A pandemia da Covid-19 impôs novos desafios à agricultura familiar e às suas redes locais de conservação da agrobiodiversidade. No Paraná, o isolamento social atingiu em cheio o calendário de feiras e festas de sementes da ReSA – Rede de Sementes da Agroecologia. Mais de 30 eventos previstos para 2020 não puderam ser realizados. As feiras de sementes exercem papel fundamental nas estratégias de conservação da agrobiodiversidade no Paraná. São nelas que diferentes espécies e variedades são comercializadas, intercambiadas e onde agricultores e agricultoras de diferentes regiões se encontram para intercambiar seus conhecimentos.
Diante da impossibilidade de realização das feiras, grupos locais, a ReSA e organizações parceiras no estado desenharam uma política de compra e doação de sementes crioulas com o objetivo de garantir renda aos agricultores e agricultoras e disseminar sementes de qualidade a diversas famílias do campo e da cidade.
Em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT), as organizações que compõem a ReSA executaram o “Projeto Emergencial de Conservação e Multiplicação da Agrobiodiversidade” que adquiriu 30 toneladas de sementes crioulas de milho, feijão, arroz e mais 16 mil pacotes de 80 tipos de hortaliças. As sementes foram compradas de 130 famílias agricultoras e foram doadas a mais de 3 mil famílias das diferentes regiões do estado. O público prioritário da ação foram comunidades quilombolas, povos indígenas, assentados/as da reforma agrária, acampados/as, faxinalenses e agricultores/as familiares, incluindo agricultores/as urbanos. As comunidades beneficiárias foram aquelas que tinham pouco acesso a outras políticas públicas. Nesse sentido, foi uma iniciativa essencial para a promoção da segurança alimentar e nutricional de populações que se tornaram ainda mais vulneráveis por conta dos efeitos da pandemia.
Nessa ação apoiada pelo MPT, a doação não acaba quando uma família recebe as sementes. A entrega das sementes também é um começo. O projeto foi pensado para que a ReSA se amplie. Por isso, as famílias que receberam as sementes crioulas são apresentadas à Rede e às histórias das sementes que receberam. Uma estratégia construída é que cada família devolva ao menos a mesma quantidade a um banco de sementes de uma organização ligada à ReSA no Paraná, garantindo a disponibilidade de sementes na próxima safra e se integrando à defesa das sementes crioulas e a um trabalho permanente de capacitação dos/as agricultores/as para o cuidado com as sementes.
Em 2019, segundo dados da Conab, R$ 4,3 milhões foram aplicados na modalidade Aquisição de Sementes do PAA. Foram projetos de 11 organizações de 5 estados que comercializaram no total 577 toneladas de sementes, entre milho, feijão, arroz, cebola, hortaliças, sorgo e castanhas. Esse valor é extremamente baixo se considerarmos que estamos nos referindo a uma política de abrangência nacional. Uma prova disso é que naquele mesmo ano, o valor dos projetos de sementes apresentados à Conab e não contemplados por falta de recursos somou R$ 5,5 milhões. Ou seja, menos da metade da demanda apresentada transformou-se em ação concreta.
A experiência em curso no Paraná, que permitiu que as sementes continuassem circulando mesmo na ausência das feiras, traz alguns ensinamentos para as políticas públicas: organizações que atuam de forma cooperativa em dado território têm condições de rapidamente dar respostas aos desafios que se apresentam, tal como a impossibilidade de aglomeração por conta da pandemia; o conhecimento da realidade local permite que as ações cheguem a um amplo conjunto de pessoas, incluindo-se aquelas para as quais as políticas e programas governamentais não costumam chegar; apoiar uma política de sementes crioulas passa necessariamente pelo apoio aos guardiões e guardiãs de sementes; essa ação visa ao mesmo tempo gerar autonomia e uma possibilidade de renda e melhoria da segurança alimentar das pessoas envolvidas.
A participação popular na formulação de políticas públicas está temporariamente interditada no âmbito federal. Isso não significa que a sociedade civil não esteja inovando e fortalecendo suas ações locais e acumulando conhecimento e experiências para o aperfeiçoamento e democratização da ação pública. Experiências inovadoras desenvolvidas nos estados e municípios, como a apresentada aqui, seguem como fontes de inspiração para o desenho de políticas públicas coerentes com a Agroecologia.