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É um pesadelo agronômico.
O herbicida seleciona pragas resistentes
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MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA
Folha de S. Paulo, 07/08/2005
Esta notícia ninguém vai encontrar nas páginas de propaganda em favor da agricultura transgênica, como as do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (www.cib.org.br) e da Associação Nacional de Biossegurança (www.anbio.org.br): o Reino Unido já tem a sua supererva daninha.
Aliás, você sabia que na ilha do príncipe Charles até hoje não se cultivam transgênicos? Só experimentalmente. País atrasado…
Para a sorte do público, existem serviços de propaganda com o sinal trocado, como a Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos. Essa, pelo menos, não traz no nome nenhuma promessa descumprida de imparcialidade. Foi por um boletim da campanha que os brasileiros ficaram sabendo do relatório britânico do final de julho, dando conta de que plantas da oleaginosa colza (ou canola, Brassica napus) resistentes ao herbicida glufosinato de amônia tinham cruzado com uma mostarda silvestre (Sinapis arvensis).
Não chega a ser uma tremenda novidade. No Canadá, a canola resistente a herbicidas é plantada há tempos e a transmissão do gene que confere a resistência para ervas daninhas já havia sido constatada. No caso, para outras mostardas silvestres, como a Brassica rapa, parente mais próxima da oleaginosa (como se percebe pelo primeiro nome, o do gênero).
É um pesadelo agronômico. A aplicação de herbicida na plantação, que só deveria matar o mato e preservar a canola, agora poupa também -e seleciona- algumas ervas resistentes, que adquiriram a característica após fertilização com pólen da canola transgênica. Na propaganda antitransgênicos, esse efeito não-pretendido da biotecnologia foi apelidado de “superervas daninhas”.
No Reino Unido, chama a atenção que o problema tenha surgido em uma planta ainda menos aparentada com a canola. O achado confirma também a utilidade de fazer estudos mais prolongados de biossegurança e impacto ambiental, inexistentes no Brasil, cujos governos, no entanto, vêm fazendo de tudo para liberar os cultivos geneticamente modificados.
No caso britânico, a hibridização da canola com a mostarda silvestre só foi verificada cinco anos depois de iniciados os chamados estudos de campo de larga escala. Eles foram patrocinados pelo governo para tentar demonstrar a segurança dos transgênicos e com isso diminuir a resistência do público.
Não é o fim do mundo, porém. O evento de transmissão do gene por pólen é raríssimo. Mas também é verdade que o emprego continuado do glufosinato manterá uma pressão seletiva favorável à erva daninha transgênica, que deverá multiplicar sua população rapidamente.
As implicações dessa pesquisa para a situação brasileira são só indiretas. Por aqui, o principal cultivo transgênico é de soja, uma planta sem parentes silvestres no Brasil. Nada disso é justificativa, contudo, para omitir uma notícia negativa para a biotecnologia. O estudo britânico pode ser obtido – em inglês, claro – na internet: www.genewatch.org/CropsAndFood/Charlock%20fses%20epg_1-5-151.pdf.