Feira Agroecológica da Freguesia é espaço de aprendizado social, valorização da cultura e da economia local
Decidir o que colocar no prato pode ser uma tarefa complexa. É preciso ajuda de especialistas e dedicação para se atualizar com as últimas notícias sobre o que é bom para a saúde. O escritor e ativista alimentar Michael Pollan sugere que a insegurança quanto ao que comer é caracterizada pela maneira como a sociedade passou a lidar com os alimentos.
A relação mediada pela cultura e por saberes populares foi aos poucos substituída pelos conhecimentos científicos e tecnológicos, impulsionados pelas multinacionais em busca de novos mercados, com a promessa de uma alimentação mais saudável, barata e acessível. A comida, que é um bem comum e um direito social, transformou-se em mercadoria de prateleira.
Com essa mudança, a distância entre quem planta e quem come foi esgarçada ao ponto de perder o vínculo. Agricultores e consumidores, ambos cidadãos, não se reconhecem como parte de uma mesma rede de sinergia e dependência. Na busca por uma reaproximação – em prol de um alimento produzido de forma justa, livre de agrotóxicos e saboroso – os mercados locais florescem com vigor nos grandes centros urbanos. No município do Rio de Janeiro, por meio de decreto municipal, foi instituído o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas, presente em onze bairros, sob a gestão da Secretaria Especial de Desenvolvimento Econômico Solidário (SEDES), da Associação dos Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (ABIO), da Essência Vital e da Rede Carioca de Agricultura Urbana.
A Feira Agroecológica da Freguesia, no bairro de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro, é um exemplo de uma parceria construída junto da Associação de Moradores e Amigos da Freguesia (AMAF) e da Rede Carioca de Agricultura Urbana. Os moradores da Freguesia pleitearam uma feira agroecológica e, a partir daí, as entidades de assessoria e pesquisa que atuam junto da Rede (AS-PTA, CAPINA, PACS, UFRRJ e FIOCRUZ) articularam e desenvolveram um processo de formação que reuniu agricultores de Vargem Grande, Pau da Fome, Curicica, Rio da Prata, Magé, Nova Iguaçu e Duque de Caxias. A inauguração aconteceu em 17 de agosto de 2013, e está inserida nas ações do Programa de Agricultura Urbana da AS-PTA.
Claudemar Mattos, engenheiro agrônomo e assessor técnico da AS-PTA explica que o processo de implantação levou cerca de seis meses, e resultou numa gestão participativa, que poderá servir de experiência para a constituição de novos mercados. Nesse ambiente, o relacionamento não está ligado apenas ao comércio, mas é um lugar de engajamento, valorização da cultura, da economia regional e de aprendizado para escolhas mais autônomas e seguras.
Encontro de cidadãos
Oito barracas com agricultoras e agricultores familiares oferecem alimentos frescos, cultivados sem adubos minerais solúveis e agrotóxicos, assegurados pelo Sistema Participativo de Garantia (SPG), modalidade de garantia da produção agroecológica que confere a certificação de qualidade baseada na troca de conhecimento e participação social. Por meio de visitas técnicas de uma Comissão de Verificação do SPG são avaliadas as condições da produção do agricultor, através do método de observação e interação entre os membros da Comissão, que seguem as normas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
O relato da visitação é compartilhado pela Comissão com o restante do grupo que deverá aprovar, ou não, a emissão do certificado pela ABIO, que é o organismo participativo da avaliação da conformidade (OPAC). Esse processo, além de contar com a gestão coletiva de técnicos, consumidores e agricultores, oferece segurança e qualidade aos compradores dos alimentos agroecológicos.
A maioria desses agricultores familiares da Feira Agroecológica da Freguesia produziam somente para seu próprio consumo, realizando, em alguns casos, venda de porta em porta. Esta é a primeira vez que vão à feira para vender o que produzem. “Não é uma feira comum. A gente conversa, troca ideias e receitas, faz amigos. Não é puro comércio”, explica Luiz Cláudio, que traz coco, abóbora, mamão, maracujá, quiabo, maxixe, acelga e couve chinesa de Tanguá, Itaboraí e de Petrópolis. Há mais de 15 anos, ele e sua esposa Yara trabalham no sítio com o irmão e o cunhado.
Daniele Bani e a mãe Selma vêm do Brejal, em Petrópolis, e também estreiam como feirantes. A produção é herança da avó. A venda era feita somente no sítio. Ao trazer sua produção para vender no Rio, Daniele notou a importância que o morador da cidade tem dado aos alimentos agroecológicos. “Percebemos que nossas hortaliças, legumes e frutas têm mais valor quando estão na feira”, conta.
