê-la bem viva e com a mensagem afiada alcançando as famílias que ainda não estão na rede de guardiões e guardiãs do Polo da Borborema.
O segundo dia, 24, pela manhã, está destinado para o público em geral. Na praça da Matriz de Lagoa Seca vai ser montada uma feira com 13 barracas para venda, troca ou doação de sementes da Paixão, além dos produtos da agricultura familiar.
“Nesse momento, haverá também para quem estiver visitando a feira breves relatos das iniciativas debatidas no dia anterior e depoimentos dos gestores e gestoras sobre as estratégias de gestão dos bancos comunitários de sementes”, explica Emanoel Dias, assessor técnico da AS-PTA que acompanha o tema das sementes crioulas.
Com celebração, debates, trocas de conhecimentos e de sementes, o Polo e a ASPTA pretendem chamar atenção do poder público e dos candidatos para as pautas importantes para a conservação, multiplicação e acesso das sementes crioulas por quem cultiva o solo. Afinal de contas, a alimentação saudável, livre de veneno, começa com o plantio de sementes que não dependem de produtos químicos e tóxicos para se desenvolver.
“No evento, vamos entregar uma carta destacando os princípios importantes para a construção de políticas públicas de acesso às sementes crioulas para os representantes das prefeituras e conselhos de desenvolvimento rural (CDR) que estiverem presentes”, acrescenta Euzébio Cavalcanti da Comissão de Sementes do Polo, da diretoria do Sindicato de Remígio e presidente do Conselho do município.
A 1ª Festa da Colheita das Famílias Guardiãs das Sementes da Paixão da Borborema tem o apoio da prefeitura de Lagoa Seca e das organizações de cooperação internacional que são parceiras da AS-PTA e do Polo: CCFD, ActionAid, Fundação Laudes e Misereor.
O Polo da Borborema é um coletivo formado por 13 sindicatos rurais e cerca de 150 associações comunitárias. Da ação do Polo que existe há 25 anos, nasceram a EcoBorborema, uma associação regional, e a CoopBorborema, uma cooperativa de alcance estadual, além de uma marca – a Do Roçado – de alimentos da agricultura familiar agroecológica que tem como carro-chefe o flocão produzido com o milho da Paixão.
A AS-PTA é uma organização da sociedade civil que assessora o Polo da Borborema na construção e consolidação do projeto político que defende o território como espaço da agricultura familiar agroecológica
O post 1ª Festa da Colheita celebra lucro dos roçados e defende políticas públicas para as sementes da Paixão apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>O post ANA lança vídeo final do Prêmio #AHistóriaQueEuCultivo no Dia Internacional da Biodiversidade apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>O Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) lançou no Dia Internacional da Biodiversidade, 22 de maio, o vídeo final do Prêmio #AHistóriaQueEuCultivo, inciativa de comunicação popular que condecorou guardiãs e guardiões de sementes crioulas de todas as regiões do Brasil. A produção final foi nomeada de “História Coletiva – Biodiversidade Resiste” e reúne trechos de vídeos enviados por agricultoras e agricultores familiares, indígenas, quilombolas, dentre outros integrantes de povos e comunidades tradicionais que participaram do concurso. O vídeo traz um olhar panorâmico sobre a defesa do patrimônio genético alimentar no Brasil a partir da diversidade de pessoas e de grupos que constroem cotidianamente a agroecologia.
“Na nossa visão, os saberes e as práticas de assentadas e assentados da reforma agrária, de camponesas e camponeses e de integrantes de povos e comunidades tradicionais são fundamentais para a proteção da biodiversidade. Seus modos de vida precisam ser respeitados por toda a sociedade. Nesse sentido, a importância desses segmentos, que cuidam das águas, faz o manejo das sementes crioulas, produzem comida de verdade sem agrotóxicos, só para citar alguns exemplos, precisa ser mais visibilizada e valorizada. Acredito que avançamos com esse objetivo a partir do Prêmio”, avalia Naiara Bittencourt, do GT Biodiversidade da ANA.
Qual história você cultiva? A partir da pergunta e da convocatória do Prêmio, o GT Biodiversidade da ANA recebeu 115 vídeos, a maioria feita de forma caseira com celulares ou câmeras. A “História Coletiva” é justamente um mosaico de alguns dos vídeos premiados. “Recebemos relatos de todas as regiões do país. Isso demonstrou a diversidade do movimento agroecológico, com diferentes sotaques e realidades locais. Ao mesmo tempo, localizamos muitos princípios compartilhados, como a relação integrada do ser humano ao meio ambiente, assim como muitas ameaças comuns em diversos territórios, a exemplo dos transgênicos e dos agrotóxicos”, destaca Naiara, que também integra a organização Terra de Direitos.
Comunicar saberes
Muitos vídeos inscritos no Prêmio demonstram o trabalho de guardiãs e guardiões da agrobiodiversidade em armazenar, selecionar, semear e compartilhar as sementes crioulas, que englobam grãos, mudas, raízes, ramas, espécies nativas de animais, enfim, todas as formas de reprodução da vida. Ao contarem suas histórias, as pessoas e grupos enfatizaram a importância de passar seus conhecimentos para as futuras gerações.
Vera Lúcia Ferreira, por exemplo, orgulha-se de ter aprendido “muitas coisas boas com a roça”. Ela trabalha, em especial, com saúde integral e plantas medicinais, e conta que começou a se interessar pelo tema ainda criança, a partir das vivências com sua mãe e sua avó. Em seu vídeo, um dos que receberam “Menção Honrosa”, Vera reforça que a saúde vem do seu quintal, onde cultiva “plantas medicinais e plantas de comer”. “Quero continuar cultivando, fazendo chás, xaropes, passando os saberes para quem for chegando. A minha preocupação é a seguinte: quando a gente for, que fique o nosso conhecimento. O que aprendemos, o que gravamos na cabeça e no coração, ninguém tira”, afirma a agricultora familiar, que vive no município Paula Cândido, em Minas Gerais.
Um dos objetivos do Prêmio, inclusive, foi comunicar a agroecologia a partir dos territórios, estimulando a comunicação popular entre as guardiãs e os guardiões de sementes crioulas e fortalecendo o debate público sobre a biodiversidade. “É sempre importante reafirmar que a comunicação é um direito. Acredito que ações como essa contribuem para visibilizar o nosso povo, ecoar essas diferentes vozes das regiões e reconhecer a força e a importância da comunicação popular”, reforça Wanessa Marinho, que participou da comissão de premiação do concurso.
O Prêmio
Lançado em 2020, o Prêmio #AHistóriaQueEuCultivo prestou homenagem à animadora de sementes crioulas Emília Alves Manduca (em memória), que integrou o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Grupo de Intercâmbio em Agroecologia (Gias), a Associação Regional de Produtores Agroecológicos (Arpa), dentre outras organizações, participando de lutas pela reforma agrária, contra os agrotóxicos, em defesa das águas, da educação no campo e do direito das mulheres.
Mesmo após conquistar legalmente seu pedaço de terra em 2002, Emília continuou vivendo “de acampamento em acampamento, de despejo em despejo”. Dizia que já tinha “terra e pão”, mas que continuaria sempre sendo Sem Terra enquanto vivesse. “Estamos aqui para que esse povo todo seja assentado. Enquanto as injustiças estiverem acima dos trabalhadores e da vida, continuarei lutando”, afirmava. O vídeo final do Prêmio inclui imagens inéditas de Emília declamando uma poesia de sua autoria: “Por um minuto apenas fui feliz”, um texto de 1997.
Além da “História Coletiva”, cinco produções ganharam na categoria “Histórias Regionais”. Outros 15 vídeos foram condecorados como “Histórias Locais” e 11 receberam “Menções Honrosas”. “A chamada do Prêmio ocorreu em um contexto de grande isolamento social por causa da Covid 19. Foi muito especial ter a oportunidade de ver todas essas pessoas atuando em diferentes territórios do nosso país, ouvir suas vozes e ainda ajudar a compartilhar essas experiências. Temos que fazer circular cada vez mais os vídeos, que mostram a força da agroecologia”, conclui Wanessa, que faz parte do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM).
O post ANA lança vídeo final do Prêmio #AHistóriaQueEuCultivo no Dia Internacional da Biodiversidade apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>O post Em reunião com Secretaria Estadual da Agricultura Familiar, Polo da Borborema recusa sementes de milho contaminadas por transgenia e a instalação de parques eólicos apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>“Trata-se de um crime que silencia e marginaliza os nossos guardiãos e guardiãs de sementes da Paixão”, segue Roselita. “É um crime que ameaça esse espaço [o Banco Mãe e a Unidade de Beneficiamento de Milho Livre de Transgenia] que foi construído com um investimento de R$ 200.000,00 levantados pelo Polo e pela AS-PTA. Sem sementes livres de transgenia não podemos fabricar o flocão”, acrescenta.
Por fim, Roselita se põe à disposição para a construção de uma política que atenda as necessidades das famílias: “Se quiser, a gente vai dialogar com o governo. O Rio Grande do Norte, da governadora Fátima Bezerra, tem uma lei de distribuição de sementes crioulas. Não queremos que o Estado faça pra gente, queremos construir políticas públicas em parceria com o governo. Foi assim que fizemos com o Programa Cisternas [no âmbito federal], assim construímos junto ao governo estadual o edital do projeto de raças nativas que empodera e traz autonomia para as famílias e valoriza suas experiências.”
