Há mais de quatro anos, a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), do Ministério da Ciência e Tecnologia, "aprovou" a primeira liberação comercial de um produto transgênico no Brasil, a soja resistente ao herbicida Roundup (ambos, semente e herbicida, produzidos pela multinacional americana Monsanto).
Imediatamente, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e o Greenpeace Brasil questionaram juridicamente a competência legal da CTNBio. A Justiça deu ganho de causa às ONGs, considerando que, pela Lei de Biossegurança, essas liberações cabem aos Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura e que à CTNBio apenas compete aconselhar o governo. A Constituição exige a realização de estudos de impacto ambiental avaliados pelo Ibama, anteriores à liberação de transgênicos no meio ambiente.
Apesar de a Monsanto e os ministros de FHC afirmarem que esses produtos são inócuos e seguros, eles não responderam às exigências da Justiça, de realizar estudos de impacto e apelaram ao Tribunal Regional Federal, em Brasília.
O governo FHC pressionou juízes e baixou medidas provisórias para fortalecer a CTNBio. Criminosamente, não reprimiu o contrabando de sementes transgênicas oriundas da Argentina para o Rio Grande do Sul nem os plantios clandestinos e ostensivos naquele Estado. Fechou os olhos para os produtos contaminados com transgênicos e vendidos livremente no país e pressionou o Conselho Nacional do Meio Ambiente para evitar rigor nos estudos de impacto ambiental dos transgênicos.
Paralelamente, a Monsanto gastou rios de dinheiro com propaganda na mídia, seminários para potenciais "formadores de opinião" e lobby para parlamentares votarem um projeto de lei favorável à liberação facilitada dos transgênicos.
A imprensa em geral tratou as entidades e cientistas que pediam precaução aos transgênicos como dinossauros, inimigos da ciência, ecoterroristas, vendidos às empresas de agrotóxicos e inimigos do progresso. O mesmo tratamento que deram aos que se opuseram à ração que deu origem à incontrolável doença da vaca louca.
O tempo mostrou que a razão estava entre os que pediam prudência. Inúmeros problemas têm surgido nos cultivos transgênicos nos EUA – torna-se claro que o Brasil deve rejeitar esses cultivos até mesmo para aproveitar o mercado cativo de produtos livres de transgênicos que a Europa e a Ásia nos abrem.
A insistência das empresas multinacionais em liberar as sementes transgênicas está ligada unicamente à sua necessidade de aumentar o lucro. Pois apenas dez empresas controlam essas sementes em todo o mundo. E as sementes transgênicas não estão ligadas ao aumento da produtividade, mas, sim, ao necessário uso de agrotóxicos produzidos pelas mesmas empresas! Por outro lado, como o mercado consumidor é cada vez mais cuidadoso com a saúde, uma agricultura brasileira livre de transgênicos tomaria o mercado das multinacionais dos EUA.
A vitória do povo brasileiro nas ultimas eleições, pedindo mudanças, deu forças para que seja revisada também a politica em relação aos transgênicos.
E representou um duro golpe aos interesses da Monsanto, que antes contava com muitos aliados dentro do Palácio do Planalto. Vale lembrar que a empresa conseguiu liberar junto à Sudene um empréstimo, para construir uma fábrica de venenos em Camaçari (BA), de aproximadamente US$ 250 milhões, dinheiro que seria destinado ao desenvolvimento do Nordeste. A Monsanto acreditava que dobraria as resistências da sociedade brasileira "cooptando" o governo e outros Poderes. Felizmente, foi derrotada.
A luta da sociedade brasileira, por meio de suas entidades e movimentos sociais, barrou até agora os transgênicos no Brasil, e as ações da Monsanto caíram 60%.
Se as eleições representaram uma posição clara por mudanças, infelizmente a composição do ministério do novo governo manteve uma posição ambígua em relação à liberação dos transgênicos. E alguns ainda não entenderam o resultado de outubro.
A União ainda é sócia (pasmem!) da Monsanto no recurso que será julgado no TRF. A safra gaúcha -contaminada por transgênicos devido à omissão de FHC- começa a ser colhida em março, e não há definição de como tratar esse descalabro, que custará (ao governo? aos produtores? à sociedade?) mais de US$ 1 bilhão e, talvez, o lugar privilegiado do Brasil no mercado internacional de alimentos não-transgênicos.
Enfrentar essas e outras questões exigirá do governo esforço coordenado entre ministérios. Há medidas urgentes a tomar, como orientar a Advocacia Geral da União para retirar o governo do recurso solidário com a Monsanto no TRF. As entidades dos pequenos agricultores, da sociedade civil, das igrejas e de agricultura ecológica exigem uma clara definição do novo governo.
*João Pedro Stedile, 49, é coordenador do MST e da Via Campesina Brasil. Jean Marc von der Weid, 56, é coordenador da Articulação Nacional pela Agroecologia e da campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos.