A multiplicação e a capilarização dessas iniciativas indicam a existência de um movimento em ascensão ainda pouco visível para o conjunto da sociedade, embora seja propulsor de práticas sociais e econômicas de enorme valia para o equacionamento de dilemas societais decisivos da atualidade, a começar pelo abastecimento alimentar das cidades.
Cada experiência singular traz ensinamentos de grande relevância para a construção desse movimento emergente, embora somente adquira significado enquanto expressão de ruptura com a ordem econômica e social hegemônica quando considerada como parte integrante de um conjunto amplo e diversificado de iniciativas similares. A baixa visibilidade desse conjunto se deve em grande medida ao fato de que não estamos nos referindo a processos sociais centralmente planificados, mas de iniciativas autônomas que brotam do terreno cotidiano da luta das famílias agricultoras e de suas organizações para se manterem e prosperarem, contrariando as forças econômicas e político-ideológicas que lhes negam a existência material e simbólica.
Esta edição especial de Agriculturas tem por objetivo lançar alguns olhares sobre esse fenômeno social emergente. Os artigos e depoimentos aqui publicados apresentam pontos de vista complementares sobre essa realidade ainda pouco compreendida e divulgada, mas que em síntese pode ser definida como a revalorização da natureza camponesa da agricultura familiar. Ao confrontarem e repudiarem posições doutrinárias que, sob o manto da pretensa neutralidade da Ciência, proclamam o inevitável fim dos camponeses, os autores descrevem como e em que condições o campesinato perseverou até os dias de hoje e aponta perspectivas para a construção de um mundo melhor.
O termo camponês não é aqui empregado para identificar um tipo social homogêneo ou uma categoria sociopolítica, mas para caracterizar um determinado modo de viver, produzir e se relacionar com a natureza e com a sociedade que identifica os mais variados grupos sociais presentes no mundo rural e que são portadores de identidades culturais próprias. A Agroecologia, enquanto Ciência aberta ao diálogo com a sabedoria desses agricultores territoriais, é aqui apresentada também como elemento de identificação mútua entre os protagonistas desse movimento dinâmico e crescente.
Os olhares sobre essa nova realidade estão presentes também nas fotos que ilustram a publicação. Em sua maioria são imagens reproduzidas de edições anteriores da revista e revelam paisagens camponesas que se caracterizam pela combinação de dignidade, orgulho, autoestima, solidariedade, reciprocidade, cuidado, respeito, otimismo e outros valores que movem a agricultura familiar rumo ao futuro.
Este número especial já se encontra disponível na página da Revista Agriculturas.