Cientes dos riscos que o veneno pode acarretar, representantes da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba) e do Polo das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema têm se mobilizado, buscando diversos canais de interlocução para tentar fazer o governo optar por alternativas menos prejudiciais ao meio ambiente e à saúde das famílias produtoras e consumidoras. Além disso, o emprego de agrotóxicos contraria as práticas tradicionais de grande parte dos agricultores da região, que vêm seguindo os princípios da Agroecologia, entre eles, a ausência de venenos nos cultivos.
Entre as ações de mobilização, foi convocada uma audiência no Ministério Público, junto à Promotoria Especializada de Defesa do Meio Ambiente da Comarca de Campina Grande, da qual participaram o promotor de defesa do meio ambiente, José Eulâmpio Duarte, representações do Polo da Borborema, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Lagoa Seca, da Associação dos Amigos da Natureza (Apan), da UEPB, da AS-PTA e da Defesa Agropecuária do Governo da Paraíba.
A reunião aconteceu no dia 2 de março, quando os presentes discutiram diferentes pontos de vista sobre como combater a mosca negra. Embora admitam que a contaminação exija ações emergenciais, os movimentos da agricultura familiar e ambientalistas apontaram os riscos da aplicação de produtos químicos nas lavouras, comprovados em outros locais em que se optou por essa via para erradicar a praga. Além disso, relataram experiências em que agricultores do Brejo Paraibano têm utilizado com sucesso extratos vegetais, como de castanha-de-caju, manipueira, maniçoba, angico e nim.
Durante entrevista para a equipe Studio Rural, Nelson Anacleto, representante do Polo da Borborema, declarou que reconhece o esforço do governo, mas reforça que o acúmulo de experiências dos agricultores no controle de pragas sem uso de veneno não tem sido levado em conta. Segundo ele, há outras formas de se restaurar o equilíbrio do sistema e alerta para o fato de que há grande ocorrência de casos de câncer e de outras doenças justamente ligados aos agrotóxicos.
O grande prejuízo vai além do econômico, pois afeta o meio ambiente e a natureza, e nós já temos toda essa experiência vivenciada com o que vem acontecendo em nossa região com os efeitos danosos dos químicos, desabafa Anacleto.
O agrônomo da AS-PTA, Luciano Silveira, reforça o argumento de que o melhor e mais eficaz método para combater a mosca negra é o controle biológico, uma vez que já há pesquisas que elencam vários inimigos naturais do inseto.
Embora o uso do veneno promova uma queda da população da mosca negra no curto prazo, ele agrava o desequilíbrio do sistema no médio prazo, já que mata não só todos os inimigos naturais da praga, como também outros organismos responsáveis pela restauração do sistema. Ou seja, o uso do agrotóxico só intensificará o problema nos próximos anos. Além disso, esse produto químico é reconhecidamente muito nocivo, tendo sido proibido na Inglaterra, na Itália, na França e na Alemanha por ser associado à mortalidade de abelhas, insetos polinizadores que garantem a reprodução das lavouras, explica Luciano.
Ao final da audiência na Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, os presentes chegaram a um acordo em que o governo do estado se comprometeu a formar uma comissão mista, composta por biólogos, agrônomos, agroecologistas e representantes de órgãos públicos que ficaram encarregados de avaliar a situação da flora e da fauna, especialmente os insetos, da área de cerca de dez hectares em que o produto químico já foi aplicado. Essa avaliação embasaria as medidas mais apropriadas para o combate à mosca.
Quinze dias depois da audiência pública (17/3), como forma de continuar a mobilização das famílias agricultoras, entidades assessoras e ambientalistas, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Paraíba (Fetag-PB) convocou uma reunião com o objetivo de discutir uma ação conjunta, entre sociedade civil e governo, para o combate da mosca negra. Estiveram presentes o Secretário da Agricultura e Pesca do Estado (Sedap), Ruy Bezerra, o promotor de Defesa do Meio Ambiente da Comarca de Campina Grande, José Eulâmpio Duarte, além de representantes da UFPB, da Embrapa, da Delegacia Federal do Desenvolvimento Agrário (DFDA), da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da Paraíba (Emater-PB) e da Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba (Emepa).
