Um agricultor pode viver com base na Agroecologia? Em geral essa é uma das primeiras perguntas feitas nos debates realizados na Europa. Isso porque lá ainda existe uma ideia amplamente disseminada de que é impossível gerar níveis de renda decentes com o uso da Agroecologia. Mas existem razões sólidas para que a agricultura de base agroecológica se torne um modelo capaz de gerar rendas comparáveis, senão superiores, às obtidas na agricultura convencional. Uma força invisibilizada por trás desse potencial econômico são as mulheres.
Embora o valor bruto da produção (VBP) por pessoa em geral seja menor na Agroecologia, a riqueza gerada pelo trabalho por cada unidade de produto é maior. Isso é importante, principalmente quando consideramos a variedade de produtos que uma unidade de base agroecológica gera. Quatro características centrais explicam essa superioridade. Curiosamente, são características que têm muito a ver exatamente com o papel e o trabalho das mulheres, a força invisibilizada e não reconhecida a que já nos referimos.
Em primeiro lugar, a Agroecologia é construída com base na valorização do trabalho e dos conhecimentos localmente disponíveis. Isso significa que depende menos do uso de insumos externos caros, como fertilizantes químicos, agrotóxicos ou maquinária pesada. O trabalho das mulheres, seus conhecimentos sobre determinados cultivos, criações e práticas de manejo, bem como de técnicas de processamento doméstico da produção são essenciais para a economia da Agroecologia. Muitas vezes estão disponíveis nas unidades familiares ou são obtidos por meio de arranjos comunitários de cooperação, que costumam ser estabalecidos por iniciativa das mulheres. Consequentemente, a renda líquida por unidade de produto, e por pessoa, tende a ser maior nos sistemas agroecológicos.
Em segundo lugar, a diversidade produtiva é intrínseca aos sistemas de base agroecológica. A biodiversidade é, “por natureza”, fundamental para a produtividade desses sistemas. Além de diversificarem as rendas, reduzem riscos, já que funciona como um importante amortecedor em tempos de quebra de safra (potencialmente induzida pelas mudanças climáticas) e de volatilidade de preços. As mulheres geralmente detêm conhecimentos específicos sobre sementes, raças e a biodiversidade em geral. Assumem um papel essencial também quando se trata de inovação na busca de canais de comercialização e atividades econômicas alternativas. O desenvolvimento da diversidade inerente à Agroecologia depende da valorização desses conhecimentos específicos por meio da observação e interpretação das diferenças, do aprendizado continuado e da experimentação.
A terceira característica, diretamente relacionada às anteriores, refere-se ao uso muito mais eficiente dos recursos locais disponíveis, uma condição que contribui ainda mais para a redução dos custos. Os recursos ecológicos são otimizados por meio de ciclos de reaproveitamento interno aos agroecossistemas e da adoção de práticas de manejo em constante aprimoramento e ajuste fino às condições locais. A aplicação dos resíduos de culturas como cobertura morta, o uso do esterco como fertilizante e a combinação de culturas para controlar insetos-praga são exemplos dessas estratégias. E são as mulheres que costumam ser as primeiras a experimentar essas técnicas.
Finalmente, a Agroecologia prospera quando processos cooperativos são desenvolvidos entre as próprias famílias agricultoras e delas com os consumidores. Práticas cooperativas são exercitadas pelas mulheres, que criam e mantêm interações em suas comunidades, por exemplo, engajando-se em novas atividades coletivas e novos mercados.
É desnecessário dizer que o desenvolvimento dessas características não ocorre como obrigação das mulheres. Pelo contrário, resultam da maneira como as mulheres fazem as coisas dentro e no entorno de seus estabelecimentos e como elas se relacionam umas com as outras e com outras pessoas.
Há um enorme potencial para fortalecer ainda mais as economias das unidades produtivas de base agroecológica na Europa, especialmente por meio de redes bem costuradas de processamento e comercialização. Uma nova lente econômica que valoriza a multifuncionalidade e reconhece o papel central desempenhado pelas mulheres é fundamental para que esse potencial seja visualizado e desenvolvido. Movimentos sociais e políticas bem articuladas podem desempenhar um papel importante e assim fortalecer a já significativa contribuição desses estabelecimentos agrícolas no fornecimento de alimentos de qualidade, na criação de trabalho digno, na mitigação de emissões de CO2, no fomento à vitalidade das áreas rurais, no incremento de elementos de paisagem e da biodiversidade.
Jan Douwe van der Ploeg
Professor Emérito de Sociologia Rural da Universidade de Wageningen
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Janneke Bruil
Cofundadora de Cultivate! e membra da Plataforma holandesa de soberania alimentar Voedsel Anders