por Jean-Pierre Berlan
Em seu livro Guerre au Vivant OGM & mystifications scientifiques (Guerra aos Seres Vivos: transgênicos e mistificações científicas), o pesquisador Jean-Pierre Berlan, do Instituto Nacional de Pesquisa Agrícola da França (INRA), apresenta um glossário de termos — ou eufemismos — da “nova língua biotecnológica”.
Confira a seguir a explicação e a tradução de cada um dos 13 conceitos tratados por Berlan.
Ciências da Vida
também chamadas de Biotecnologias, ou melhor, Necrotecnologias
As transnacionais das “ciências da vida” produzem inseticidas, fungicidas, bactericidas, herbicidas, gameticidas — resumindo, biocidas. Elas compraram as “sementeiras” tradicionais para aumentar seus mercados ao comercializarem “kits” de sementes + biocidas.
Os imensos lucros que elas obtêm ao aumentar cada vez mais o seu controle sobre a produção agrícola e alimentar dependem da expropriação das plantas e dos animais da faculdade mais fundamental dos seres vivos: se reproduzir e se multiplicar. Seu objetivo é tornar estéreis seres vivos de qualquer tipo. As ciências da morte se disfarçam assim em “ciências da vida”.
Biologia molecular
na verdade Reducionismo Molecular na Biologia
Forjado em 1938 por Warren Weaver, diretor de ciências naturais da Fundação Rockefeller, o termo "biologia molecular" designa um programa reducionista de pesquisa limitado a um "controle da natureza graças à manipulação de fragmentos miniaturizados de matéria (1)".
Este programa se inscreve no objetivo político das elites americanas de criar uma nova "ciência do homem" fortemente impregnada de eugenismo e fundamentada pelas "teorias atuais e futuras e pelas técnicas de controle social (2)" e de engenharia humana. De uma maneira geral, somando os sucessivos níveis de complexidade do genoma, da célula, do órgão, do organismo e da sociedade, a biologia molecular é uma nova mutação do "animal-máquina" cartesiano e o fundamento da ideologia totalitária do "tudo é genético".
(1) Lily E. Kay, The Molecular Vision of Life, op. cit., p. 49.
(2) Ibid., p. 46.
Gênio genético
ou Engenharia Biomolecular para dissimular a Bricolagem Genética
Estes termos, que se referem a procedimentos precisos, planificáveis, reproduzíveis e fundamentados em conhecimentos científicos sólidos, mascaram as bricolagens ao acaso que produzem resultados dificilmente reproduzíveis e fundamentados em uma epistemologia de qualidade medíocre. A Dolly deu certo na 278a tentativa.
Organismo Geneticamente Modificado
ou OGM,mas desde a sua origem Quimera Genética
Todos os animais e quase todas as plantas são “geneticamente modificados”: são o resultado original da fusão de dezenas de milhares de genes com algumas mutações. O termo OGM é neste sentido desprovido de significação. Ele foi colocado no mercado para dar a impressão tranqüilizante de que se trataria simplesmente de avançar no processo de seleção artificial iniciado com a domesticação das plantas – o que proclamam os biotecnólogos que, sem temer a contradição, afirmam simultaneamente o caráter revolucionário de suas técnicas.
Completamente ao contrário, a transgenia (como seu nome indica) transgride as barreiras da seleção natural para criar seres vivos misturando espécies até mesmo de gêneros diferentes – quimeras.
Há vinte anos, a patente concedida à Boyer e Cohen pela primeira manipulação genética protegia uma “quimera funcional”. Este é o termo que nós passaremos a usar.
Controle da Expressão dos Genes
mais corretamente chamado de Terminator
"A Delta and Pine Land Company, conhecida como DPL na bolsa de Nova York, anunciou [em 3 de março de 1998] que havia obtido a patente n. 5723765, intitulada ‘Controle da expressão dos genes’. A DPL detém esta patente conjuntamente com os Estados Unidos, representados pelo ministro da agricultura.
A patente se aplica a todas as espécies de plantas e sementes, tanto transgênicas como convencionais. Trata-se de um sistema que controla a viabilidade da descendência de uma semente sem prejudicar a colheita. Sua principal aplicação será a de impedir a utilização de sementes de variedades protegidas por direitos de propriedade intelectual sem autorização (o que se chama de "bolsa branca" ou "sementes clandestinas"), tornando esta prática inviável uma vez que as sementes não autorizadas não germinarão. A patente permitirá a abertura dos mercados mundiais à venda de tecnologias transgênicas para as espécies em que os agricultores têm a prática de utilizar os grãos colhidos como sementes."
