As mulheres agricultoras, por exemplo, muitas vezes preferem a variedade de milho de sabugo fino que é mais fácil de ralar para fazer alimentos à base de milho; outras optam pela variedade de sementes pequenas para alimentar pintos e galinhas. Há famílias que buscam aquela que produz mais palha, visando a alimentar os animais, enquanto outras querem um milho que cresça bastante para favorecer o consórcio com a fava, que precisa de um suporte de maior porte para se enroscar e crescer. Todos esses usos variam de acordo com a estratégia adotada por cada família agricultora, ora com vistas à comercialização, ora pensando no autoabastecimento da família, do sistema produtivo ou dos bancos de sementes comunitários.
Esse saber local, porém, nem sempre é reconhecido pelos programas governamentais de distribuição de sementes. Prova disso são as diretrizes que têm orientado o Programa de Sementes para a Agricultura Familiar, lançado em 2006 pelo Governo Federal. Conduzido pela Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA) em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o programa tem priorizado a distribuição em larga escala das variedades melhoradas de milho e feijão desenvolvidas pelo órgão oficial, sob o argumento de que seriam as ideais para o clima da região semiárida. Com isso, tem-se negligenciado a experiência, a preferência e, por que não, a paixão dos agricultores por suas sementes tradicionais.
Diante dessa dissonância de opiniões sobre quais as variedades de sementes mais apropriadas ao semiárido, a Rede de Sementes da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA-Paraíba) se mobilizou e vem através de uma pesquisa apoiada pelo CNPq realizando ensaios de comparação de desempenho entre as variedades melhoradas e aquelas tradicionais. Para tanto, foi criado o Projeto Semente da Paixão, uma parceria entre a Rede de Sementes da ASA-Paraíba e a Embrapa Tabuleiros Costeiros (SE), com o apoio da UFPB (Campus Bananeiras).
As comunidades de Mendonça e Sussuarana, no município de Juazeirinho, região do Cariri, receberam dois ensaios comparativos de variedades, onde foram plantadas 10 variedades de sementes crioulas de milho, uma desenvolvida pela Embrapa (milho Caatingueiro) e outra pela Agroceres (AG 1051). No dia 12 de agosto, foram obtidos os primeiros resultados. Entre os presentes na ocasião, estiveram representantes das Comissões de Sementes do Polo da Borborema e do Coletivo Regional do Cariri, Seridó e Curimataú, da AS-PTA, do PATAC, da Delegacia do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), da Embrapa Tabuleiros Costeiros (SE) e da UFPB – Campus Bananeiras.
Todos puderam verificar que, mesmo com a pouca quantidade de chuva que caiu este ano na região (cerca de 250 mm), as sementes de paixão tiveram melhor desempenho que as variedades melhoradas. Para estabelecer os parâmetros de comparação, agricultores foram consultados e elencaram os critérios que, para eles, são os mais importantes, tais como: quantidade de palha (utilizada para alimentar animais), produção de grãos, qualidade das espigas, altura das plantas e diâmetro do caule (pensando no consórcio com outras culturas), peso da espiga, entre outros. Em todos os critérios elencados como mais relevantes pelas famílias agricultoras, os gráficos de comportamento das variedades crioulas superaram as sementes melhoradas.
Segundo Emanoel Dias, da AS-PTA: Não se trata de dizer que as sementes melhoradas da Embrapa são ruins, uma vez que há agricultores que vão utilizar o milho catingueiro, por exemplo, para vender milho verde na feira. O que a Rede de Sementes da ASA-Paraíba quer mostrar é que a disseminação de uma única variedade distribuída pelo governo não é uma boa estratégia. O ideal é que as famílias os agricultoras tenham à disposição, inclusive pelas políticas de governo, uma diversidade de sementes que valorize o grande patrimônio genético e a ampla quantidade de variedades locais. Nós acreditamos que essa diversidade é fundamental para a manutenção da agrobiodiversidade, da segurança alimentar e, portanto, para o fortalecimento da agricultura familiar agroecologica camponesa.
A partir desses resultados, a expectativa é desfazer a imagem de que as sementes crioulas não têm qualidade. Com esses ensaios, os parceiros envolvidos estão apresentando resultados científicos e comprovados em pesquisas. Ainda temos dois novos ensaios comparativos de variedades de milho para colher em 2010 na região da Borborema. Para 2011 serão implantados campos de multiplicação dessas variedades tradicionais. Dessa forma, o governo poderá adquirir essa vasta diversidade de sementes para distribuí-las para as famílias agricultoras do semiárido.
O Programa de Sementes para a Agricultura Familiar do governo federal é muito importante, mas desde que se ajuste à experiência, preferências e realidade da agricultura familiar da região. Para isso, é fundamental a participação ativa das famílias, conclui Dias.
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Semente da Paixão é tema de pesquisa participativa
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