Nessa ocasião, os presentes realizaram um diagnóstico participativo, elencando os avanços, entraves e desafios para esse mecanismo de poupança comunitária e solidária.
Antecedentes
No semiárido, a solidariedade e a cooperação são características do modo de vida de milhares de famílias agricultoras. Os mutirões, as trocas de sementes e o compartilhamento de água e alimento em momentos de crise sempre existiram entre as comunidades rurais. Os Fundos Rotativos Solidários (FRS) nada mais são que uma nova forma de praticar esses valores. Eles constituem poupanças coletivas para a multiplicação dos recursos.
Muitos fundos rotativos se organizaram em torno da construção de cisternas de placas. Para as famílias agricultoras, os fundos permitiam que uma família recebesse o benefício, pensando em seu vizinho. A experiência se disseminou rapidamente pelas comunidades rurais, abrangendo mais de 140 municípios da Paraíba.
Em 2003, foi criado o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), coordenado pela Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA-Brasil) e financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Na Paraíba, o início da implementação do programa deu ainda mais fôlego à disseminação dos FRS pelo semiárido.
Entretanto, em 2004, a Controladoria Geral da União (CGU) questionou a legalidade da prática dos FRS para financiar a construção de cisternas. O governo alegava que os recursos eram a fundo perdido e, portanto, não poderia ser permitida a devolução do dinheiro ganho por uma famílias a um fundo coletivo. Ocorreu então a desvinculação entre o P1MC e os FRS, o que provocou a desmobilização de comunidades inteiras.
Muitas lideranças e assessorias, porém, não se contentaram em por fim às iniciativas de FRS que tantos benefícios trouxeram para milhares de famílias do semiárido. A ASA Brasil e o Comitê Nacional dos FRS, com o apoio do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), encomendaram um parecer jurídico, cujo resultado contestava a determinação do TCU, dando respaldo legal à prática.
Em abril de 2008, foi realizado o I Seminário dos Fundos Solidários – Gerando riquezas e saberes, que contou com a presença de agricultores, assessores e representantes de órgãos governamentais. Também foram produzidos materiais didáticos e informativos que reforçavam a importância dos FRS não só como mecanismo econômico, mas como reflexão da identidade camponesa.
Como resposta a essa mobilização, a Advocacia Geral da União (AGU) e o MDS promoveram um seminário em outubro de 2009, durante o qual afirmaram que a prática dos fundos solidários não fere as leis existentes e que, portanto, é possível destinar recursos públicos para programas que trabalham com os FRS.
Diante dessas declarações, representantes da sociedade civil solicitaram que a AGU se pronuncie oficialmente quanto ao apoio às iniciativas dos FRS de modo a oferecer segurança às consultorias jurídicas e aos técnicos dos órgãos públicos.
Resultados da Oficina
Apesar dessas conquistas, ainda paira um clima de insegurança, exigindo a concentração de esforços para revitalizar os FRS na Paraíba. Com o questionamento sobre a legalidade, muitos políticos utilizaram-se desse argumento para desarticular as comunidades, gerando um descrédito e abandono desse mecanismo. Diante desse contexto, os participantes da oficina foram divididos em quatro grupos para levantar os pontos positivos e negativos das experiências conduzidas na região do Polo da Borborema, assim como apontaram possíveis encaminhamentos para contornar a situação adversa.
Entre os aspectos mais importantes dos FRS, foi colocado o fato de ser um instrumento de poupança comunitária que, além de gerar renda, promove a autonomia, a autoestima e a segurança alimentar. Para a realidade da região, onde há pouca disponibilidade de terra por unidade produtiva familiar, os fundos proporcionam um melhor aproveitamento do espaço e a diversificação das atividades na propriedade, sobretudo nos arredores de casa. Trata-se ainda de uma oportunidade de acesso a crédito facilitado e adequado à necessidade de cada família, inclusive as mais carentes. Além disso, por ser um mecanismo democrático, todos os membros se envolvem e definem os critérios de participação, fomentando uma cultura de organização comunitária e solidária, dotando as comunidades de poder para se libertar dos maus políticos.