Anunciada com festa pela Delta and Pine Land e pelo ministro americano de agricultura, esta tecnologia de esterilização biológica de plantas se virou contra os camponeses, em particular contra aqueles do terceiro mundo. Ela foi muito apropriadamente batizada de "Terminator" (exterminador) por Pat Mooney, da ONG canadense RAFI (hoje ETC Group).
N.E.: Atualmente outras empresas multinacionais como a Monsanto, a Syngenta, a DuPont e a BASF possuem patentes sobre variações desta tecnologia Terminator.
Planta resistente a…
planta Bt, biopesticida ou, mais exatamente, quimera inseticida
Estas quimeras genéticas associam um gene da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt) a um promotor viral, tudo enfarpelado em um gene marcador de resistência aos antibióticos extraído de uma bactéria. A quimera inseticida produz uma molécula que não existe no complexo dos inseticidas naturais produzidos pela bactéria Bt. Aplicada ao milho, trata-se combater a lagarta conhecida como "broca do milho".
O caso da borboleta Monarca envenenada pelo pólen do milho inseticida Bt me levou a colocar aos meus colegas do INRA uma questão evidente: "Se o pólen do milho Bt contém inseticida suficiente para matar as lagartas da Monarca, que quantidade de inseticida um campo de milho Bt contém em comparação a campo que tenha recebido tratamento convencional contra a broca do milho?" Nenhuma resposta… Esta aqui vem de Charles Benbrook, antigo secretário de agronomia da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos: "Normalmente não se aplica nenhum tratamento contra a broca do milho" — o que explica não ter havido redução na utilização de agrotóxicos nos Estados Unidos. Quando fazemos algum tratamento, "minha melhor estimativa é que um campo de milho ou de algodão Bt produza de 10.000 a 100.000 vezes mais Bt do que utiliza um agricultor que aplique de maneira intensiva os tratamentos convencionais à base de Bt".
Em resumo, a expressão "resistente a" permitiu a introdução sem os testes toxicológicos de um tratamento novo, com um inseticida novo, em doses 10.000 a 100.000 vezes superiores àquelas que seriam utilizadas se as lavouras fossem tratadas.
Quanto às plantas "resistentes" a um herbicida, elas estocam este produto em seus tecidos sem morrer: o herbicida entra na cadeia alimentar — sem nenhum controle aprofundado sobre o fato. O termo que deveria ser empregado é "tolerante" a herbicidas. Falar de "resistência" tem por função evitar os testes custosos e de longo prazo necessários à difusão de um novo agrotóxico, assim como os estudos de toxicologia crônica de herbicidas ingeridos em doses superiores às permitidas pelas normas de produtos agrícolas.
A realização de tais testes tornaria estas quimeras não rentáveis, uma vez que a renovação das variedades de sementes é muito mais rápida que o desenvolvimento dos testes toxicológicos.
Privilégio do agricultor
para encobrir o Privilégio das transnacionais
Semear o grão colhido será “privilégio do agricultor”. Esta inversão da realidade consiste em declarar aos agricultores um privilégio inexistente, para conferir às transnacionais das “ciências da vida” um privilégio bem real: aquele da reprodução das plantas e dos animais — às custas da coletividade.
N.E.: A UPOV (União para a Proteção de Obtenções Vegetais), uma convenção internacional voltada a disciplinar a proteção de cultivares (a forma utilizada para denominar as “patentes sobre sementes”), chama de “privilégio do agricultor” o direito de o agricultor que tenha adquirido sementes “patenteadas” reservar parte de sua colheita para utilizar como semente em sua propriedade na safra seguinte (o que também chamamos de “uso próprio”).
O Brasil é signatário da Convenção de 1978 da UPOV, que preserva o “privilégio do agricultor”. Coerentemente, a Lei de Cultivares no Brasil (Lei 9.456/97) também permite o “uso próprio”. Mas existe atualmente uma movimentação política na Câmara dos Deputados e no Ministério da Agricultura para mudar a Lei de Cultivares de modo que ela passe a se basear nos princípios da UPOV de 1991, que deixa a critério do país resolver se permite ou não o “uso próprio”. E determina que, no caso de permitir, terá que “resguardar os interesses legítimos do melhorista”. Ou seja, o agricultor, neste caso, poderá ter que pagar royalties também sobre semente guardada.
