Quando todo o Brasil testemunha a volta da inflação nos preços dos alimentos e a redução pela metade do auxílio emergencial direcionado às famílias em situação de pobreza e miséria, vemos a fome bater na porta de milhares de lares brasileiros. Entrar e se instalar nas famílias.
Se desde que começou a pandemia, as ações de solidariedade para entrega de cestas alimentícias eram necessárias, hoje, seis meses depois de decretada esta situação, elas seguem sendo ainda mais urgentes.
No território da Borborema, no semiárido paraibano, uma iniciativa mobiliza os produtores de alimentos da região e as famílias que não têm comida para alimentar três vezes por dia. O alimento diversificado produzido pela agricultura familiar agroecológica está sendo direcionado para milhares de famílias.
“A gente, da agricultura familiar que faz a agroecologia e a convivência com o Semiárido, sempre acreditou que os alimentos vindos da agricultura livre de transgenia são muito importantes e muito nutritivos pras famílias. Também valorizamos os alimentos que são do nosso território. Estamos doando 25 toneladas vindas do nosso território. Isso mostra pra gente que podemos ter territórios que constroem a soberania alimentar, sustentada na produção agroecológica e com alimentos livres de transgênicos e agrotóxicos”, afirma Roselita Vitor, da diretoria do Polo da Borborema.
O Polo, que reúne 13 sindicatos rurais dos municípios situados no território, junto à AS-PTA e à EcoBorborema, entidade responsável pela organização dos canais de comercialização dos produtos agroecológicos na região como as 12 feiras semanais e os cinco pontos fixos, estão à frente deste movimento de solidariedade que já doou 1,4 mil cestas agroecológicas em julho passado e volta a doar mais 1,5 mil unidades este mês.
Na quinta-feira da semana passada (10) e hoje (17), as famílias cadastradas recebem a doação. As 25 toneladas de alimentos agroecológicos são produzidas pelas mãos de 80 famílias agricultoras camponesas. O alimento é comprado a um preço justo dos/as produtores/as, contribuindo para o aumento da renda destas famílias agricultoras que chegaram a perder cerca de 50% do orçamento neste período da pandemia.
Para comprar o alimento e doá-lo, a AS-PTA mobilizou recursos com agências de cooperação internacional (Pão para o Mundo, ActionAid, e terre des hommes), que são parceiras da instituição. Em julho, as doações foram garantidas com recursos da Fundação Banco do Brasil.
Como a produção agroecológica é diversificada na Borborema, as cestas refletem isto. Nela, vai uma boa variedade de produtos in natura, como feijão, milho, frutas, verduras e também produtos beneficiados – farinha, bolos, beiju e goma de tapioca.
“Uma das coisas que destaco deste processo é a qualidade dos alimentos, que não é qualquer alimento. Um outro ponto foi o esforço feito para identificar as famílias vulneráveis que estão em locais onde o Estado não chega e, muitas vezes, os sindicatos [rurais] e a AS-PTA também não”, destaca Marcelo Galassi, da coordenação da AS-PTA na Paraíba.
“A pandemia, junto a outros elementos, como a descontinuidade de políticas públicas direcionadas às famílias rurais do Semiárido, vem relevando a pobreza e o tamanho da desigualdade social no campo e na cidade que sempre esteve sob nossos olhos”, pontua Marcelo.
Para esta etapa, foram mobilizadas 80 famílias agricultoras e produtoras de alimentos agroecológicos, um número recorde em relação as duas experiências anteriores. Segundo Marcelo, desta vez, as organizações executoras se desafiaram a identificar famílias que não vendiam seus produtos nas feiras, que produziam em pequena escala e não tinham meios de escoar a sua mercadoria. “O Polo e a EcoBorborema foram essenciais para fazer esta identificação”, afirma.
Também foi estabelecido que nas cestas haveria os produtos beneficiados para garantir a participação das mulheres que tiveram as cozinhas de suas casas – ou cozinhas de espaços coletivos – adaptadas para cumprir as normas da vigilância sanitária, a partir de um projeto entre a AS-PTA e a organização Manos Unidas. Os bolos, a goma de tapioca e os beijus adquiridos foram produzidos por 26 mulheres da região. Na venda dos produtos in natura, também tem mulheres envolvidas.
Marcelo conta que até as pessoas que estão vendendo sua mercadoria, não vê esta ação como uma venda apenas. Veem como uma ação de solidariedade. “Na hora de entregar os produtos, vários/as fornecedores/as entregam a mais porque sabe que o produto não vai se perder. E há um zelo nesta entrega também. Teve gente que entregou as batatas já pesadas e embaladas em saquinhos na medida das cestas. Eles sabem que tudo vai chegar a quem precisa”, conta Marcelo.
Olhando para a necessidade dos produtores de reverter a queda nas vendas devido à pandemia, Gerusa da Silva Marques, da direção da Ecoborborema, assegura que esta iniciativa tem sido providencial para as famílias agricultoras. Ela estima que, em média, as vendas caíram cerca de 50%”. Das 12 feiras agroecológicas organizadas pela Ecoborborema, cerca de cinco ou seis pararam por um tempo que variou de semanas a três meses. “Não deixamos de vender totalmente, mas tivemos grande queda. Diante disso, diminuímos a produção. A compra dos alimentos para as cestas tem sido um incentivo bacana.”
O entreposto da agricultura familiar na Borborema – Desta vez, a logística do recebimento dos produtos à entrega das cestas aconteceu no Banco Mãe de Sementes, um espaço conquistado com muita luta dos/as agricultores/as e das organizações de apoio. Foi a primeira ação após reformas que duraram meses, no valor de R$ 200 mil. A sede, em Lagoa Seca, ainda nem teve a religação da energia elétrica. “A nossa intenção é que o Polo e a Eco se apropriem do significado político e da função deste espaço”, ressalta Marcelo.
“Ali é, realmente o espaço dos agricultores e agricultoras”, destaca Gerusa com relação ao Banco Mãe. “A gente está se apoderando dele a cada dia. Tem o desafio de manter financeiramente o prédio, mas será um aprendizado. A gente sabe que vai dar conta e vamos precisar da ajuda de todo mundo. Como organização envolvida com a comercialização, a Ecoborborema é que tem mais condições de gerenciar o espaço”, assume.
Gerusa estima que a receita mensal de todas as feiras, neste tempo de baixa das vendas, ultrapassa a marca dos R$ 40 mil. A Ecoborborema tem mais de 200 famílias associadas e outras tantas que também fornecem seus produtos para a venda nas feiras, mas não são sócias.