Ney Florentino cultiva no Assentamento Santa Rosa, no Distrito Agrícola de Magé. Há dois anos a propriedade adotou o cultivo orgânico. Em sua banca, encontra-se quiabo, jiló, pimentão, feijão, café, palmito, abóbora e milho. “Aqui, vendemos direto sem atravessador. Acredito que a divulgação é fundamental para o sucesso da feira”, diz o agricultor.
Fátima Maria cultiva os seus produtos agroecológicos em seu quintal, que com a assessoria da AS-PTA, tornou-se a primeira experiência de produção agroecológica em área urbana do município do Rio com certificação do MAPA. Desde 2011, com apoio do projeto Semeando Comunidades Sustentáveis (Fiocruz/Farmanguinhos), ela passou a cultivar verduras e frutas, no bairro de Curicica, em Jacarepaguá. “Aqui [na feira], a gente ajuda as pessoas a se conscientizarem sobre alimentação saudável. A feira é um alerta para muitos quanto à qualidade de vida”, ensina Fátima, que nunca pensou em ser feirante e tinha outra visão de feira: “imaginava uma bagunça. Encontrei carinho, honestidade e organização. Cada semana é um aprendizado”, comenta.
Os agricultores passam a ser feirantes, mas num contexto em que aliam outra função importante: são agentes de educação. Eles têm o prazer de construir o conhecimento agroecológico e transmitem um saber apurado no cotidiano. A fala desses agricultores-feirantes-educadores semeia um compromisso social de despertar a consciência sobre a problemática do sistema alimentar moderno, que gera injustiça, desigualdade, doenças e o desequilíbrio do ecossistema. “A gente ajuda a distinguir o orgânico do convencional, distribuindo saúde”, afirma Rita Maria, de 56 anos, que divide com Fátima as tarefas no quintal em Curicica.
Flora Gomes, de 55 anos, é de Tinguá, em Nova Iguaçu, e tem orgulho de ser agricultora e ter criado os filhos com o trabalho na roça. “Na feira, posso dividir o que tenho de bom no meu sítio: alimentos saudáveis. Tenho paixão pela agricultura. E estar na feira é uma maneira de me manter na roça. Não me imagino morando na cidade”, declara. O alimento que sua família come é o mesmo que ela vende. Assim, o que ela tem de melhor é o que vai também para a mesa do consumidor da feira.
Para o agricultor Francisco Caldeira, que faz parte da Associação dos Agricultores Orgânicos de Vargem Grande (Agrovargem), as feiras agroecológicas estabelecem uma alternativa de geração de renda na cidade. “Na feira livre há concorrência, atravessadores e competição que desvalorizam o produto e o preço”, comenta Caldeira que retorna à atividade de feirante após oito anos. Ele aponta que a feira é um termômetro tanto para o agricultor como para a clientela. “É uma troca direta, onde podemos sentir a aceitação, ouvir demandas e críticas para aprimorar nosso trabalho. Assim, podemos diversificar nosso plantio”, diz. Segundo ele, que também é membro do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea-Rio), o consumidor se sente mais valorizado nesses espaços, pois a intenção não é empurrar uma mercadoria para eliminar estoques. Caldeira lembra que os sítios estão de portas abertas para o freguês que desejar conhecer de onde vem seu alimento.
Feira para pensar
Ainda em torno dos grupos da Feira Agroecológica da Freguesia, está prevista a inauguração de um núcleo de compras coletivas da Rede Ecológica com a venda de produtos secos (grãos, farinhas, produtos de limpeza, etc.) e complementares ao que já é ofertado pelos feirantes. Com isso, a feira ganha divulgação e movimento de novos clientes, pois a entrega das cestas será feita no local.
A organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) elegeu 2014 como o ano da Agricultura Familiar. Após um século de transformações, a feira livre, cuja regulamentação completou 100 anos em 2013, tem sua característica original de unir agricultores e consumidores resgatada no modelo da Feira Agroecológica da Freguesia. É lugar de convívio e sociabilidade, celebração ao alimento, afeto e aprendizado social.
Quem vai a uma feira agroecológica, como a da Freguesia, não está comprando mercadorias. Está cultivando saúde, tanto do homem quanto da terra, e alimentando a Agricultura Familiar. A Feira funciona aos sábados das 8h às 13h, na Praça Professora Camisão, na Freguesia (Jacarepaguá). Mais informações, além da programação cultural e divulgação da feira, podem ser acessadas aqui.
A Feira Agroecológica da Freguesia é acompanhada pelo Programa de Agricultura Urbana da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia e fará parte das ações desenvolvidas pelo projeto Alimentos Saudáveis em Mercados Locais com o patrocínio da Petrobras por meio do Programa Desenvolvimento & Cidadania.
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