O tom da audiência com o governo estadual foi de críticas duras ao programa estadual de sementes. “A política estadual de distribuição de sementes precisa ver também os agricultores do território como fornecedores de sementes”, dispara o jovem agricultor dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Queimadas e vice-presidente da CoopBorborema, Mateus Manassés.
A sentença de Mateus sintetiza um dos pleitos da sociedade civil e do movimento sindical do território da Borborema para essa política pública que, no estado da Paraíba, não está a serviço das famílias e, sim, das empresas de sementes.
“Uma das maiores contradições dessa política é que um programa de sementes direcionado para a agricultura familiar seja gerido pela secretaria que atende aos interesses do agronegócio”, sustenta por sua vez o secretário de Agricultura Familiar e Abastecimento de Lagoa Seca, Nelson Anacleto.
No que toca o abastecimento de sementes às famílias agricultoras, a secretaria coordenada por Nelson está pondo em prática o modelo de programa público defendido pelos guardiões e guardiãs de sementes da Paixão e expressado por Mateus.
Um modelo que não só compra o material genético das famílias do território, mas empresta as sementes para que sejam devolvidas no ano seguinte, criando assim um senso de responsabilidade e coletiva e reforçando os laços de solidariedade entre as famílias agricultoras.
Além de Manassés e Anacleto, outras tantas pessoas, representantes de sindicatos, conselhos de desenvolvimento rural, organizações da sociedade civil, negaram a política atual e propuseram como encaminhamento que as sementes contaminadas não fossem mais distribuídas para as famílias agricultoras.
Uma carta assinada pela Articulação Semiárido Paraíba, da qual fazem parte o Polo da Borborema e a AS-PTA, foi entregue ao secretário Bivar. Nela, há exigências de que o governo do estado submeta as variedades de milho distribuídas a testes laboratoriais para comprovação do resultado dos testes realizados com fitas imunocromáticas que detectou presença de várias proteínas de organismos geneticamente modificados.
Pela gravidade da situação, a Comissão de Sementes do Polo orienta às famílias guardiãs das sementes da Paixão que não peguem as variedades de milho dadas pelo Estado para não contaminar o material genético que fazem parte das histórias delas de produtoras de alimentos saudáveis.
Neste caso, essas famílias receberão sementes crioulas adaptadas às características locais que sindicatos, prefeituras, Polo da Borborema e a AS-PTA estão comprando com seus próprios recursos. Essa distribuição local de sementes faz parte da estratégia da campanha “Não planto transgênicos para não apagar a minha história”, que o Polo realiza desde 2016.
Em resposta aos presentes, o secretário Bivar pediu que a denuncia da contaminação fosse levada para o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável pelas organizações presentes e que ele, enquanto governo, também faria o mesmo. O mesmo conselho foi denunciado pelos presentes como espaço pouco democrático e que está sofrendo processos de manipulação pelo Estado.
Parques eólicos – O recado do Polo para o secretário inclui também a contraposição às indústrias de geração de energia a partir dos ventos e do sol. “A chegada dessa indústria nos força a entregar a nossa terra conquistada com tanta luta”, destaca Roselita que é assentada da reforma agrária no município de Remígio, onde há vários assentamentos que são grandes produtores de milhos livres de transgenia, inclusive.
Ela destaca que, com a aliança do Estado com as empresas privadas, quem sofre são as famílias agricultoras e o meio ambiente, salientando os impactos na vida das mulheres e das comunidades que se fragilizam ainda mais diante da fome, da pobreza e dos efeitos das mudanças climáticas que são sentidos de forma mais acentuada nas áreas mais secas do planeta, como o Semiárido brasileiro, onde se situa o território da Borborema.
Mateus também ressalta um aspecto bastante cruel desses empreendimentos para os jovens rurais. “Os contratos [que comprometem o uso prioritário da propriedade para a geração de energia por décadas] nos tiram a possibilidade de herdar as terras de nossos pais e avós. Onde estou hoje foi terra de meus avôs. Se os jovens rurais estão indo embora do campo é porque o sistema governamental está falhando. O governo deve nos escutar. Se isso não acontecer não vale a pena a gente estar aqui e eu ter deixado de cuidar das minhas cabras hoje de manhã.”
Sobre esse tema, o secretário disse que era inevitável a chegada desses empreendimentos no território.
Carta Política da ASA Paraíba sobre a distribuição de sementes
Resultados dos testes realizados com fitas imunocromáticas
Carta política da 13a. Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia
O post Em reunião com Secretaria Estadual da Agricultura Familiar, Polo da Borborema recusa sementes de milho contaminadas por transgenia e a instalação de parques eólicos apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>O post Encontro socializa resultados do primeiro ano do Programa Sementes de Lagoa Seca apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>A secretaria de Agricultura e Abastecimento de Lagoa Seca, o Polo da Borborema e a AS-PTA realizaram na quinta-feira da semana passada (16) o 1º Encontro Municipal de Sementes da Paixão. A grande novidade deste encontro foi que ele reuniu os agricultores e agricultoras de Lagoa Seca e lideranças comunitárias, sindicais, presidentes dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS) e representantes das prefeituras dos municípios vizinhos para apresentar os primeiros resultados alcançados pela operacionalização da Lei 296/2014, que cria o Programa Municipal de Sementes. E, ao mesmo tempo, o encontro serviu de espelho para que os demais municípios do território – Montadas, Remígio, Queimadas, Areial e Alagoa Nova – conhecessem mais sobre a lei – seu funcionamento e fundamentos.
Euzébio Cavalcanti, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Remígio e também presidente do CDRS do município, um defensor ferrenho dos cuidados com as sementes crioulas para sua conservação e multiplicação, acredita que o encontro gerou impacto nas pessoas dos municípios vizinhos ao mostrar que “é possível ter uma política de semente a partir da semente crioula.”
“A nossa luta é fazer que essa lei se espalhe. Cada município faça do seu jeito, mas que faça a compra na época certa para distribuir sementes na época certa. Isso é um grande fundamento dessa lei”, destaca ele, salientando que a lei, por obedecer aos tempos da colheita e do plantio, tem seu funcionamento semelhante aos bancos de sementes. “Os bancos comunitários são um retrato disso [da lei] numa quantidade menor. O BSC distribui as sementes para a comunidade quando chove e a semente volta para casa quando na época da safra.”
Segundo ele, é desse jeitinho que deve funcionar uma política de semente. “Não adianta fazer licitação para comprar a semente na época da distribuição porque a semente vai chegar tarde para quem planta”, destaca ele referindo-se aos processos feitos pelos estados e que terminam não atendendo à necessidade das famílias agricultoras na hora em que precisam.
Nelson Anacleto, secretário de Agricultura de Lagoa Seca, também avaliou o evento positivamente e com entusiasmo. “Foi uma forma de reafirmar o projeto que vamos fortalecer e avançar em outros aspectos, ampliando a conotação do programa de sementes”, salientou.
No que se refere ao fato do evento ter sido pensado para possibilitar a construção de diálogos com outros municípios, numa articulação para fora de Lagoa Seca, o secretário reconhece que mostrar uma política implementada por uma secretaria da prefeitura para outra gestão municipal tem um significado político. “Mas, só a força política não é suficiente para fazer a iniciativa funcionar. Esse programa só vai ter sucesso se os movimentos sindicais e agricultores assumirem seu papel: de cobrar e fazer articulação social. É preciso conjugar a vontade política de gestores municipais com a capacidade de articulação da sociedade”, defende.
Segundo o secretário, que já foi vereador por dois mandatos e conseguiu a aprovação e sanção da lei de sementes de Lagoa Seca, a expectativa da prefeitura para 2022 com relação ao programa é substituir “substancialmente” o uso do milho 1051 pelo milho jabatão. A primeira variedade é uma semente híbrida – resultado do cruzamento entre duas variedades – mas que só vinga no roçado diante de condições ideais de precipitação pluviométrica ou irrigação e um solo bem nutrido, necessitando do pacote químico para se desenvolver.
Segundo Emanoel Dias, assessor técnico da AS-PTA, o milho 1051 dá espigas grande e uniformes, apreciadas no mercado. No entanto, as sementes não geram outras plantas. O que faz com que o camponês ou a camponesa precise comprar a semente no outro ano, novamente. E junto à semente todo o pacote de venenos. “Já o milho jabatão, nosso milho da Paixão, é mais doce, mais gostoso, tem uma coloração diferente”, comenta ele sem nem precisar destacar a capacidade de adaptação desta semente às condições ecológicas do território.
Assim como Nelson Anacleto, Emanoel saiu do evento muito entusiasmado. “A avaliação é extremamente positiva. O programa de sementes é um exemplo prático de como o recurso público municipal pode estar a serviço das dinâmicas já existentes da agricultura familiar. No momento em que a gente vem perdendo vários programas na esfera pública federal, essa mobilização de recursos municipal é fundamental para dinamizar a rede de bancos de sementes comunitários”, dispara ele.
Para Fabiana Alvarenga, do Sindicato dos/as Trabalhadores/as Rurais de Lagoa Seca o evento foi “bastante produtivo porque percebemos, principalmente, o olhar do trabalhador para as suas sementes, mesmo aquele que trabalhava de forma convencional, usando veneno. Como guardam, como plantam, o hábito da troca de sementes para recuperar alguma variedade perdida. Vimos também que precisamos mudar muito a questão do uso do solo, por exemplo, que já está muito desgastado por conta do uso dos venenos.”
Programação – Pela manhã, para mais de 60 agricultores/as, foram apresentados o resultado do Programa Sementes em 2021: compra pelo município de 2.126 quilos de sementes, investimento de mais de R$ 12 mil para a compra de sementes e de R$ 7 a 8 mil para a compra de equipamentos para estocagem das sementes.
