Rio de Janeiro, 25 de maio de 2005.
Ministro das Relações Exteriores
Exmo. Sr. Celso Amorim
C/C Ministra do Meio Ambiente
Exma. Sra. Marina Silva
C/C Ministro da Saúde
Exmo. Sr. Humberto Costa
C/C Ministro do Desenvolvimento Agrário
Exmo. Sr. Miguel Soldatelli Rosseto
C/C Ministro da Ciência e Tecnologia
Exmo. Sr. Eduardo Campos
C/C Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Exmo. Sr. Roberto Rodrigues
Ref.: Segunda Conferência das Partes da Convençãoda Diversidade Biológica servindo como Encontro das Partes do Protocolo deCartagena de Biossegurança.
Pela presente a AS-PTA Assessoriae Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa gostaria de oferecer suascontribuições e expressar suas expectativas em relação ao posicionamento que seráadotado pela delegação brasileira na COP-MOP2.
A delegação brasileira já chegou a consenso em umasérie de itens que serão parte da agenda da COP-MOP2. Outros pontos a seremdiscutidos entre os dias 30 de abril e 03 de junho em Montreal enfrentam, poroutro lado, um verdadeiro impasse, sem desfecho previsto na atual esfera em quese encontra a discussão. No entanto, por ser o Brasil o próximo país a sediar oencontro das partes do Protocolo e por suas características naturais, detentorde vasta biodiversidade, tanto natural como agrícola, causaria estranhamentocaso sua delegação se omitisse, por falta de consenso, em discussõessubstanciais e que podem ter grande impacto no futuro do Protocolo, em suaimplementação no País e na operacionalização de uma política nacional debiossegurança.
Seguem, para cada um dos temas consideradossubstantivos, algumas considerações:
1) Manuseio, transporte, embalagem e identificação (artigo 18).
É fundamental que o governo brasileiro recuse aexpressão “pode conter” do artigo 18.2(a) e substitua-a por “contém OVM”. Aexpressão “pode conter” foge do espírito do Protocolo e ao mesmo tempodesrespeita sua Decisão BS-I/6. Também não seria condizente com o papel dedestaque que o Brasil desempenha no cenário internacional, minar um acordo noqual o País ingressou livremente e por decisão própria.
A fim de se evitar novos incidentes como o recentecaso das exportações norte-americana de milho Bt10 no lugar de Bt11, as cargassubmetidas a movimentação transfronteiriça devem ser acompanhadas de umcompleto sistema de documentação, que deverá apresentar, no mínimo, asinformações sobre:
– Oseventos de transformação de cada OVM;
– Osnomes comum e científico, gene de modificação que foi inserido, informaçãosobre espécies doadoras e receptoras dos genes;
– Asrecomendações para manuseio, armazenagem, transporte e uso seguros;
– Asmedidas a serem adotadas em casos de acidente; e
Oresumo da avaliação de risco a que o produto foi submetido.
A documentação para OVMs que contenham mais de umevento de modificação genética deve identificar cada um deles.
Essas informações são de caráter dinâmico e deverãoser, a um só tempo, atualizadas de acordo com novas descobertas científicassobre a biossegurança dos OVMs e permitir que o monitoramentopós-internalização do OVM em questão também gere informações sobre suabiossegurança.
Da mesma forma, o “pode conter” impossibilita apromoção de qualquer estudo que relacione uma variedade transgênica específicaa um dano ambiental ou de saúde específico, impedindo que medidas de precauçãosejam adotadas. Ademais, qualquer regime de responsabilização torna-se inviávelcom a imprecisão da informação “pode conter”.
O Biosafety Clearing House (artigo 20) tambémtem sua utilidade drasticamente reduzida com a manutenção do “pode conter”.Caso mantida a expressão, países exportadores poderão passar a rotular dessaforma todas suas cargas, banalizando o Protocolo e acabando com a possibilidadede um carregamento ser rotulado como livre de transgênicos.
Enquanto país importador, o Brasil não deverá importarOVM cujo uso na alimentação humana, animal, para processamento ou paraintrodução deliberada no ambiente não tenha sido autorizado internamente deacordo com a Lei 11.105/05. No caso de importação, as cargas devem sertrituradas no país de origem, ou então assim que entrarem no país de destino.Essa medida tem como objetivo prevenir que um produto autorizado para umdeterminado fim tenha outra destinação (Ex.: contaminação de variedades nativasde milho do México pelo milho transgênico importado dos EUA para uso emalimentos).
Se de fato o Brasil tem como objetivo implementar oProtocolo de Biossegurança e operacionalizar internamente o princípio daprecaução, a informação restrita ao “pode conter OVM” joga contra esseobjetivo, uma vez que acarretará em aumento dos custos para aplicação dasnormas de biossegurança, como rotulagem e rastreabilidade (todos oscarregamentos deveriam ser testados e submetidos aos procedimentos debiossegurança).
Quanto à contaminação de cargas, ou presençaadventícia, é importante frisar que a capacidade de um OVM impactarnegativamente a saúde humana ou o meio ambiente não muda em função de suapresença em um carregamento ser intencional ou acidental, e que oestabelecimento de níveis aceitáveis de contaminação são medidas quantitativase não garantem a segurança do produto. Sendo assim, deve-se levar emconsideração a política de tolerância zero para alguns, senão todos OVMs.
