Em 2006, o Governo Federal lançou o Programa de Sementes para a Agricultura Familiar. Conduzido pela Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA), em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o programa originalmente previa ações que contribuíssem para a revalorização das sementes crioulas nos territórios rurais, além de se fundamentar na produção local de sementes. Nesse sentido, os objetivos se mostravam em sintonia com o enfoque agroecológico de manejo e conservação da agrobiodiversidade. Entretanto, na prática, o programa assumiu um formato bastante convencional, ao optar pela distribuição em larga escala de poucas variedades de sementes comerciais melhoradas produzidas pela Embrapa em sistemas agroquímicos e tratadas com agrotóxico. Dessa forma, compromete a busca por autonomia dos pequenos produtores, que se veem num estado de permanente dependência de insumos externos, e agrava o processo de erosão genética já em curso na região. Além disso, enquanto as variedades melhoradas visam somente elevar a produtividade de grãos, as variedades crioulas podem ter diversos usos nos sistemas familiares.
A política se concretizou em diversos estados do Nordeste por meio da distribuição em larga escala da variedade de milho caatingueiro, considerada pelos órgãos oficiais como a mais indicada para o clima semiárido por ter um ciclo produtivo menor, que se completa durante o curto período de chuvas. No entanto, trata-se de uma variedade de baixo porte, o que não favorece a estratégia tradicional de consórcio com a fava, que cresce se enroscando na planta do milho. Ou seja, quanto maior o porte do milho, melhor o desenvolvimento da fava. O milho caatingueiro também não produz muita palha. Já as variedades locais fornecem um volume considerável, que é convertido em forragem para os animais. Somente esses dois aspectos mostram que, para as famílias agricultoras, a variadade ideal não é aquela que apenas produz mais grãos, mas a que também desempenha outras funções no sistema, como alimento para as criações e suporte para o consórcio com outros cultivos.
Em reação aos impactos negatidos da distribuição do milho caatingueiro em larga escala nos últimos anos, a Articulação do Semi-Árido da Paraíba (ASA-PB) buscou se mobilizar e definir estratégias para restaurar os objetivos originais do referido programa. Uma das estratégias foi estabelecer parceria com o meio científico para a análise e o reconhecimento das qualidades das sementes tradiconais. Em 2009, foi então implementado o Projeto Semente da Paixão, parceria entre a ASA-PB e a Embrapa Tabuleiros Costeiros (SE), através do CNPq, com o apoio da UFPB (Campus Bananeiras) e Embrapa Algodão. A proposta é conduzir ensaios de competição de desempenho entre as variedades melhoradas e as nativas, a partir dos métodos oficiais de pesquisa e sob o acompanhamento de representantes do governo, da sociedade civil e, sobretudo, das famílias agricultoras. A partir dessa pesquisa, será possível colocar em evidência o potencial das sementes tradicionais e sua adaptação às condições biofísicas locais.
Segundo Luciano Silveira, da AS-PTA: Com essa pesquisa comparativa, será possível desconstruir o discurso dominante que desqualifica as sementes locais como grãos e não reconhece seu potencial agrícola.
Já foram estabelecidos campos de ensaio na Comunidade Mendonça e na Comunidade Sussuarana, no município de Juazeirinho, no Assentamento Santa Paula, município de Casserengue, e na UFPB (Campus Bananeiras), todos no estado da Paraíba.
De lá para cá, as sementes da paixão ganharam outra oportunidade para comprovar seu valor agronômico. Em 2010, a delegacia do MDA da Paraíba, em parceira com a Embrapa Algodão, lançou um projeto de constituição de 20 campos de multiplicação de variedades de milho, feijão, fava e gergelim, visando garantir a oferta a agricultores da Paraíba. Por ocasião da Festa Estadual da Semente da Paixão, por meio da mobilização de agricultores e organizações da ASA-PB, pactuou-se com o governo o compromisso de destinar alguns desses campos à multiplicação de sementes crioulas, que serão distribuídas a famílias agricultoras paraibanas em 2011. Esse é um movimento de reversão da orientação da política que vem aos poucos recompondo sua concepção original.
A expectativa é que os resultados dos ensaios e a implantação dos campos de multiplicação de sementes crioulas sirvam de subsídio para os ajustes necessários ao Programa de Sementes para a Agricultura Familiar que, a partir de então, deverá ser conduzido de forma a considerar não só os aspectos agronômicos, mas também a preferência que os agricultores têm por suas sementes da paixão.
A atual conjuntura aponta para o restabelecimento do diálogo entre o governo e sociedade. É como diz seu Joaquim Santana, do Polo da Borborema: Esse clima também favorece a semente humana boa. Porque, antigamente, quando a gente se juntava, era pra brigar [MDA, Embrapa, Universidade, famílias agricultoras]. O caminho é a semente humana se misturar com boas condições de parcerias, um respeitando o outro.
E completa com os seguintes versos:
Tem até semente humana; que é a semente de gente
Tem que ser selecionadas; de pessoas competentes
Essa é capaz de zelar; mais também pode acabar
Todos os tipos de sementes (Joaquim Santana)