“Quando comparamos este volume de recursos ao orçamento municipal, vemos que é muito pouco, mas quando é um recurso bem direcionado e bem investido, os retornos são significantes como, por exemplo, o resgate de uma diversidade enorme de material. No evento, escutei de vários agricultores, que perderam o feijão carrapatinho, o ovo de rolinha, a faveta de cacho que, a partir destas compras feitas em 2020 pela prefeitura de Lagoa Seca, que conseguiram resgatar as sementes”, conta Emanoel.
À tarde, para mais de 30 representantes de associações comunitárias, foi apresentada a estratégia das comunidades livres de transgenia e foi reforçada a mensagem sobre a necessidade de ter mais milho crioulo livre de transgenia para vender para a unidade de beneficiamento que fica no município e produz vários produtos a partir das espigas, como o famoso Flocão da Paixão. Quando o milho é crioulo e está livre de contaminação, o valor de venda dele para a Unidade de Beneficiamento supera em 30% o valor do mercado, o que é uma grande vantagem para as famílias agricultoras.
Na parte da tarde, também foi apresentada a proposta do plantio de algodão consorciado a outras culturas, uma estratégia muito interessante para as famílias agricultoras devido à capacidade da variedade de algodão ser bem resistente à falta de água.
O município de Lagoa Seca tem aptidões de plantio de frutas e hortaliças, na região mais brejeira, e, na área mais seca e menor de Lagoa Seca, se planta as culturas de sequeiro – batatinha, batata doce, macaxeira. Mas, entre estas, o algodão não é uma cultura comum.
“Vamos priorizar, no início de 2022, alguns agricultores e agricultoras que têm interesse em trabalhar com o algodão”, comenta Anacleto, que montou uma pequena equipe para prestar assistência técnica às famílias agricultoras dos municípios. Feito que foi ressaltado por Emanoel entre os méritos do primeiro Programa de Sementes do território da Borborema paraibana.
O post Encontro socializa resultados do primeiro ano do Programa Sementes de Lagoa Seca apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>O post Por trás da Lei de Sementes de Lagoa Seca, há uma longa caminhada de incidência política e escuta ativa das famílias agricultoras pelo STR apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>Era uma vez uma região com chuvas concentradas em 3 a 4 meses e muito, mais muito calor no restante do ano. Neste lugar, para colher os alimentos no roçado, era preciso semear sementes que germinam com pouca água. Para as famílias que plantam, estas sementes são como verdadeiros tesouros, porque só elas conseguem multiplicar-se em centenas de outras sementes para alimentá-los e garantir os plantios nos anos seguintes.
Mas o problema é que o povo que planta zelava sozinho pelas suas sementes. Sem apoio, estes homens e mulheres não conseguiam fazer com que elas se multiplicassem ano a ano. Porque sempre há períodos de seca e as sementes, mesmo sendo muito adaptadas ao calor da região, não brotavam.
E vocês podem perguntar: E os governantes? O que eles faziam para ajudar o seu povo? Ah, neste lugar, por muito tempo, os governantes não se importavam com estas sementes-tesouros, que os agricultores e agricultoras amavam tanto que as chamavam de sementes da paixão. Os governantes não faziam nada para preservá-las. Por vezes, criavam até medidas que ameaçavam ainda mais a preservação destas sementes.
Até que os agricultores e agricultoras – cansados de tanto penar, de tanto passar necessidade e esperar ajuda de quem deveria cuidar da população – começaram a se organizar.
O primeiro passo foi eleger novas pessoas para a direção do sindicato que eles mesmos criaram para buscar melhoras para quem vive de cultivar a terra. É que o sindicato já tinha 18 anos, mas não estava cumprindo a sua missão. A nova diretoria, comprometida em buscar soluções para as dificuldades das famílias agricultoras, começou a fazer alianças com outros sindicatos da região, ONGs e a participar de redes com organizações da sociedade civil de lugares mais distantes.
Esse relato pode ser de qualquer município da região semiárida brasileira, mas a história o diferenciará. Infelizmente, por um lado e, felizmente, por outro.
Vamos começar com a parte do “felizmente”: O que aconteceu de bom foi que o povo que vive da terra passou a se organizar cada vez mais e, depois de muitos anos de trabalho e mobilização social, conseguiu eleger um representante para ocupar a Câmara dos Vereadores, um lugar onde ficam as pessoas que criam as leis do município.
O representante das famílias agricultoras foi eleito duas vezes seguidas. Cada vez, ele ocupou a Câmara por quatro anos. Neste período, criou uma lei muito importante para que as famílias contem com o apoio do governo municipal na proteção das sementes da paixão.
Quando o vereador foi reeleito pela terceira vez, surgiu a possibilidade de ele ir para o poder executivo, o lugar que executa as leis criadas na Câmara dos Vereadores. Assim, a lei que beneficia os povos que semeiam a terra começou a ser posta em prática.
A parte do “infelizmente” é que esta história ainda está distante da vida real de milhares de agricultores e agricultoras familiares de todo o Brasil.
Não ponha o candeeiro debaixo da mesa – O Sindicato protagonista desta história é o dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Lagoa Seca, um município localizado no estado da Paraíba e que, hoje, se destaca no mapa das políticas e programas públicos que fortalecem a agroecologia e foram construídos com participação ativa da sociedade civil organizada, a partir da Lei de Sementes nº 206, aprovada em 2014, sancionada em 2015 e implementada em 2021.
Esta lei estabelece a criação de Bancos Comunitários de Sementes nas comunidades rurais e o fortalecimento dos já que existem por meio do repasse das sementes e o veto à compra e distribuição de sementes transgênicas e híbridas por parte do município. As sementes, prioritariamente, devem ser de variedades crioulas e adquiridas de agricultores familiares da própria região. Outro elemento importante é o resgate das variedades crioulas e a multiplicação quando necessário para o abastecimento aos bancos comunitários de sementes.
Para que conquistas tão simbólicas como essa não permaneçam desconhecidas no Brasil, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) promove uma série de ações para dar visibilidade e contribuir para a irradiação de feitos importantes que reforçam a agricultura que cuida dos recursos naturais, ao contrário, do agronegócio.
A iniciativa encampada pela ANA chama-se Agroecologia nos Municípios e foi posta em prática logo depois de outra estratégia: a Agroecologia nas Eleições. Esta última criou compromissos para os candidatos e candidatas pôr em prática quando eleitos.
Foi justamente o aconteceu com o prefeito de Lagoa Seca, o Fábio Ramalho. Quando ainda estava disputando as eleições, ele se comprometeu em implementar a Lei nº 206 de 2014, que cria o Programa Municipal de Sementes. Importante destacar que, durante a sua primeira gestão, esta lei já existia, mas não foi posta em prática.
A partir do ano passado, as condições políticas, em grande parte provocadas pela atuação do STR em Lagoa Seca, passaram a ser mais favoráveis às famílias agricultoras do ponto de vista das sementes crioulas. Foi quando o vereador eleito a partir da atuação do Sindicato de Lagoa Seca, o Nelson Anacleto, que havia conquistado o terceiro mandato para a Câmara dos Vereadores nas eleições de 2020, foi convidado pelo prefeito reeleito para assumir a secretaria de Agricultura e Abastecimento.
“É um momento histórico para o sindicato. Sempre foi uma luta para as famílias agricultoras ter uma semente de qualidade, resistente, pois as sementes que são distribuídas pela Emater/ governo estadual não é de boa qualidade e ainda mais tem química e, de certa forma, deixa os agricultores dependentes do mercado. O sindicato sempre buscou valorizar a semente da paixão, aquela semente que os agricultores guardam em garrafas pets no banco familiar ou comunitário, sementes esta que é passada de geração em geração”, destaca Márcia Araújo, da diretoria do STR de Lagoa Seca.
Para mostrar como esta jornada foi sendo construída, a AS-PTA e a ANA, por meio do projeto Agroecologia nos Municípios, mobilizou os agentes envolvidos nesta caminhada e produziu um vídeo, já disponível no Youtube da AS-PTA, e uma sistematização desta experiência, a partir de uma metodologia participativa. No início do ano que vem, estes produtos poderão ser acessados a partir do Agroecologia em Rede, um repositório virtual de experiências referências no campo da agroecologia.
A ideia é irradiar a experiência para todo o Brasil e não apenas no território. Com a sistematização, a experiência ganha ares de “exemplo pedagógico para outras partes do país”, como descreve a consultora do projeto na Paraíba, Miriam Farias de Silva.
É o que já está acontecendo no município de Montadas, que a exemplo de Lagoa Seca, faz parte do Polo da Borborema, um coletivo de 13 sindicatos rurais, mais de 150 associações de base, uma associação de agricultoras e agricultores agroecológicos, a EcoBorborema, e uma cooperativa, a CoopBorborema.
Em Montadas, seu Joaquim Pedro de Santana, agricultor, guardião das sementes da paixão, militante, da diretoria do STR e representante do sindicato no Conselho de Desenvolvimento Rural, têm pautado as compras de sementes crioulas com recursos públicos municipais.
Refletir sobre a prática e colher aprendizados – O processo de sistematização da experiência de Lagoa Seca foi iniciado em maio passado. Segundo Miriam, a escolha desta experiência de incidência política aconteceu a partir do diagnóstico participativo realizado no território da Borborema.
O segundo passo foi formar um Grupo de Trabalho com representantes do Sindicato, da Secretaria de Agricultura, da AS-PTA e do Polo da Borborema, todos atores envolvidos na construção, aprovação e implementação da lei. Com este GT houve quatro reuniões.
“O primeiro momento aconteceu no Banco Mãe, com a presença do prefeito, foi para apresentar a iniciativa. E, por último, foi um encontro ampliado com representantes das comunidades e de outros órgãos públicos e secretarias”, conta Miriam, que é agricultora assentada da reforma agrária no município de Areia e economista.
O que veio antes da Lei das Sementes em Lagoa Seca – Para conhecer mais a fundo a história de conquistas e avanços do STR, é recomendada a leitura da própria sistematização quando estiver disponível. Mas, enquanto isso, vamos pincelar alguns feitos não só do STR de Lagoa Seca, mas também do Polo da Borborema. O Polo funciona como uma rede de sustentação política e organizativa de todos os 13 sindicatos e também conta com a assessoria técnica e política da AS-PTA desde a sua criação em 1998.
O Polo da Borborema, por sua vez, está inserido em redes estaduais e nacionais que defendem o projeto da Convivência com o Semiárido e a agroecologia, as Articulações Semiárido da Paraíba (ASA-PB) e a nacional (ASA Brasil) e a ANA. Inseridos nestas teias, os sindicatos passam a acessar políticas públicas que nasceram no governo Lula e se mantiveram nas gestões de Dilma Rousseff, como o Programa Cisternas.
Como o sindicato atuava com independência frente aos partidos políticos e ancorava em Lagoa Seca a importante política de acesso à água para a população dispersa da área rural, os políticos locais se enchiam de ciúmes e perseguiram, de várias formas, o sindicato.
“O Sindicato de certa forma era visto como inimigo, antes do mandato de referência da agricultura familiar em 2013, existia ‘ciumeira’, investida pelos políticos locais na desconstrução das ações do Sindicato, em particular na construção de cisternas, de outros programas federais. A ciumeira era tão grande que teve vereador que propôs até CPI contra o Sindicato, desconfiados pelo peso das nossas ações e mudanças no cenário da agricultura familiar no município”, aponta um trecho da sistematização.
“Esse cenário mudou quando o Sindicato passou a ter representante na Câmara [dos Vereadores], trazendo o debate da agricultura familiar para dentro [da casa legislativa] e com uma ação qualificada”, continua o documento.
“Nenhuma lei de interesse é efetivada sem a organização da sociedade” – Os integrantes do GT da sistematização reconhecem que um dos méritos do Sindicato foi a estratégia de “estar no lugar certo, na hora certa”. E, quando se trata de sair da periferia para ocupar espaço de decisão política, se faz necessário muita organização, mobilização social e estratégia para fazer pressão e forçar este movimento de mudança.
“Por mais que a política fosse aprovada, se não tivéssemos no espaço [no executivo municipal], não seria implementada”, assegura o GT da sistematização que, mais adiante, reforça: “‘Já tínhamos até outro documento mais antigo do que esses entregues em 2020, na primeira gestão de Fábio Ramalho mais não avançamos’, contam. O avanço foi dado com a ocupação do espaço na Secretaria de Agricultura por alguém que faz parte do movimento sindical, acredita-se que o trabalho agora pode avançar.”
Conhecimento da necessidade das famílias agricultoras, legitimidade do Sindicato – Um grande mérito não só do STR de Lagoa Seca, mas de todos inseridos na dinâmica do Polo, é estar enraizado na vida das famílias locais, com escuta atenta às necessidades e criando formas de superar os constantes obstáculos de diferentes naturezas.
Um grande passo para este enraizamento foi o Diagnóstico Rural Participativo realizado pelo STR e AS-PTA no ano 2000. “Acreditávamos que os agricultores e agricultoras eram todos iguais. Um exemplo desse reflexo foi na própria construção dos Bancos Comunitários de Sementes, fazíamos [estes equipamentos] até na região das frutas”, conta Nelson Ferreira, atual presidente do Sindicato.
A partir deste diagnóstico, foi delimitado “o espaço rural em seis microzonas ambientais: região das frutas; dos roçados; das verduras; do encontro dos rios; das ladeiras e do agreste. E os agricultores estratificados em três grandes tipos, tendo como base os agroecossistemas. A denominação de cada tipo foi dada a partir da principal atividade agrícola: agricultores de roçado, fruticultores e verdureiros. É um desenho que traduz a vocação dos sistemas de produção e influência na formatação da política pública, ação das organizações da sociedade civil e gestão municipal”, diz outro trecho da sistematização.
Esta percepção permitiu ao Sindicato ser um ator influente na construção do Plano Diretor do município, construído em 2003. Este ano, o STR se envolve novamente na revisão e atualização deste documento que baliza as políticas públicas do município.
A experiência com as sementes – Outro elemento muito importante para ser considerado é a caminhada dos atores sociais locais para proteger as sementes crioulas. Os primeiros bancos de sementes comunitários em Lagoa Seca foram criados entre 1992-1995 e o sindicato foi determinante para isso. Não é à toa que o município também acolhe o Banco Mãe de Sementes que abastece todos os bancos de sementes comunitários.
“O sindicato é um instrumento de luta para a classe dos trabalhadores rurais”, sustenta Márcia e acrescentando a seguir uma lista infinita de atividades realizadas pelo STR para melhorar a qualidade de vida das famílias agricultoras em todos os âmbitos: na luta contra a violência no campo, em atos de mobilização contra reformas nacionais como a da previdência, contra o fechamento das escolas rurais, pela conquista a escritura pública para os agricultores, entre muitas outras.
O post Por trás da Lei de Sementes de Lagoa Seca, há uma longa caminhada de incidência política e escuta ativa das famílias agricultoras pelo STR apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>O post Rede de Bancos Comunitários de Sementes do Polo da Borborema elenca estratégias para superar baixa de 50% a 60% nos estoques apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>Por causa da frustração nos roçados, as famílias envolvidas nos 13 BCS de Queimadas juntaram dinheiro num fundo comunitário e providenciaram a compra de sacas de sementes. “Por estar na rede de bancos de sementes, a gente sabe onde tem sementes, principalmente, em área de assentamento, onde o pessoal planta muito milho. Em Queimadas, alguns representantes de bancos de sementes fizeram bingo, outros usaram recursos dos Fundos Rotativos Solidários para comprar as sementes”, conta Silvinha, cujo nome de batismo é Severina da Silva Pereira.
Apesar da colheita crítica em 2021, não é o primeiro ano que os gestores e gestoras dos BSCs de Queimadas providenciam recursos próprios para reabastecer os seus estoques, principalmente, de feijão e milho. Esta estratégia, aliás, também foi adotada pela Rede de Banco de Sementes do Polo da Borborema para beneficiar o conjunto de bancos de sementes de todos os 13 municípios do território.
Emanoel Dias, da equipe de assessoria técnica da AS-PTA para o tema de sementes, estima que haverá diminuição média de 50% a 60% nos estoques dos 62 bancos de sementes comunitários do território. Segundo ele, 2021 é o 11º ano com chuvas abaixo da média no território. E a precipitação deste ano foi a pior de todos estes anos. “Não tenho informações se antes de 2010 tivemos um problema de desabastecimento tão grande quanto o que estamos passando neste ano”, confessa.
Além da reposição dos estoques a partir da compra de sementes dentro do território – estratégia superimportante porque as sementes já estão adaptadas às condições ambientais da região – a Rede dos BCS elencou outras quatro estratégias:
A primeira é a orientação dada a todos e todas que fazem parte da Rede de armazenar todas as sementes que puderem. A segunda destina-se aos gestores e gestoras dos bancos comunitários: receber qualquer semente como pagamento do empréstimo feito. A regra usual é de receber a mesma semente emprestada. Mas, nesse momento crítico, houve uma grande flexibilização. “Se o agricultor tiver pegado a semente de feijão carioca e tiver colhido o macassar, devolve ao banco o macassar. Se tiver pegado o milho e colhido só a fava, aceita-se a fava como devolução”, explica Emanoel.
A terceira estratégia foi a já citada mobilização emergencial de recursos para comprar sementes de feijão e milho para doação às comunidades mais afetadas pela seca. No caso dos recursos para atender esta demanda em todo o território, a AS-PTA e o Polo da Borborema remanejaram, com o aval das organizações parceiras Pórticus e Misereor, recursos não utilizados nos projetos para investir na aquisição das sementes.
“Começamos o trabalho com o feijão que é colhido primeiro. Já distribuímos cerca de 800 quilogramas de feijão que estavam no Banco Mãe, além das 2,5 toneladas de sementes que compramos dos agricultores/as. Todas estas sementes doadas retornarão ao estoque do banco regional quando tiver colheita. E estamos mapeando quem produziu o milho no território”, comenta Emanoel.
Foram distribuídos, por bancos de sementes, cerca de 100 a 120 quilos de sementes de diversas variedades de feijão. Tem feijão preto, carioca, faveta, rosinha, macassar, ovo de rolinha ou gurgutuba. Cada banco recebe as variedades mais adaptadas à região onde ficam. Os BCS da região de Curimataú, por exemplo, receberam mais o macassar e o carioca.
A quarta estratégia, aliás, está ligada ao cuidado com os estoques de milho, numa situação bem mais crítica que a do feijão. “Ficou definido que vamos comprar o milho no território, fazer os testes de transgenia e armazená-lo no Banco Mãe. Depois, vamos escolher quais bancos de sementes receberão estas sementes com a intenção de bloquear a comunidade do plantio das sementes transgênicas, como fizemos em Casserengue”, continua o agrônomo, acrescentando que esse estoque de milho vai ser importante para o reforço da campanha “Não planto transgênico para não apagar a minha história”, realizada no território desde 2015.
