Reportagem fotográfica de Soumya Sankar Bose e Amrita Gupta
A agricultura comercial industrializada tornou as mulheres agricultoras invisíveis em grande parte do Sul Global. A Índia não é exceção. Isso está mudando com as práticas do programa Agricultura Natural de Orçamento Zero (ZBNF, na sigla em inglês). Agora mais frequentemente chamadas de agricultura natural gerenciada pela comunidade, essas práticas já são empregadas por quase um milhão de estabelecimentos da agricultura familiar no país. As mulheres, com pouco acesso a crédito, terra ou sementes comerciais, tornaram-se suas maiores difusoras.
Por meio de suas redes comunitárias e seus grupos auto-organizados, as mulheres foram disseminando a Agroecologia de comunidade em comunidade. Com isso não apenas melhoram a alimentação e a renda de suas famílias, mas também a saúde do solo e seu protagonismo nos processos de tomada de decisão. Intrínseca às práticas agroecológicas disseminadas, a lógica feminista de organização do trabalho se contrapõe à dinâmica do mercado convencional. No entanto, a iniciativa também já gerou tensões e controvérsias políticas. Esta reportagem fotográfica destaca alguns aspectos dessa experiência.
1 Sabíamos que era preciso ter um espaço para guardar nossas variedades nativas de sementes e transmitir o conhecimento tradicional da agricultura, que é agroecológico e que não agride a natureza, disse Chukki Nanjundaswamy, coordenadora do Amrita Bhoomi, centro camponês de formação em Agroecologia, perto de Bangalore, Karnataka. Como membro da Via Campesina, o centro oferece formações baseadas na abordagem de agricultor a agricultor, com foco na Agroecologia, nos direitos das comunidades camponesas, na soberania alimentar e na justiça social. Trata-se, portanto, de um espaço criado para provar que estilos alternativos de agricultura são possíveis.
2 Nisarga Nisargaka Savayava Krushikara Sangha é uma cooperativa autossuficiente em Honnur, Karnataka. A agricultura natural é praticada coletivamente. Embora as práticas de Agricultura Natural de Orçamento Zero (ZBNF) estejam sendo disseminadas com sucesso, sua popularidade também traz desafios e controvérsias políticas. Nas práticas da ZBNF, é fundamental o uso de esterco e urina de vaca para aumentar a atividade microbiana do solo. Um grande desafio, no entanto, é que os partidos nacionalistas extremistas hindus, que consideram a vaca sagrada e defendem a proibição do abate de gado, estão tentando politizar essas práticas. Tal postura é extremamente problemática, pois ameaça criminalizar as populações muçulmanas e outras minorias na Índia que dependem do gado para sua subsistência e segurança alimentar. Alguns críticos argumentaram que essas controvérsias resultam na exclusão de comunidades que atualmente não fazem parte das redes agrícolas da ZBNF. Outra preocupação decorre da confusão sobre a postura do programa sobre sementes geneticamente modificadas (transgênicas). O governo de Andhra Pradesh evita o uso dessas sementes e de sementes híbridas, enquanto outros grupos aprovaram o uso. Assim, apesar da escala que alcançou, ainda há dúvidas se as práticas da ZBNF terão sucesso em sistemas que se tornaram fortemente dependentes de insumos e tecnologias industriais, como o cinturão de algodão Bt da Índia.
3 Em muitas partes do mundo, mulheres como Bayamma Reddy há muito tempo têm sido as guardiãs das sementes locais. Por meio da Agroecologia, a riqueza de seu conhecimento e de seu papel na agricultura passou a ser reconhecida e valorizada. Quando os filhos de Bayamma foram para o ensino superior, ela começou a praticar a agricultura natural no terreno perto de sua casa, usando o conhecimento e as habilidades transmitidos de geração em geração. Ela é de Balakabari Palli, Andhra Pradesh, que fica em um dos distritos mais vulneráveis à seca do país. Nessas regiões, as culturas comerciais que precisam de irrigação e outros insumos caros se mostraram insustentáveis. Para garantir uma cesta de alimentos diversificada e mitigar o risco de quebra de safra, ela e o marido seguem a prática tradicional de navdanya (semear uma combinação de nove cereais e painço) antes do início das monções.
