Glaci Zancan, ex-presidente da SBPC, escreveu este artigo para o “JC e-mail” da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
O extraordinário desenvolvimento da ciência acoplado à rápida passagem das descobertas para novas tecnologias está gerando novo problema entre os pesquisadores.
Antigamente, era a busca pelo conhecimento que motivava as mentes. Hoje, busca-se ainda a utilidade dos resultados e com isso a pesquisa deixou de ser neutra para ser vinculada aos interesses dos financiadores.
O exemplo claro dessa nova visão está na área biológica, financiada por grandes corporações, seja na obtenção de novos fármacos, seja no desenvolvimento de variedades vegetais transgênicas ou no emprego de células-tronco na terapia celular.
Logo, agora, na análise de mérito dos projetos é fundamental conhecer quem são os financiadores, pois muitas vezes, além das agencias públicas, os projetos têm o apoio de recursos adicionais provenientes de empresas.
Essa transparência é importante para os analistas terem a isenção suficiente para opinar sobre a originalidade e viabilidade dos projetos, independente de quem irá registrar a propriedade intelectual dos achados.
O problema do conflito de interesse precisa ser encarado pela comunidade para evitar que as decisões dos órgãos técnicos sejam contestadas em sua legitimidade.
Outra faceta do conflito está no sigilo a ser mantido pelos analistas considerando os critérios para obtenção de patentes. Esse tema é particularmente sensível no financiamento de projetos de inovação tecnológica.
Sempre foi praxe da comunidade científica não opinar sobre projetos de sua própria instituição, mas agora é preciso mais. É preciso evitar que interesses comerciais, pessoais ou institucionais se misturem aos acadêmicos.
É chegada a hora de considerar na escolha dos membros das comissões e comitês, emissores de pareceres oficiais, além da competência técnica que os currículos podem refletir, o conflito de interesse.
A exigência formal de compromisso de tornar público quem financia suas pesquisas e quais as ligações com grupos de interesse, deve ser encarada como uma norma para os candidatos e escolhidos antes que assumam suas funções.
Está mais do que na hora que este assunto adquira entre nós a relevância que vem tendo em outros países, notadamente os do Hemisfério Norte. É hora que o tema deixe de ser tabu na comunidade científica e nos órgãos gestores de C&T.
É preciso evitar que a interferência do mercado nas atividades de pesquisa leve ao descrédito da ciência, que sempre foi regida por princípios éticos severos, o que lhe conferiu a credibilidade que hoje desfruta.
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Publicado em http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=33547