A quinta estratégia é a jornada de testes de transgenia nos milhos colhidos no território, tanto os que serão comprados para doação aos bancos comunitários, quanto os que vão ficar na família que o produziu.
Municípios mais atingidos – Dos 13 municípios incluídos na área de atuação do Polo da Borborema, os que ficam nas faixas mais áridas foram os mais afetados. Nas regiões de Curimataú, estão Casserengue, com 07 BCS e 227 famílias envolvidas, e uma parte do território de Solânea, com 8 bancos e 166 famílias. Em Queimadas, o município de Silvinha, que tem 13 bancos e 245 famílias.
O Polo da Borborema é um coletivo que reúne 13 sindicatos rurais, mais de 150 associações comunitárias, uma associação de atuação regional, a EcoBorborema, e uma cooperativa com capacidade de ação estadual, a CoopBorborema.
Além da estratégia emergencial, o que fazer para ampliar a resiliência das famílias? “O que podemos fazer é fortalecer a dinâmica da rede de bancos de sementes. A rede faz diferença na vida de uma família que produziu pouco. Se estivesse isolada, já tinha pensado em outras estratégias. Como ela está numa rede, sabe que consegue novamente mais material crioulo”, responde Emanoel. Sobre as ‘outras estratégias’ citadas por ele podemos imaginar desde compra de sementes transgênicas no mercado ou uso das sementes não adaptadas à região que são distribuídas pelos governos, ou a migração para outras regiões em busca de alternativas para se ganhar dinheiro.
Para além destas estratégias pensadas, outras estão sendo experimentadas no território como a diversificação dos plantios com culturas mais resistentes à seca como o algodão agroecológico. “Do algodão, além de vender a pluma, se aproveita a semente e a forragem para a alimentação animal”, comenta ele. Outra cultura “extremamente resistente à seca” é a mandioca que serve tanto para alimentar as famílias, quanto os animais.
Para Emanoel, a intenção por trás de todas as estratégias é de animar a rede de bancos de sementes. “Com a pandemia, estamos chegando a dois anos sem reuniões comunitárias com a intensidade de antes. E, agora, com a baixa nos estoques, pode acontecer uma esfriada na mobilização das famílias. E quando chegar o tempo da chuva, todos querem plantar e então as pessoas saem no mercado para adquirir sementes. E a possibilidade de aumentar a quantidade de milho contaminado com a transgenia é muito grande”, arremata ele citando as consequências a médio prazo trazidos pelo problema do desabastecimento.
O post Rede de Bancos Comunitários de Sementes do Polo da Borborema elenca estratégias para superar baixa de 50% a 60% nos estoques apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>O post Semente crioula gera comida de verdade: experiências de beneficiamento do milho livre de transgênicos e agrotóxicos no Nordeste apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>Essas organizações vêm oferecendo uma diversidade de produtos derivados do milho que cada vez mais representa um alívio para quem chega ao mercado e só encontra embalagens rotuladas com o T dos transgênicos. Dentre os produtos, temos o flocão de milho para cuscuz, creme de milho, xerém, munguzá, fubá, canjiquinha, mingau de milho verde e o mingau de multicereais.
Por trás de cada um desses produtos existe uma longa caminhada de luta. Zene Vieira, agrônoma responsável técnica da Copirecê e mestranda em Produção Vegetal no Semiárido pelo Instituto Federal Baiano, em Guanambi, conta que, no início, as sementes dos cooperados estavam contaminadas por transgênicos e que isso dificultava a comercialização. “Foi aí que percebemos a necessidade de descartar essas sementes e adquirir outras certificadas não transgênicas para repassar para os agricultores”, explica. A Cooperativa comprou sementes de agricultores que tinham suas variedades “limpas” e, além disso, estabeleceu parceria com a Embrapa para aquisição de variedades melhoradas não transgênicas.
Para garantir que nem o milho colhido, nem as sementes estejam contaminados, os testes para detecção de transgênicos são feitos em três momentos diferentes. “Fazemos o primeiro ainda em campo com o milho na espiga, depois no recebimento pela Cooperativa e, por último, já dentro do armazém, em lotes maiores, de 300 ou 500 sacos”, explica Zene. O teste de fita que detecta a presença de proteína transgênica é usado nas duas primeiras etapas e o PCR, que faz análise molecular, é feito por último”.
A Copirecê organizou também um banco de sementes, a partir do qual tem resgatado variedades consideradas perdidas na região. O banco empresta aos cooperados no sistema de um pra dois. Ou seja, quem pega um saco de sementes para plantio devolve dois após a colheita de forma que haja sempre sementes disponíveis para todos.
Phillipe Caetano, do Movimento Camponês Popular, o MCP, conta que essa produção sempre existiu entre os agricultores, porque o milho é base de muitos produtos na nossa alimentação e é largamente empregado também na alimentação animal. Alguns agricultores já utilizavam as sementes crioulas em suas produções e outros passaram a produzir a partir do incentivo do Movimento. “A gente tenta fazer com que a semente chegue nas mãos dos agricultores, e começamos esse trabalho de destinar a produção do milho tanto para o beneficiamento como para a comercialização da semente”, explica Phillipe, que integra o GT Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia.
As políticas públicas têm desempenhado papel importante na distribuição das sementes. Algumas prefeituras adquirem sementes produzidas pelos agricultores e as distribuem para o cultivo por outras famílias. Muitas vezes, o incentivo para os agricultores se dá a partir desse processo. Além disso, o MCP compra a produção por um preço 30% superior ao do mercado como forma de estimular as famílias a continuarem produzindo e multiplicando as variedades crioulas.
No caso da Paraíba, o trabalho construído em parceria com a ASA Paraíba, conta hoje com um Banco Mãe de Sementes, cuja estrutura é composta por uma unidade de beneficiamento de milho e uma cozinha escola. “A unidade de beneficiamento já está a pleno vapor”, comemora Emanoel Dias, assessor técnico da AS-PTA e integrante da Rede Sementes da ASA Paraíba. Segundo Emanoel, uma das preocupações atuais é que os derivados do milho, como o flocão, o xerém e o mungunzá, tenham preços acessíveis ao povo. Para tanto, a cooperativa EcoBorborema está fazendo levantamentos comparativos sobre custos de produção e preços praticados nos mercados da região.
As conclusões iniciais são animadoras e mostram que a unidade de beneficiamento do Banco Mãe é autofinanciável e economicamente viável. “Essa conquista é resultado de um longo trabalho e nossa intenção não é entrar no mercado para concorrer com as empresas de alimentos, mas para valorizar as experiências dos agricultores”, destaca Emanoel. Outro desafio atual é aumentar o volume de milho a ser processado, já que a região passa por anos seguidos de seca. Para tanto, AS-PTA e Polo da Borborema estão buscando parcerias com a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outras organizações para que utilizem a unidade do Banco Mãe para o beneficiamento da produção de suas regiões.
Em paralelo, o beneficiamento da produção e a chegada dos produtos livres de transgênicos aos mercados e feiras locais têm sido um fator de estímulo ao grupo de guardiões e guardiãs das sementes no território da Borborema, que já planeja aumentar a escala de suas produções de milho. A proposta é acrescentar um prêmio de até 30% ao valor de compra do produto livre de transgênicos. Os testes para detecção de transgênicos são feitos anualmente e os últimos resultados têm indicado a redução da contaminação.
Em Sergipe, a maior parte do cuscuz agroecológico é comercializada diretamente ao consumidor ou por meio de intermediários, lojas de produtos naturais e mercearias. Durante a pandemia a demanda pelo produto aumentou, tanto por parte do poder público, como de organizações parceiras do movimento agroecológico. O MCP conseguiu incluir o cuscuz nas cestas básicas do Programa Estadual de Aquisição de Alimentos (PAA) e realizou vendas de sementes para a ASA e para o Centro Sabiá, de Pernambuco. A Copierecê passou a atender mercados nas regiões sul e sudeste do país e também a partir do estabelecimento de parceria com o governo do estado da Bahia, no quadro do Projeto Bahia Produtiva. A ampliação desses mercados teve também rebatimentos positivos, no aumento do volume da produção do milho pelas famílias.
As experiências de processamento e comercialização têm contribuído para a conservação das variedades crioulas. Como toda a produção é submetida ao teste de transgenia, as organizações conseguem prevenir que sementes contaminadas sejam plantadas. Mas esse controle, por si só, não elimina os impactos dos transgênicos sobre as variedades crioulas. No caso da Paraíba, as famílias agricultoras fazem parte de uma rede de bancos de sementes comunitários, o que permite localizar e repor um lote de uma dada variedade contaminada. Além disso, o Banco Mãe guarda estoques de segurança de algumas variedades. A Copirecê também organiza seu banco de sementes e recorreu, além disso, a variedades produzidas pela Embrapa. O MCP tem buscado diversificar as variedades usadas pelos agricultores para compensar perdas que ocorreram pela contaminação. Para tanto, incentivam que um número crescente de agricultores assuma a multiplicação das variedades locais. “Se tem uma variedade crioula que só é produzida por 1 ou 2 agricultores, estamos tentando ampliar isso para 4 ou 6 para que a gente possa de fato ampliar a quantidade de variedades não contaminadas”, explica Phillipe.