Entre as entidades da sociedade civil participantes, estão a Fetag-PB, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs) de Lagoa Seca, Lagoa de Roça, Alagoa Nova, Esperança, Remígio, Areia, Matinhas, Campina Grande e Massaranduba, representantes do Polo da Borborema, da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba), do Conselho das Associações Rurais e Desenvolvimento Agrário do Município de Esperança (Cardame), da AS-PTA, do Território da Cidadania da Borborema e da Central Única dos Trabalhadores (CUT-PB).
Na reunião, o presidente da Fetag, Liberalino Ferreira de Lucena, cobrou do Governo do Estado o respeito à opção dos agricultores de não aplicar venenos em suas lavouras e, assim, manter cultivos de base agroecológica. Segundo ele, em vez de agrotóxicos, estão sendo utilizados produtos orgânicos para o combate da praga.
Já temos casos exitosos da aplicação de inseticidas naturais, como o nim ou amargosa. É preciso, portanto, deixar a cargo dos agricultores a escolha pela opção que consideram mais adequada, destacou Lucena.
Um dos pontos altos da reunião foi o momento em que dois agricultores deram seus depoimentos. O primeiro, Fernando Paulino da Silva, trouxe como amostragem várias folhas de laranjeiras, algumas danificadas pela mosca negra e outras tratadas com produtos naturais fabricados a partir de conhecimentos locais. Já o segundo agricultor, conhecido como Robinho, expôs a situação dramática que viveu no passado, quando aplicou agrotóxicos indiscriminadamente, o que deixou marcas em seu corpo e arrependimento por ter agredido o meio ambiente.
Durante o encontro também foi apresentado um relatório expondo as boas práticas agrícolas que vêm sendo monitoradas, testadas e aprovadas pela equipe técnica da AS-PTA junto ao Prof. Jacinto Luna, da UFPB – Campus Areia. As práticas consistem em aplicar nas plantas afetadas óleo de castanha-de-caju, detergentes neutros e óleo de nim, que, por ser um produto de origem vegetal, biodegradável, não contamina o meio ambiente, sendo inclusive indicado amplamente na agricultura orgânica.
Entretanto, quanto à aplicação do Provado SC200, o relatório das pesquisas recomenda que não seja feita em plantas que estejam muito próximas de residências, fontes de água e passagem de pessoas e animais (o que é muito comum na região da Borborema, em que a maioria de propriedades tem tamanho reduzido). Também não é indicado pulverizar o veneno perto de cultivos de outras espécies, como pitanga, acerola, goiaba, jabuticaba e ervas medicinais, que poderão ser atingidas por gotas de dispersão. Além disso, nas duas propriedades estudadas que receberam o veneno, os resultados foram considerados inconclusivos, subjetivos e de caráter não científico, uma vez que não foi feito de forma rígida o controle da contagem da população do inseto antes e depois da aplicação do veneno. Numa das propriedades, aliás, nem todas as moscas foram mortas, o que pode ter sido causado por imperícia no processo de pulverização. O relatório sugere ainda que a sociedade exija do governo a responsabilidade por monitorar todos os eventuais efeitos ao meio ambiente e à saúde humana e animal decorrentes do uso de venenos nos cultivos.
Finalmente, foi feita a apresentação do Plano de Combate e Controle da Mosca Negra, que foi discutido e aprovado pela maioria dos presentes e entregue ao Secretário da Sedap, Ruy Bezerra. Com essas ações, as entidades agricultoras, organizações de apoio e ambientalistas esperam que se concretizem as propostas elencadas no plano de ação e que o governo se comprometa a estabelecer um processo de ampla participação da sociedade civil.
Até lá, a mobilização continua para evitar que o veneno seja empregado e prejudique toda a região da Borborema. A Fetag divulgou um documento em que os agricultores reivindicam o direito de produzir alimentos saudáveis, sem o uso de agrotóxicos. Além de propostas alternativas ao uso do veneno, o texto apresenta os principais argumentos contrários a essa iniciativa do governo que, apesar de ter amparo legal, pode trazer prejuízos ainda mais graves do que a própria praga.
Para ler o documento na íntegra, clique aqui.
Leia também: Combater mosca negra com agrotóxicos pode trazer mais prejuízos
Obs: A matéria contou com informações do Programa Domingo Rural, da Stúdio Rural, assim como da carta elaborada pelas entidades da agricultura familiar e suas assessorias.