Os municípios que organizaram as feiras foram: São João do Triunfo, Palmeira, União da Vitória, São Mateus do Sul, Cruz Machado e Rio Azul, no Paraná, e Irineópolis, em Santa Catarina, que recebeu a Feira Regional, reunindo cerca de 600 participantes.
Essas feiras em geral são promovidas pelos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) dos municípios e por outras organizações e associações de agricultores familiares e contam com o apoio de instituições parceiras, entre elas, a AS-PTA. São momentos festivos, de trocas não só de sementes, mas também de experiências, de opiniões, de histórias de vida, embaladas por músicas e outras manifestações culturais. Este ano, além das culturas mais tradicionais, como milho, feijão e arroz, tiveram destaque os amendoins, as hortaliças, a mandioca, a batata, as abóboras e flores. Conservas, doces, bolos, pães, biscoitos e outros alimentos da culinária regional também têm tido presença forte e constante.
Entretanto, as feiras também são ocasiões para compartilhar receios e preocupações, sobretudo em relação ao futuro e à autonomia das famílias agricultoras. E é nesse momento que os agricultores aproveitam para discutir alternativas e formas de luta. Neste ano, mereceu destaque o risco iminente de contaminação das lavouras de milho pela introdução na região de variedades transgênicas. O problema ganha relevância pelos efeitos nocivos já sentidos pelos agricultores em relação ao plantio da soja transgênica. O plantio de milhos transgênicos foi liberado desde 2008, mas chama a atenção o ritmo acelerado de sua expansão. Enquanto no primeiro semestre de 2008 eram encontrados somente três ou quatro híbridos de milho transgênico, agora eles ocupam 2/3 do mercado, com a Monsanto, a Singenta e a Bayer dominando esse ramo.
Durante os debates, os agricultores identificaram a falta de informação como um dos principais problemas. Afinal, os rótulos das embalagens não trazem especificações claras de que se tratam de produtos transgênicos. Dessa forma, muitos agricultores acabam inadvertidamente comprando esses híbridos. Além disso, não existe uma fiscalização eficiente por parte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) no que se refere à correta identificação desses produtos, além de não disponibilizar informações sobre os riscos de seu uso.
Estratégias
Embora o contexto seja adverso, as dificuldades acabam fortalecendo o interesse das famílias pela busca de sementes crioulas e sua conservação.
Eles sabem que as sementes crioulas são a porta de entrada para os sistemas de transição agroecológica e, portanto, constituem focos muito grandes de resistência, porque são recursos que podem ser apropriados pelas famílias e adaptados às características ecológicas locais, afirma Luis Cláudio Bona, Coordenador do Programa de Desenvolvimento Local da Região do Contestado da AS-PTA.
Bona ressalta também o pioneirismo e a importância de uma estratégia que vem sendo utilizada pelos agricultores da região para combater a ameaça dos transgênicos. Desde a safra do verão 2008/2009, está sendo feito um trabalho de monitoramento das áreas de plantio de milho crioulo em 16 municípios da região, com o objetivo de acompanhar o avanço da contaminação nessas lavouras e aprimorar as formas de evitá-la. Muitas dessas experiências de monitoramento foram bastante debatidas nas feiras de sementes, estimulando a disseminação dessa prática entre um número cada vez maior de agricultores familiares e de organizações de base.
Os testes para detectar a contaminação por transgênicos nas feiras de sementes da região fazem parte de um conjunto de ações promovidas pela Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, que incluiu uma solicitação formal da sociedade civil para que o Departamento de Fiscalização da Secretaria da Agricultura do Paraná (Defis/Seab) realizasse o monitoramento da contaminação, tendo por base a Resolução 04/2008 da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Essa resolução estabelece a distância de 100 metros como sendo segura para evitar a contaminação das lavouras não-transgênicas. Porém, o monitoramento feito pelo Defis comprovou a ineficiência da resolução da CTNBio ao apresentar dados consistentes que demonstraram a impossibilidade da convivência dos milhos crioulos e transgênicos. A experiência dos agricultores reforça ainda mais essa incompatibilidade, uma vez que observaram que a contaminação pode ocorrer a 2 mil metros ou mais. Esses resultados do monitoramento serviram de subsídio para uma ação civil pública que pede a suspensão da liberação do plantio de milhos transgênicos no país.
Como reforço a essa ação, em todas as feiras de sementes deste ano agricultores e agricultoras, guardiões da biodiversidade, passaram a assinar uma declaração relacionando as variedades de milhos crioulos que usam e conservam e afirmando que não plantam nenhum tipo de semente transgênica. Além disso, alertam que uma eventual contaminação representará um sério dano econômico e ao patrimônio genético da humanidade. Foram colhidas também milhares de assinaturas em um abaixo-assinado que pede a suspensão do plantio e da comercialização de sementes de milho transgênico. A sistematização dessas experiências está sendo conduzida para ser compartilhada com outras iniciativas de âmbito nacional, sobretudo promovidas pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Felizmente, apesar dos dados alarmantes, não foi registrada nenhuma contaminação pelas análises feitas nos milhos crioulos durante as feiras. E isso é motivo de grande satisfação entre os agricultores guardiões das sementes crioulas e da biodiversidade, como o sr. Alfredo Bauer, da comunidade de Rio dos Pardos, município de Porto União (SC), que afirma com orgulho que sua produção está livre de transgênicos:
Eu fico feliz de poder garantir que as variedades crioulas de milho que planto há mais de 50 anos não estão contaminadas com transgênicos e, assim como outros agricultores da região, quero distância desses produtos.
Estratégias como essa demonstram o poder da organização dos agricultores familiares para lutar por seus sistemas produtivos e, sobretudo, seu modo de vida. Essa mobilização é fruto de um trabalho, iniciado ainda em 1993, de resgate, uso e conservação das sementes crioulas realizado pelas famílias agricultoras com o apoio da AS-PTA. Como parte desse trabalho, estão sendo incentivados debates sobre transgênicos e outros impactos dos modelos do agronegócio, assim como sobre o papel que as organizações de base têm a cumprir na defesa do direito das famílias à biodiversidade, que naturalmente se traduz em geração de riquezas para as famílias, segurança alimentar, autonomia e melhores condições de saúde em ambientes mais equilibrados
Para saber mais sobre o trabalho com as sementes crioulas ou sobre os efeitos nocivos do uso de variedades transgênicas e as estratégias de luta para superar o problema, visite a Campanha Nacional Por um Brasil Livre de Transgênicos.
Leia também a cartilha Semente crioula: cuidar, multiplicar e partilhar, publicada pela AS-PTA em março de 2009.