Além do banco de sementes, a Copirecê incentiva a produção pelas famílias por meio da instalação de kits de irrigação, o apoio com equipamentos para preparo do solo, sacaria adequada, transporte e o fomento financeiro. “Conquistamos a certificação para processamento do milho orgânico, que é uma certificação participativa através da Rede Povos da Mata. E, recentemente, recebemos inspeção do Instituto Biodinâmico (IBD) no intuito de conquistar mais um selo, o GMO Free [livre de transgênicos]. Todas essas inspeções atestaram os métodos e procedimentos que adotamos para manter a integridade dos nossos produtos e mostrar que os agricultores familiares e as pequenas cooperativas também podem e devem ter produtos de qualidade”, destaca Zene.
“O flocão nas feiras é uma oportunidade de conversar com a sociedade, de falar sobre o trabalho da Agroecologia, da importância desse movimento e para reafirmar que com o trabalho com sementes, que sempre foi o nosso forte, a formação das famílias e o resgate da diversidade, agora estamos vendo que as sementes têm possibilitado gerar renda e segurança alimentar para os agricultores e agricultoras que produzem e para aqueles consumidores que vão à feira”, avalia Emanoel, da AS-PTA.
Phillipe, do MCP, reforça também o ponto de vista de que a colocação desses produtos no mercado abre novos horizontes de diálogo com a sociedade: “Isso acontece a partir da própria visibilização do que é possível, mostrando que o campesinato tem essa capacidade de se organizar, de produzir e de colocar o alimento de qualidade na mesa das pessoas.”
O post Semente crioula gera comida de verdade: experiências de beneficiamento do milho livre de transgênicos e agrotóxicos no Nordeste apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>O post “Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos” apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>
Boletim – Como acontece o trabalho de resgate, conservação e proteção das sementes crioulas na sua comunidade?
Mateus – Na minha comunidade, no sítio Soares, temos um banco de sementes criado em 2016. Na época, eu tinha 18 anos e fui eleito presidente do banco. Tivemos apoio da AS-PTA para equipar o banco com lona, estantes, peneiras e bombonas para guardar as sementes. Para além disso, tinha ainda o desafio de ter um lugar para guardar as sementes. Ofereci a casa de barro onde moraram meus avós. A reforma e construção foi feita toda com apoio da comunidade, uns dando os materiais, outros ajudando com a obra. No começo, como toda novidade, tinha aquele receio de não saber se ia dar certo. Começamos com 15 sócios. Todos pegaram sementes, multiplicaram e devolveram. Com isso, conseguimos duplicar o quadro de sócios do banco no segundo ano. Para celebrar, fizemos a festa da colheita. Juntamos toda a comunidade. Cada pessoa doou um pouco de alimento e fizemos um jantar extraordinário. Teve banda de forró, as pessoas comeram, dançaram e curtiram mesmo. Com isso, o banco ficou conhecido. Nesse mesmo jantar, fizemos uma discussão sobre sementes crioulas. As pessoas sabiam o que era, mas não com esse nome. Todos tinham em casa essas sementes que vieram dos pais e dos avós.
Boletim – Como vem se dando a mobilização com relação à ameaça dos transgênicos?
Mateus – O principal desafio quando a gente fala de uma campanha sobre sementes, como é a campanha Não Planto Transgênicos para não Apagar Minha História , é explicar para os agricultores o que é a transgenia. Uma coisa é explicar a questão para uma pessoa que teve acesso aos estudos. Outra é explicar para muitos agricultores que não tiveram esse grau de instrução, e daí gerar uma conscientização da importância de se plantar o milho livre de transgênico. O desafio é grande, mas estamos conseguindo, vamos explicando da forma mais didática possível.
Boletim – Por que é importante que a defesa das sementes crioulas não aconteça somente dentro do roçado de cada família, mas que seja uma luta coletiva, sobretudo, da comunidade? Como foi possível criar uma comunidade livre de transgênicos?
Mateus – Um desafio grande que enfrentamos aqui é que as áreas dos agricultores são muito pequenas. Então, se um plantar livre de transgênico e o vizinho plantar contaminado, aí vai tudo por água abaixo. Aproveitamos um ano que boa parte das pessoas não tinha semente de milho por conta da seca. Essa foi a oportunidade para entrar com milho livre de transgênico. O Banco Comunitário tinha semente e fez o empréstimo para um grupo de pessoas. Elas plantaram e lucraram muito, deu boa produção. Além da semente, lucraram com a palha para os animais. A planta do milho crioulo é mais robusta e rende mais para ração animal. Isso conquistou as pessoas. O segundo passo foi dizer que esse era o milho livre de transgênico. Foi aí que as pessoas se apaixonaram por esse milho, que é o jabatão vermelho. É um milho muito pesado. Com menos de quatro latas já dá um saco de 60 kg. Ainda não podemos dizer que 100% da comunidade é livre de transgênicos, porque tem uns grandes proprietários de terra na região e com esses é mais difícil o diálogo.
Boletim – Como as famílias agricultoras fazem para aumentar a diversidade cultivada?
Mateus – Tem muitas sementes que as famílias não vêem mais e acham que estão perdidas, mas nas Festas Estaduais das Sementes da Paixão [organizadas pela ASA Paraíba] é possível recuperar. Na última festa, por exemplo, o pessoal voltou com sementes do jerimum pururu. Fazia muito tempo que as pessoas não viam essa semente, mas tinham a lembrança de que era uma variedade muito boa. Foi resgatada na feira. Outra semente que foi resgatada, e que muita gente não chegou a conhecer por ser jovem demais, é a fava moita. Essa tem a característica de não enramar. Ela é como o feijão preto. Com as trocas de sementes conseguimos recuperar também o milho jabatão amarelo.
Boletim – Como você avalia as políticas públicas de sementes?
Mateus – Estamos numa gravação em massa de vídeos pra fazer o recado chegar no governo. Se a gente ficar calado, é como dizer que a gente gostas políticas atuais. Os agricultores estão rejeitando a semente do governo, que vem de outra região e é tratada com agrotóxicos. As pessoas não estão indo buscar essa semente. Não se trata de ser contra a política pública. A política de distribuir sementes é fantástica, mas desde que ela compre as sementes dos agricultores. Nós agricultores também não produzimos? Então compre de nós pra distribuir para outros agricultores pequenos como nós e dar também pra esse povo a oportunidade de plantar uma semente de qualidade. Tem pessoas capazes de vender semente de qualidade para outros agricultores. Por que então comprar outra semente?
Nesse governo atual eu não tenho a menor esperança. Ali não tem nenhuma boa vontade, nenhuma esperança de melhoria, especialmente que seja voltada para o Semiárido. Nos governos do PT e, em especial os do Lula, a gente teve um impulso muito forte para a agricultura. Quando você tem um governo que nega até a construção de cisternas para captação de água de chuva, aí você vê a desvalorização do governo para com nós agricultores.
Boletim – E como vem sendo possível construir políticas para a Agroecologia nos municípios?
Mateus – O município de Queimadas hoje tem até uma visão diferenciada. Hoje já temos o apoio da prefeitura para preparar terra para os pequenos agricultores. Temos também um projeto de palma forrageira e outro de melhoramento dos rebanhos. Então, eu vejo uma transformação no poder público municipal. Por mais que seja lenta e às vezes burocrática e não chegue a todos os agricultores, eu vejo uma transformação. Em Queimadas, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável se reúne todos os meses. Tem um representante da Câmara Municipal no Conselho. Três anos atrás. conseguimos que parte do dinheiro que vem para o município fosse usado para comprar sementes dos agricultores do município ou do território para reforçar os Bancos de Sementes ou para ajudar a criar outros. Mas não vimos essas sementes, nem sabemos onde elas foram parar. Mas o desafio é a nossa energia. Estamos na luta sempre para estar defendendo o que é nosso. Mesmo assim, considero que temos uma vitória no município.
Boletim – As crianças estão também se envolvendo no tema das sementes?
Mateus – Tem muitas comunidades aqui no território que trabalham as Cirandas da Borborema. São crianças que estão tendo a oportunidade de participar das discussões desde a infância. Está se tornando normal para elas, é uma coisa bem pertinho delas. Já temos hoje pessoas com 18, 19 anos que participaram das Cirandas e já têm um olhar diferenciado para a agricultura, para o meio ambiente e para o próprio planeta.
Boletim – E qual o papel dos fundos rotativos solidários (FRS) no engajamento da juventude?
Mateus – Os fundos rotativos chegaram na nossa comunidade em 2017. A região de Queimadas é mais seca, então aqui o trabalho é mais forte com as criações do que com os roçados. A comunidade tinha a necessidade de criação de ovelhas. Os jovens sempre gostaram de criar ovelhas. E foi aí que veio o Fundo Rotativo. Foram cinco ovelhas e um reprodutor da raça morada nova, que é adaptada. Os jovens fizeram sorteio no grupo. Foram cinco contemplados no primeiro ano. No segundo ano, todos os cinco fizeram repasse. No terceiro ano fizeram repasse de novo. Hoje, mais de 18 jovens já foram beneficiados e a perspectiva é passar de 24. É um sucesso na comunidade. Uma das beneficiárias tinha 10 anos quando recebeu sua ovelha. Isso motivou bastante outros jovens. Agora esses jovens podem vender uma ovelha para comprar um celular, comprar uma roupa no final do ano e mesmo ajudar em casa. Estamos gerando renda na nossa comunidade. Hoje tem jovem já com rebanhos de 5, 8 cabeças e outros mais estão chegando. Eram jovens que não tinham nada. A gente vê que do nada a gente pode transformar muita coisa. Os pais se surpreenderam com os próprios filhos. A partir daí foi lançado o FRS das mulheres. Muitas mulheres são dependentes da renda do marido. A Associação reuniu 20 pessoas, sendo eu e 19 mulheres. Isso foi em fevereiro de 2018. O combinado foi que cada um colocaria 10 reais por mês e esse dinheiro seria usado para comprar uma ovelha ou uma cabra e sorteá-la entre as mulheres. Alguns animais já vinham prenhes. No mês seguinte, de novo. Em agosto de 2019, todas as participantes já tinham cabras e ovelhas nas suas casas. Quando alguma dessas mulheres tem uma necessidade em casa, elas já têm de onde tirar o recurso. Aí, a gente volta no milho. A semente do milho é importante para produzir forragem para esses animais para a época de estiagem. É uma coisa ligada na outra, por isso que o trabalho dá certo. Se não for, não dá certo.
