Na América do Norte, a economia tradicional indígena sempre esteve profundamente enraizada na compreensão cultural da reciprocidade, do cuidado, das relações e da abundância inata de sistemas ecológicos vivos. Cultivava-se e colhia-se alimentos com a crença de que os humanos faziam parte do sistema vivo e que eles deviam cuidar da terra que, por sua vez, cuidaria deles. Nossas sementes preciosas eram muitas vezes cuidadas pelas mulheres, que cultivavam a terra com carinho enquanto cantavam e rezavam em nome das gerações futuras. Nossos ancestrais tinham redes comerciais regionais e intertribais vibrantes para trocar sementes, alimentos, artesanato e outras necessidades. Nesse sentido, eram espaços de compartilhamento social e cultural.
Os povos indígenas das Américas domesticaram algumas espécies agrícolas mais valiosas do mundo, como o milho, feijão, abóbora, batata, tomate e cacau. Os sistemas alimentares indígenas também incluíam peixes, caça e espécies silvestres altamente nutritivas. Infelizmente, os programas de modernização do governo dos EUA substituíram alimentos e dietas tradicionais por commodities, como trigo, açúcar e gorduras industrializadas. Como a comida é central para as culturas indígenas, muitas comunidades também perderam o conhecimento e as habilidades para o cultivo e o preparo desses alimentos, bem como as cerimônias e rezas que acompanhavam cada estação do ano. Atualmente, os impactos da colonização sobre as culturas alimentares devastaram a saúde e os meios de vida das comunidades tradicionais.
A mudança da visão de mundo relacional que fundamenta as economias indígenas para uma visão de mundo de exploração predatória e capitalista que considera tudo — terra, água, plantas, animais — como uma mercadoria a ser explorada para obter lucro tem sido devastadora. O sistema alimentar industrializado está embutido na lógica econômica baseada em ganhos de curto prazo, sem levar em conta as consequências ou relações de médio-longo prazos. Isso levou ao mau uso de nossas sementes ancestrais, que as corporações sentem que podem alterar e manipular geneticamente, em detrimento do valor nutricional, da soberania e da resiliência das sementes.
Acreditamos que a recuperação da cultura indígena está indissociavelmente ligada à revitalização de nossas sementes e sistemas alimentares tradicionais. Cultivar alimentos ancestrais ajuda os povos indígenas a se curarem do trauma histórico, a lembrar quem somos e a honrar nossos acordos recíprocos de cuidar de nossa Mãe Terra. Na Aliança Nativa Americana pela Soberania Alimentar (Nafsa, na sigla em inglês), nosso trabalho incorpora a revitalização de sistemas alimentares tradicionais, centrados na natureza e que honram a dinâmica relacional de nossos alimentos com a biodiversidade. Por meio da nossa Rede de Guardiões de Sementes Indígenas, organizamos intercâmbios, oficinas e o repatriação de sementes indígenas desde instituições de pesquisa para suas comunidades de origem. O Programa Culinário da Nafsa combina chefs nativos em treinamento com chefs nativos mais experientes.
Recuperar a tradição alimentar reforça iniciativas comunitárias, como a imersão linguística, a revitalização de ritos culturais de passagem e outras iniciativas profundamente espirituais enraizadas na cultura. Ao cultivar, cozinhar e compartilhar nossos alimentos ancestrais, estamos literalmente reindigenizando nossos corpos de dentro para fora. Como povos indígenas, nossas sementes e alimentos tradicionais nos ajudam a nutrir as histórias que nos fazem quem somos.
A Nafsa é uma rede estadunidense de líderes indígenas dedicada a restaurar sistemas alimentares, reforçando a autodeterminação tribal, o bem-estar da comunidade e a reconstrução das relações com a terra, a água, as plantas e os animais.
Diane Wilson
é diretora executiva da Nafsa.
Rowen White
é Diretor de Programa da Nafsa e fundador da Sierra Seeds.
Elizabeth Hoover
é professora associada em Berkeley, Universidade da Califórnia e membra do Comitê Executivo da Nafsa.
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