Os diferentes sotaques e idiomas presentes no Seminário Internacional “10 anos de Transgênicos no Brasil” ressoaram a mesma avaliação: a entrada dos transgênicos na agricultura não resolveu o problema da fome no mundo e fez disparar o uso de agrotóxicos, contrariando promessas usadas como argumento para a liberação das sementes geneticamente modificadas. E mais: pouco a pouco o Brasil perde a soberania sobre a agricultura e os agricultores perdem autonomia, tornando-se reféns das transnacionais da industria agroalimentar.
Durante quatro dias, de 21 a 24 de outubro, mais de 100 pessoas estiveram reunidas em Curitiba/PR para debater os impactos sociais, ambientais, econômicos dos transgênicos. O encontro resultou em um conjunto de propostas de ações conjuntas e no fortalecimento da articulação entre as organizações, movimentos sociais e pesquisadores. Participaram do seminário organizações do Brasil, Chile, Equador, Argentina, Paraguai, Uruguai, México, Filipinas, França e Estados Unidos.
Dados apresentados ao longo do encontro indicam um aumento exponencial no uso de agrotóxicos após a liberação das sementes transgênicas. Segundo o representante da Companhia Nacional de Abastecimento – Conab, Asdrúbal de Carvalho Jacobina, o uso de agrotóxicos cresceu 345% na agricultura brasileira nos últimos 12 anos. O intensivo consumo de veneno no cultivo de grãos para a exportação coloca o Brasil no topo das estatísticas de consumo de agrotóxicos no mundo.
As consequências à saúde humana já são comprovadas em estudos. Andrés Carrasco, embriologista, pesquisador vinculado à Universidade de Buenos Aires, Argentina, apresentou pesquisa desenvolvida na região do Chaco argentino, território de monocultivo de soja transgênica, onde houve aumento de 400% nos casos de malformações neonatais nos últimos 10 anos. As pesquisas indicam que a causa do problema pode estar relacionada ao uso do principal herbicida utilizado nas plantações transgênicas, o glifosato/roundup.
Propostas
O documento final do encontro sintetiza o balanço crítico acerca dos 10 anos da entrada dos transgênicos no Brasil e seus efeitos na América Latina. A carta aponta a necessidade da manutenção da moratória internacional às tecnologias terminator, as GURTS, tecnologias genéticas de restrição de uso. A “terminator”, ou semente suicida, visa assegurar uma espécie de “patente biológica”, impedindo que os agricultores reutilizem sementes de uma safra para outra. O Projeto de Lei (n° 268/2007) que buscar a liberação da semente suicida é de autoria do Deputado Eduardo Sciarra – PSD/PR e tramita na Câmara dos Deputados.
As organizações colocam posição de repúdio diante da criminalização do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e seus gestores, ocorrida no Paraná, nas últimas semanas. A ação ocorreu poucos dias após os EUA e Canadá enviarem, pela segunda vez, representação à Organização Mundial do Comércio (OMC) acusando o PAA de subsidiar a agricultura, o que é proibido pela OMC.
Para o fortalecimento da agricultura orgânica e agroecológica e a resistência das sementes crioulas e convencionais, a documento aponta a necessidade de desburocratização do PAA, considerando assim a realidade dos produtores rurais atendidos.
Liberação dos OGMs
Com relação à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, o documento cobra alteração no procedimento de seleção dos membros, para que haja transparência, isonomia e responsabilização dos componentes da comissão. Para as organizações, audiências públicas dever ser convocadas para debater novos Organismos Geneticamente Modificados – OGMs, sobre os transgênicos tolerantes ao herbicida 2,4-D, componente do chamado Agente Laranja, e para avaliação dos resultados dos monitoramentos pós-liberação comercial, após 5 anos de acompanhamento.
As instâncias de decisão sobre a liberação dos transgênicos também são questionadas. O Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) não se reúnem desde 2008, o que resultou na transferência do poder de deliberação final acerca da política de transgênicos para a CTNBio. As organizações reivindicam a retomada do CNBS, com o papel de revisor as decisões da CTNBio, emitindo parecer sobre implicações econômicas e sociais dos OGMs liberados e em fase de liberação, a partir de consultas às comunidades envolvidas.
América Latina
O fim das pulverizações aéreas está entre as reivindicações em comum das organizações e movimentos da América Latina. Além disso, a carta aponta para a proibição dos agrotóxicos que integram a lista dos pesticidas de alta toxicidade, já banidos em vários países. Também é reforçada a necessidade da rotulagem plena dos transgênicos para concretizar o direito de informação e escolha dos alimentos.
As organizações também exigem participação efetiva da sociedade civil em espaços de debate e decisão sobre os OGMs. Para isso, é preciso conhecimento prévio e informado, nas reuniões preparatórias e das delegações oficiais e na normatização dos pactos e tratados internacionais, ressaltando o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura – TIRFAA e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, no Brasil.
Leia a carta política do Seminário.
Fonte: www.terradedireitos.org.br
Texto: Ednubia Ghisi
Foto: Joka Madruga