4 Kavita Kuruganti é a fundadora da Aliança pela Agricultura Sustentável e Holística (Asha, na sigla em inglês). Ela também está associada ao Makaam, um fórum nacional de mais de 120 pessoas e coletivos de mulheres agricultoras, organizações da sociedade civil, pesquisadores e ativistas, vindos de 24 estados indianos. O Makaam trabalha para garantir o devido reconhecimento e os direitos das mulheres agricultoras na Índia. Em uma entrevista recente, Kavita explicou como tradicionalmente as mulheres estavam envolvidas no trabalho agrícola intensivo, como transplante, remoção de plantas espontâneas e colheita. No entanto, como ela explica: À medida que a agricultura se orienta para os mercados, com uma dependência cada vez maior de herbicidas e máquinas, os homens assumem a tomada de decisões. A prática da Agroecologia permite que as mulheres recuperem seus direitos de tomada de decisão.
5 Em Andhra Pradesh, grupos auto-organizados de mulheres agricultoras têm sido determinantes para disseminar os princípios da agricultura de base agroecológica de comunidade em comunidade. Sem essas ações das mulheres, teria sido impossível expandir essas práticas para as quase 600.000 famílias agricultoras alcançadas, ou atingir a meta de 6 milhões de famílias até o final da década. A maioria das pessoas que trabalham e atuam como formadoras no programa são mulheres agricultoras.
6 Existem muitas mulheres agricultoras sem terra em Anantapur (Andhra Pradesh) – algumas são viúvas de agricultores que se suicidaram (uma tragédia em curso na Índia). Outras foram resgatadas do tráfico. Quase todas são vítimas de discriminação de casta. Um grupo delas se reuniu para arrendar coletivamente terras que antes estavam em pousio. As mulheres compartilham suas habilidades, conhecimentos e trabalho, cultivando alimentos sem agrotóxicos para suas famílias. Vendem o excedente diretamente nas áreas das lavouras, também fazendo entregas de hortaliças de bicicleta – microempreendimentos que estão ansiosas para ver crescer. As mulheres do coletivo criaram um sistema de rodízio para o trabalho agrícola que lhes permite administrar a produção e o trabalho de cuidado em casa. Nesse caso, a lógica feminista se sobrepõe ao funcionamento do mercado convencional. As mulheres remuneram parcialmente umas às outras durante a temporada agrícola, garantindo o fluxo de caixa no período pré-colheita para a cobertura das necessidades familiares. Além da melhoria das finanças, essa estratégia de autogestão também gera resultados importantes em termos de soberania e segurança alimentar e nutricional, autonomia política e dignidade.
7 Sujatha e seu marido Jagadish praticam a agricultura natural há quase dez anos em sua propriedade de 1,5 hectare em Gottigehally, Karnataka. Abandonar a agricultura convencional, que utiliza agroquímicos, foi um desafio, diz Sujatha. No entanto, à medida que aprenderam sobre os riscos à saúde associados ao uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos, o casal ficou cada vez mais determinado em sua decisão nessa direção. Atualmente, a propriedade é cultivada segundo um modelo da agricultura natural de cinco camadas1: um ecossistema que é mais florestal do que campo agrícola. “Talvez existam mais de 200 espécies crescendo em minha parcela”, diz Jagadish. O casal cultiva bananas, cocos, goiaba, jaca, batata-doce, leguminosas e limões, além de fazer experiências com café nas áreas inclinadas. Galinhas e cabras são criadas soltas. Árvores mais altas – carvalho prateado e moringa – formam uma cerca natural. Quando essas árvores perdem suas folhas, servem como cobertura morta, formando húmus no solo.
Soumya Sankar Bose
Autora das fotos reunidas neste ensaio
Amrita Gupta
Autora do texto, Agroecology Fund
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