Boletim – Como você entende a relação entre guardiãs e guardiões de sementes e o trabalho da juventude na conservação das sementes?
Mateus – Os mais velhos se vão e os jovens ficam. Assim, são os jovens que devem assumir a responsabilidade de guardar as sementes para as gerações que ainda vão chegar. Antes, os jovens não se ligavam muito nisso porque não tinham espaço, era só o trabalho. O dinheiro ficava com os pais. A partir da nossa proposta de autonomia da juventude com os Fundos Rotativos, agora são os próprios jovens que estão encabeçando esse trabalho. São esses mesmos jovens que hoje me ligam e perguntam: “Mateus, tem semente? Pai quer comprar, mas eu já disse a ele que no Banco de Sementes tem”. Ou seja, os próprios jovens estão preocupados com o tipo de semente que os pais vão plantar. Isso é uma recompensa muito forte. Vemos que o trabalho está fluindo. É uma ação transformadora. Esses jovens estão tendo a oportunidade de fazer alguma coisa diferente, seja para sua comunidade, seja para sua própria vida.
Boletim – Como as atividades em Queimadas se integram nas redes de Agroecologia?
Mateus – Eu defino o movimento aqui da região em uma palavra só: Ubuntu. Ubuntu significa que nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos. Ou seja, quando a gente tem um movimento de base sólido dificilmente as coisas dão errado. É uma força motivadora. Quando uma das comissões temáticas do Polo* está enfraquecendo, vem outra comissão e levanta ela pra cima de novo. Esse trabalho só está dando certo até hoje porque é um trabalho em conjunto. O jovem pode fazer de tudo e passar por todas as comissões, assim como as mulheres, os idosos e os homens. Se fosse isolado, a gente já tinha enfraquecido. No momento em que tem um Banco, no momento em que tem uma Associação, no momento em que tem um Sindicato atuante, no momento em que tem um conjunto de Sindicatos, que é o Polo da Borborema, dificilmente vai dar errado. Tem muita gente pra nos ajudar. E a gente também pode ajudar muita gente. É dessa forma que podemos prosperar.
*Comissões temáticas do Polo da Borborema: Sementes, Água, Mercados, Saúde e alimentação, Criação animal, Juventude, Infância e educação.
Boletim – Qual o principal aprendizado que você destaca desse trabalho com as sementes?
Mateus – Eu aprendi que todos nós somos capazes de mudar. Também somos um agente transformador, assim como também nós somos transformados. Pessoas que eu vi e pensei que nunca adeririam ao trabalho, que nunca entrariam na Associação, que nunca iam valorizar um Sindicato, hoje são pessoas que defendem de unha e garra todos esses projetos, como os FRS. O aprendizado que eu tiro é que a gente é capaz de mudar e sempre é capaz de ser mudado por outro alguém. Ninguém tem o conhecimento consolidado e não tem ninguém que não possa contribuir com um pouco. Sempre vai ser essa dinâmica na vida da gente. Nada está concluído, sempre a gente está em busca de transformação. Isso é muito gratificante. Quando você lida com pessoas, você lida com surpresas todos os dias. Um reage de uma forma, outro reage de outra forma. Uns te botam pra baixo, outros te jogam pra cima e tu decola como um balão. É nesse equilíbrio da vida que a gente tá conseguindo transformar um pouco da realidade que a gente vive.
É com essa força motivadora que a gente acorda todos os dias e nos mantém na luta. Se a gente for só olhar pro negativo do mundo, pro negativo do governo, pra negatividade da pandemia, a gente cruza os braços e desiste. A gente sempre tem que ter esperança. Como dizia o saudoso Paulo Freire, não a esperança de se sentar e esperar que esteja tudo transformado, ou por outras pessoas ou por Deus, como o povo costuma dizer. Todo mundo só bota a culpa em Deus, se Deus quiser, Deus vai fazer. Mas Deus usa as pessoas e essas pessoas somos nós. Se a gente está insatisfeito com a nossa realidade, a gente tenta transformar ela. Nem que seja só tirar uma pedrinha do caminho pra quando outra pessoa for passar ela não tropeçar, mas que faça. E que faça todos os dias. Se todos os dias da sua vida você puder fazer alguma coisa que lhe ajude e ajude os outros, faça. Por mais simples que seja, mas faça. Porque no somatório disso tudo a gente vai desmanchando um paradigma que foi criado e a gente vai criando outros conceitos e outras forças motivadoras.
Essa matéria compõe o Boletim Sementes Crioulas. Se tiver interesse em recebê-lo, escreva para [email protected].
O post “Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos” apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>O post Polo da Borborema lança o esperado Flocão da Paixão livre de transgenia e de agrotóxicos apareceu primeiro em AS-PTA.
]]> “Mãe não precisa se preocupar em comprar outras coisas pra comer no café da manhã. Se tiver cuscuz, tá ótimo”, me disse um dia desses meu filho Tito de 19 anos. Nascido e criado no Recife, Tito é um jovem urbano, apaixonado como milhares e milhares de nordestinos por esta iguaria feita a partir da farinha do milho hidratada com um pouco de água, temperada com sal e cozida em banho maria.
“O cuscuz é o nosso café, almoço, jantar”, destaca Gizelda Beserra, uma das dirigentes do Polo da Borborema e presidenta da CoopBorborema, nascida e criada no Cariri paraibano e que mora, hoje, em Remígio, um dos municípios que faz parte do território da Borborema paraibana. “[O cuscuz] é o alimento sagrado na mesa do/a nordestino/a. É cultura. É prazer”, emenda ela.
Para a legião de fãs do cuscuz tipo flocão – bem mais fácil de preparar do que o da farinha bem fininha – tem uma notícia alvissareira, daquelas capazes de alegrar a todo Nordestino-raiz. Foi iniciada a produção de flocão com o milho da Paixão, livre de transgênico, livre de todo tipo de agrotóxico, na região da Borborema paraibana.
No dia 21 de maio, os primeiros sacos de meio quilo do flocão começam a ser postos à venda. Primeiro, nas seis Quitandas da Borborema e nas 12 feiras agroecológicas do território. Em seguida, o flocão da Paixão vai ser ofertado nos pontos de comercialização que ficam em Campina Grande, João Pessoa, Recife e Paulista, na região metropolitana da capital pernambucana (ver endereço abaixo). E, a depender da safra de milho livre de transgênico das famílias agricultoras da Borborema paraibana, esse flocão pode e deve chegar em muitos outros destinos
O cuscuz saudável que não existe mais nas prateleiras – Depois que foi liberado o cultivo comercial de milho transgênico no Brasil, em 2008, de praticamente todos os pacotes de cuscuz vendidos nos supermercados – seja ele tipo flocão, seja da farinha mais fina – têm o selo do triângulo com o T dentro, que indica que se trata de alimento transgênico. Só se salvam os fubás orgânicos, com preços mais elevados e, por isso, não são acessíveis para todas as pessoas.
E alimento transgênico significa que foi produzido a partir de sementes com modificações genéticas induzidas em laboratório e cultivadas com o uso de agrotóxicos, em extensos monocultivos, em áreas desmatadas. Além dos males para a saúde que os agrotóxicos fazem, ainda não se sabe, ao certo, o que a alteração genética no milho pode provocar no organismo humano quando esse milho é ingerido por anos a fio.
Ou seja: para os nordestinos e nordestinas amantes do cuscuz, em cujo sangue corre os nutrientes do milho, a imposição dos fubás transgênicos foi um golpe fatal.
Se libertando do domínio da indústria alimentícia – O que o território da Borborema tem de especial para produzir um flocão livre de transgenia? Pra ser respondida esta pergunta, é preciso que se conte uma história sobre a organização da agricultura familiar neste pedaço da Paraíba.
Uma história que começou há 25 anos com um processo de fortalecimento dos espaços organizativos das famílias agricultoras, como os Sindicatos Rurais e as associações de produtores/as. Hoje, esta organização se apoia também em redes que agregam pessoas como os guardiões e guardiãs das sementes crioulas, pessoas que criam abelhas, pessoas que participam dos bancos comunitários de sementes da Paixão, além de outras redes.
Os guardiões e guardiãs de sementes são aqueles que as mantém por gerações. Pelo tempo de existência, estas sementes são materiais extremamente adaptados aos costumes, hábitos alimentares, gostos e às condições locais de solo, clima, etc.
E, para unir as pessoas que fazem parte das várias redes que existem neste território paraibano, foi posta em marcha uma dinâmica de troca de conhecimento entre famílias agricultoras, de valorização do saber tradicional, assim como das sementes crioulas.
