por Cláudia Guimarães | AS-PTA, 07/12/2016
“Alimentação não é só um ato biológico. É um ato político”. Com essas palavras, Nívia da Silva resumiu o espírito da 8ª Feira Estadual da Reforma Agrária Cícero Guedes. Aberto ao público, o evento reuniu no Centro do Rio de Janeiro, entre os dias 5 e 7 de dezembro, centenas de pessoas, que tiveram a oportunidade de adquirir alimentos saudáveis e participar de debates e atividades culturais. Promovida pelo Movimento Sem Terra (MST) e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Feira levou o nome do agricultor e militante do MST assassinado por pistoleiros em 2013, Campos dos Goytacazes (RJ).
Durante o evento, foram comercializadas mais de 100 toneladas de alimentos, produzidas por agricultores familiares camponeses de assentamentos da reforma agrária. “Criamos a Feira para aproximar o campo e a cidade. Queremos mostrar à população urbana que os assentamentos produzem alimentos e com muita diversidade”, explicou Nívia, que trabalhou na coordenação da Feira e é membro da direção do MST.
Entre as atividades realizadas no último dia da Feira estava uma roda de conversa sobre o modelo de produção agrícola baseado no uso de agrotóxicos e transgênicos. Fernanda Nogueira, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), ressaltou que, mesmo o câncer sendo fruto de múltiplos fatores, há evidências mostrando a relação entre o aumento dos casos da doença e o uso de agrotóxicos, citando especificamente a leucemia em crianças, os linfomas e o câncer de cérebro, estômago, próstata e mama.
Para a tecnologista do Inca, também é preciso deixar claro que “a exposição ao agrotóxico não é de responsabilidade do agricultor, mas fruto de um sistema que o leva a usar esses produtos”. Na sua avaliação, é necessário dar maior visibilidade a esse problema e pensar em estratégias de comunicação que levem esse debate a toda a sociedade.
O agrônomo da AS-PTA Gabriel Fernandes lembrou que, desde a colonização, o país é marcado pela concentração fundiária, problema agravado pela monocultura. Criticou a aposta do país no setor de agronegócio e na produção de commodities, que geram grandes impactos, ambientais e sociais. “O agronegócio diz que, graças a eles, tem aumentado a produção de alimentos. Mas o que vemos é que ainda persiste a fome no mundo e, por outro lado, como resultado de uma alimentação doente, há cada vez mais casos de obesidade”.
Quanto aos transgênicos, Gabriel destacou que, apesar de serem apresentados como a “nova promessa da Revolução Verde”, estudos mostram que a realidade é diferente: “Vemos no campo que, cada vez mais, as plantas se tornam resistentes aos agrotóxicos”. Lembrou ainda que esta tecnologia é privada e está nas mãos de poucas empresas multinacionais: “Por isso, é cada vez mais necessário que os agricultores guardem suas sementes para poder manter sua autonomia”. Por último, assinalou a importância de fortalecer as redes de defesa dos agricultores familiares, da reforma agrária e da agroecologia.
Durante a roda de conversa, a nutricionista Juliana Casimiro, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, destacou que há um processo de homogeneização de hábitos alimentares, “com uma comida cada vez mais artificializada e envenenada”. Acrescentou que esse debate tem que ser levado para o cotidiano das pessoas: “Nosso principal problema não é falta de informação, e sim excesso de informação desencontrada. A população fica confusa e tem dificuldade de fazer escolhas”. Lembrou ainda que o Brasil é recordista no uso de agrotóxicos e que muitos desses pesticidas já são proibidos em outros países.
Juliana afirmou também que é preciso ficar atento à biofortificação dos alimentos, que estão, inclusive, sendo distribuídos na merenda escolar. “É preciso mesmo ´fortalecer´ os alimentos? Essas tecnologias despolitizam o debate sobre a questão da fome e da desnutrição, que são problemas históricos”. A nutricionista defendeu ainda as feiras como “um espaço de resistência da nossa biodiversidade”.
Pensando em desafios imediatos e espaços de participação, os participantes da roda de conversa indicaram a consulta pública aberta pela Anvisa, que trata de sua própria agenda regulatória, e também a proposta de projeto de lei que cria a Política Nacional para a Redução de Agrotóxicos (PNARA), que já foi apresentada ao Congresso Nacional.
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