No caso da entrada de um carregamento com presençaacidental de um OVM, as autoridades brasileiras deverão estar aptas aidentificá-la em termos qualitativos e quantitativos.
Nenhum nível de contaminação deverá ser aceito paraeventos de transformação genética não aprovados no Brasil.
2) Análise e manejo de risco (artigo 16)
É importante destacar neste item um trecho dopreâmbulo do Protocolo que afirma que “(…) os organismos modificadosresultante da moderna biotecnologia podem causar efeitos adversos naconservação e no uso sustentável da diversidade biológica (…)”. Sendo assim,espera-se que o Brasil defenda que seja realizado o EIA/RIMA sempre que houversolicitação do país importador.
Reconhece-se no Brasil que a análise de risco tem trêsprincipais etapas: a avaliação de risco, o manejo dos riscos e a comunicação dorisco. A execução da primeira está prevista na lei 11.105/05 e a das duasúltimas na Resolução CONAMA 305/2002.
No campo científico, são duas as principaisnecessidades:
– Aperfeiçoaros protocolos e métodos de avaliação de risco; e
– Abandonaro princípio da equivalência substancial como conceito para avaliação de riscode organismos transgênicos. Este é um conceito de cunho comercial e carece defundamentação científica, já que não há relação entre composição de um produtoe sua toxidade. Cabe neste ponto uma harmonização com as diretrizesestabelecidas pelo Codex Alimentarius
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Por último, é importante ressaltar que nenhumaestratégia de análise e manejo de risco pode ser efetivada sem que sejaimplantado um mecanismo de monitoramento pós-liberação.
Por último, é importante ressaltar que nenhumaestratégia de análise e manejo de risco pode ser efetivada sem que sejaimplantado um mecanismo de monitoramento pós-liberação.
3) Responsabilidade e Compensação (artigo 27)
A responsabilização e a compensação no caso de danodevem considerar qualquer efeito decorrente da entrada de um OVM no país, sejano momento da movimentação transfonteiriça ou posteriormente em seu uso. Asnormas brasileiras se baseiam na responsabilidade objetiva e solidária.
4) Considerações socioeconômicas (artigo 26)
Neste item, a discussão tem que avançar e certamente oBrasil poderá contribuir no detalhamento dos temas de pesquisa bem como nostipo de impactos da moderna biotecnologia.
Como entidade de assessoria técnica e metodologia aorganizações da agricultura familiar, a AS-PTA preocupa-se especialmente com osimpactos que o cultivo de plantas transgênicas pode ter sobre a diversidade genéticaagrícola que é manejada e conservada pelas comunidades de famíliasagricultoras. Deve ser considerado o papel que as variedades conhecidas comocrioulas desempenham na constituição e na manutenção de agroecossistemasdiversificados, ecologicamente estáveis e produtivos, bem como seu papelcentral na garantia da segurança alimentar das famílias de agricultores.
Outros temas de relevância devem se considerados,entre eles:
– ocusto da substituição de tecnologias;
– odireito e as obrigações sobre a produção obtida;
– oscustos de segregação;
– oscustos de identificação;
– oscustos de rastreabilidade;
– oaumento do custo de produção de não-transgênicos;
– odireito de o agricultor não ter sua produção contaminada;
– ouso do conhecimento tradicional pela indústria da biotecnologia;
– oscustos e a viabilidade da implantação de regras de co-existência de cultivos;
– oimpacto nos ritos culturais ou qualquer outra forma de manifestação cultural decomunidades tradicionais e de povos indígenas.
Revisar qualquer limite de contaminação ou presençaadventícia para eventos não-autorizados.
5) Participação e percepção pública (artigo 23)
Em dezembro de 2003, uma pesquisa encomendada ao IBOPEmostrou que 3 de cada 4 brasileiros preferem alimentos não-transgênicos e 92%dos entrevistados acreditam que a informação deve constar no rótulo. Adiscussão sobre organismos transgênicos está presente na nossa sociedade.Exemplo que ilustra bem a importância que o debate ganhou no País foi dado em2002, quando os candidatos à presidência da república tiveram que se posicionarsobre o tema em debate em cadeia nacional de televisão.
Tanto o interesse quanto a preocupação da sociedade emrelação ao tema mostram que mecanismos de participação direta e efetiva sãonecessários para que a sociedade civil organizada participe dos processos detomada de decisão em relação a organismos transgênicos e biossegurança econtribuam, assim, para legitimar medidas governamentais.
São diversas as possibilidades de participação dasociedade civil. Mecanismos como audiências públicas e consultas públicas sãoelementares e usuais em diversos órgãos públicos, servindo para enriquecer odebate e as definições acerca de políticas públicas. A criação de fórunspermanentes que facilitem a participação das organizações da sociedade éessencial para a democracia e o avanço das políticas públicas.
Do lado oposto, ilustrando a opacidade que muitasvezes se configura nas decisões sobre uso da transgenia, está a prática demanutenção do sigilo de resultados apresentados pelas empresas que desenvolvemtransgênicos, através do pedido de confidencialidade da informação (artigo 21),alegando a defesa de seus interesses comerciais. O que não pode aceitar e queessa situação seja a regra e não a exceção.