Material Vivo
ou Material Biológico no lugar de Seres Vivos
Oxímoro (do grego, oxys, agudo e moros, obtuso: contradição nos temos), a "matéria viva" designa o DNA, dotado de faculdades auto-reprodutivas — embora ninguém, nem mesmo um biólogo molecular, tenha jamais constatado um fenômeno tão extraordinário. Este troca-troca semântico permite contornar o fato de que a legislação de patentes exclui os seres vivos do patenteamento, ao passo que a "matéria viva" se torna, ela sim, patenteável.
Equivalência substancial
ou melhor, Mascarado de…
Princípio segundo o qual um morango contendo um gene de peixe, um gene "marcador" de resistência a antibióticos e um promotor, de preferência viral, é "substancialmente" equivalente a um morango comum, a partir do momento em que ele tem uma composição físico-química similar à do morango comum. A equivalência substancial não passa de um "conceito comercial e político mascarado de científico", que permite dispensar análises de toxicologia e promove a violação do consumidor, que comerá essas quimeras genéticas sem saber e contra a sua vontade.
Não patenteabilidade dos genes humanos
porque tudo é patenteável
Em março de 2000, os presidentes Clinton e Blair se pronunciaram contra a patenteabilidade dos genes humanos. Em 27 de junho, o G8, reunido em Bordeaux, se pronunciou no mesmo sentido. Nós poderíamos farejar uma manipulação. Com muita razão de ser. Em primeiro lugar, esta declaração, que leva a tornar patenteáveis todos os genes “não humanos”, coloca a questão de saber o que é um gene “humano”.
O complexo genético-industrial e seus juristas farão observar (com muita razão de ser) que a maior parte dos nossos genes são comuns aos de outros mamíferos e outras espécies vivas. O homem compartilha, continuarão eles, a maior parte dos seus genes com os chimpanzés. Certamente, acrescentarão eles, a preocupação humanista de não degradar o homem ao comercializá-lo é também nossa.
Não estamos nós mesmos na vanguarda buscando libertar a humanidade da maldição da fome e da doença? Mas este humanismo que nós compartilharmos tem um custo: vocês não podem frear os avanços ao impedir a patente dos genes de ratos ou de chimpanzés quando estes mesmos genes são também presentes no homem. Nós subscrevemos então o seu apelo pois, não mais que vocês, nós não desejamos patentear os genes propriamente humanos: aqueles da liberdade? da consciência? do bem e do mal? do humanismo? Embora… Não seria preciso ainda pensar em nos curar destes genes humanos demais? Eles não nos ocasionariam sofrimentos morais injustificáveis?
Os “genes humanos” nos remetem ao falacioso reducionismo contemporâneo do “tudo é genético” e do fetichismo do gene. Mas nossa humanidade não está mais dentro dos genes do que dentro de nossa personalidade, nas protuberâncias cranianas da frenologia (Teoria segundo a qual as faculdades intelectivas, afetivas e instintivas do indivíduo têm relação com as bossas ou depressões cranianas.).
Pesquisa e Pesquisador “Públicos”
ou o que sobra disso
Colocamos em oposição a pesquisa e os pesquisadores privados, cujo propósito é produzir lucros, à pesquisa e aos pesquisadores públicos, que perseguiriam objetivos filantrópicos. Mas não há motivo para preocupação. Porque a pesquisa pública se inclui em uma divisão do trabalho científico que realiza as tarefas que não são diretamente rentáveis, a fim de deixar para a pesquisa privada as etapas finais que conduzem ao mercado e ao lucro. Esta divisão do trabalho deve, ela própria, encarar o papel da ciência e da técnica na perspectiva da expansão do sistema capitalista desde a Renascença.
“Ética”
que não passa de “verniz”
Invocada com lágrimas de crocodilo e uma fascinação doentia a cada vez que uma fronteira da instrumentalização dos seres vivos é atravessada, a ética é, junto com a advocacia de má fé, um dos domínios onde as necrotecnologias criam mais empregos. Convém generalizar o que Erwin Chargaff diz a propósito das diretivas éticas em matéria de técnicas de reprodução adotadas pela Sociedade Americana de Fertilidade: “a mais voraz das cabras não teria escrito um manual de jardinagem mais permissivo”.
À guisa de conclusão
Para concluir que não importa o que vem pela frente, os biotecnólogos usam frequentemente a expressão “no estado atual do conhecimento científico”, que significa de fato “nós não temos a mínima idéia a respeito das eventuais conseqüências do que fazemos.
Portanto, façamos!”.
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Tradução e edição: Flavia Londres/AS-PTA