“Eu era um agricultor apagado. Nós tivemos uma assistência muito grande. Participamos de muitas visitas de intercâmbios. A AS-PTA (organização da sociedade civil que assessora o Polo da Borborema) enxergou o futuro que nós tinha. Nós que produz para a nossa sociedade, para nós comer e preservar o meio ambiente”, lembrou seu João Miranda, um dos agricultores que está vendendo seu milho crioulo para virar o flocão e outros produtos beneficiados.
Tanto investimento para ampliar as capacidades de gestão coletiva dos bens naturais das comunidades rurais foi dando asas ao Polo da Borborema para ampliar a venda dos produtos beneficiados e in natura da agricultura familiar agroecológica. O Polo congrega 13 sindicatos rurais do território, mais de 150 associações comunitárias, além de uma associação de produtores e produtoras agroecológicos – a EcoBorborema – e uma cooperativa – a CoopBorborema.
Estas asas que foram crescendo no Polo tornaram possíveis – a partir de muito trabalho, erros, acertos – a superação de vários desafios que se impunham para a agricultura familiar. Desafios como a dependência dos atravessadores que compravam os produtos dos roçados a preço de banana e as dificuldades de produção para quem vive numa região árida, num pequeno pedaço de terra e com o solo já desnutrido por um manejo que não repunha os nutrientes necessários para manter a sua fertilidade.
E qual a proeza para barrar a contaminação dos transgênicos? – A luta é diária e árdua para criar uma barreira que diminua o impacto da contaminação dos milhos da Paixão. Os avanços não são lineares e constantes. Aqui e ali se tem notícias de que as sementes crioulas de milho de uma família agricultora foram contaminadas e se recorre à estratégia de substituir rapidamente esta semente para que ela não se multiplique ainda mais. Por isso, a importância de ser rede, porque permite uma troca grande de sementes e conhecimentos entre as pessoas, família, comunidades de vários municípios dentro do mesmo território.
Mas, com muita garra e determinação, a rede de famílias guardiãs das sementes da Paixão vai acumulando vitórias a partir do seu engajamento nas ações de proteção e multiplicação das variedades crioulas. Um bom exemplo disto é a campanha Não planto transgênicos para não apagar a minha história, que tem orquestrado um conjunto de estratégias para ampliar a adesão dos/as agricultores/as.
Uma destas estratégias é comprar o milho livre de transgenia e livre de agrotóxicos por um valor 30% acima do mercado para que ele seja beneficiado e transformado em diversos produtos, como o próprio Flocão da Paixão.
“É fundamental destacar a Unidade de Beneficiamento como um instrumento de enfrentamento à contaminação dos milhos pela transgenia. É um local onde se faz os testes de transgenia, se distribui as sementes, se realiza as formações com os/as agricultores/as, se estoca as sementes e se faz o processamento dessas sementes para ter os produtos da marca Do Roçado”, conta Emanoel Dias, assessor da ASPTA.
Sobre a produção do Flocão da Paixão – Emanoel destaca também que quanto mais milho livre de transgenia for produzido no território, mais aumenta a produção de beneficiados e mais diminui os custos da produção, que vai ser repassado para o consumidor final. “Nós estamos fazendo parcerias com outros territórios para ter mais matéria-prima e as famílias agricultoras do próprio território estão plantando mais, com bastante cuidado para evitar a contaminação. Isso tudo vai possibilitar ter uma produção dos derivados do milho que cubra o valor da produção e permita um preço acessível do flocão para todo mundo.”
A primeira remessa está sendo produzida com 7,2 toneladas de milho colhidos dos roçados da Borborema paraibana em 2020. Cerca de 5,4 toneladas vão ser transformadas em farelo de milho e quantidade igual vai virar fubá e xerém.
Os experimentadores da primeira leva do Flocão da Paixão – Por enquanto, as primeiras levas do flocão estão sendo distribuídas para degustação e aprovação de quem produz os milhos. E quem come deste flocão não economiza elogios.
“Ave Maria, quando cozinha dentro de casa, fica com a casa toda cheirando a pamonha. Nunca mais tinha comido um fubá com aquele gosto”, diz com entusiasmo Seu João Miranda, que vendeu o excedente de sua produção de milho pontinha para ser beneficiado. Esta variedade de milho acompanha a família de seu João desde 1977. De lá para cá, a esposa dona Terezinha de Jesus, os filhos e ele têm cuidado destas sementes como quem cuida de alguém da família.
E a que se deve um gosto tão bom desse flocão? E a grande diferença do Flocão da Paixão para os outros está no modo de produção, desde o cultivo no campo, de forma consorciada com outras plantas que aumentam a fertilidade do solo, a colheita no tempo certo e o manejo diferenciado das sementes pós-colheita.
“Sem falar que as sementes cultivadas pelas famílias agricultoras são variedades docinhas, saborosas, cheirosas. Eles foram selecionando estas sementes ao longo dos anos. E o milho da empresa é uma variedade feita para produzir muito, ou para produzir uma espiga grande, numa planta pequena, ou uma planta com duas espigas. Mas as empresas não cuidaram de selecionar milhos mais doces, mais agradáveis ao sabor”, comenta Emanoel.
Segundo seu João, “nem se sabe quantos anos tem o milho que produzimos: 180, 200 anos.” Com relação à variedade que ele planta, seu João afirma que é uma semente que está sob cuidado dos agricultores e agricultoras da região há 400 anos.
Consumidores com água na boca – Enquanto isso, no Recife, depois que conversei com seu João, Emanoel e Gizelda, comentei em casa esta diferença do Flocão da Paixão – produzido do milho pontinha cheio de histórias – para os outros cuscuz industrializados. Isso aguçou a vontade de Tito que perguntou “quando poderia experimentar o flocão do Polo tão suculento”. “Tá mais perto do que nunca, filho! Em breve, saborearemos pra nossa felicidade”, respondi com o coração muito grato por este privilégio.
Apesar de ainda ser um privilégio, que pode ser acessado por uma parcela muito pequena dos/as nordestinos/as, é muito bom saber que em algum lugar do Semiárido nordestino, há muitas pessoas envolvidas na desafiadora tarefa de proteger as sementes crioulas de milho do avanço da transgenia, tornando possível termos produtos derivados do milho livres de modificações genéticas produzidas em laboratório e livres de substâncias que causam câncer e uma variedade imensa de doenças que levam à morte.
“O Flocão da Paixão é uma grande oportunidade de dialogarmos com a sociedade. De falarmos da agroecologia e sua capacidade de gerar renda para as famílias agricultoras e segurança alimentar para as pessoas que vivem no campo e na cidade”, disse Emanoel com muita lucidez. E eu fico na torcida para que o Flocão da Paixão se torne um grande garoto propaganda da Agroecologia nos centros urbanos.
Assita a live de lançamento
Onde vai ser vendido o flocão da Paixão:
Território da Borborema e Campina Grande-PB
Feira Agroecológica do Museu do Algodão – Campina Grande
Todas as quartas | a partir das 4h
No Museu do Algodão, na Estação Velha
Feira Agroecológica do Catolé – Campina Grande
Todas as sextas | a partir das 6h
Em frente ao Du Bu, Catolé
Feira Agroecológica de Esperança
Todas as sextas | a partir das 6h
Avenida Manuel Cabral (próximo à Padaria Cabral)
Feira Agroecológica de Lagoa Seca
Todos os sábados | a partir das 6h
Ao lado do Mercado Municipal
Feira Agroecológica de Alagoa Nova
Todos os sábados | a partir das 6h
Ao lado da Câmara Municipal
Feira Agroecológica de Remígio
Todas as sextas | a partir das 6h
Rua da Prefeitura
Feira Agroecológica de Casserengue
Todas as quintas | a partir das 6h
Praça 29 de abril
Feira Agroecológica de Areial
Todas as sextas | a partir das 6h
Praça Central
Feira Agroecológica Massaranduba
Todas as sextas | a partir das 6h
Em frente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais
Feira Agroecológica de Arara
Todas as sextas | a partir das 6h
Ao lado da Igreja Matriz
Feira Agroecológica de Solânea
Todas as sextas | a partir das 6h
Em frente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais
Quitanda da Borborema de Remígio
Rua Bento Vitório, 11 – Centro
De segunda à sábado, de 8h às 12h
Contato: 83 81802637
Quitanda da Borborema de Arara
Rua Padre Ibiapina s/n – Centro
De segunda à sexta, de 8h às 11h e aos Sábados de 8h as 9:30h
Contato: 83 986751771
Quitanda da Borborema de Solânea
Rua Josefa Crispim, 50 – Centro
De segunda à sábado, de 7h às 11h
Contato: 83 93698804
Quitanda da Borborema de Esperança
Praça da Igreja Matriz (Dentro do Sindicato Rural) – Centro
De segunda à sexta, de 7h às 11h
Contato: 83 33612298
Quitanda da Borborema de Queimadas
Rua Otaviano Araújo do Rêgo, 20 (Dentro do Sindicato Rural) – Conjunto Mariz
De segunda à sexta, de 7h às 12h
Contato: 83 93675387
João Pessoa/PB
Rede de feiras ligadas à CPT (Comissão Pastoral da Terra) e na Ecovaza, cooperativa ligada também à CPT
Empórios
Recife/PE
Agroecoloja
Armazém do Campo (MST)
Paulista/PE
Quitanda Agroecológica
O post Polo da Borborema lança o esperado Flocão da Paixão livre de transgenia e de agrotóxicos apareceu primeiro em AS-PTA.
]]>