Ao falar de maior liberdade, os participantes apontaram também como os FRS trouxeram maior autonomia para as mulheres. Hoje, elas podem ter acesso a recursos e estruturar o arredor de casa, para conjugar num mesmo espaço a criação de animais e plantas. Com isso, geram sua própria renda e elevam sua autoestima. O caso de dona Lindalva, agricultora de Lagoa Seca, foi mencionado como exemplar nesse sentido.
Em 2000, depois que acessou o fundo rotativo e adquiriu 30 metros de tela, dona Lindalva pode organizar sua criação de galinhas. Apesar de se dedicar desde solteira a essa atividade, antes da tela ela enfrentava o problema de ter um terreno pequeno, além de estar sujeita a roubos e chateação com os vizinhos. Depois da cerca de tela, pode aumentar seu plantel e melhorar sua economia. Desde que cercou, cria 30 galinhas ou mais. Com a organização da sua criação, pode contribuir para o fundo com a venda dos ovos.
Para ilustrar a importância que o arredor de casa representa para as unidades produtivas familiares, foi construída uma maquete. Nela, havia chiqueiro da galinha, cisterna da água de beber, plantas medicinais, horta caseira, chiqueiro de porco, frutas, flores, colmeia de abelha, curral do gado, em suma, uma grande diversidade e riqueza dentro de um pequeno espaço.
O trabalho que temos desenvolvido no Polo da Borborema com os arredores de casa tem fortalecido bastante nosso trabalho como um todo, pois essa área constitui um meio de gerar renda e melhorar a segurança alimentar das famílias. É ali também onde são produzidas as plantas medicinais, promovendo saúde. É o local onde se educam os filhos. Ou seja, é um espaço de geração de autonomia, uma vez que não é preciso mais recorrer ao vizinho ou aos políticos para pedir água, plantas medicinais, etc. E com os fundos solidários, esse espaço ganhou mais vida, concluiu Leia, do STR de Massaranduba e da Coordenação do Polo da Borborema.
Gizelda, liderança do Polo, complementou: Em Remígio, mesmo com as dificuldades apresentadas pela desvinculação das cisternas, muitos FRS foram criados. Os FRS trazem novas formas de organização e é um espaço de organização das mulheres e de educação dos filhos. Não adianta ter um arredor de casa bem organizado se não tiver um debate sobre esse trabalho com a família.
Apesar do grande poder de transformação das famílias e da vida comunitária, os desafios para manter vivo o espírito de solidariedade e confiança nos fundos também são muitos. O problema passou a surgir com a desvinculação das cisternas, conta Gláucio, do STR de Massaranduba. Quando aconteceu o problema com a cisterna, tudo parou. As famílias desacreditaram no fundo porque acham que tudo é uma coisa só.
Além de casos de falta de reposição dos recursos, por falta de pagamento devido ao descrédito do sistema, os maiores desafios apontados foram os referentes à gestão dos FRS. Os participantes consideraram necessário realizar um trabalho de formação, organizar um sistema de controle da gestão, construir instrumentos que deem maior transparência na gestão dos recursos, garantir a prestação de contas para toda a comunidade, deixar claro de onde vêm os recursos e construir coletivamente como e quando o dinheiro comunitário será utilizado. Para tanto, sugeriu-se desencadear um intenso processo de formação no Polo para que as comunidades possam se apropriar novamente desse instrumento e criar princípios e regras para gestão coletiva da poupança comunitária. Uma poupança que dá liberdade e autonomia para que a comunidade possa construir seu projeto de desenvolvimento.
Encaminhamentos
Para os participantes da Oficina de Formação sobre FRS, é fundamental fazer com que as famílias acreditem novamente nessa prática, sendo a transparência e a difusão do conhecimento essenciais para o bom funcionamento dos fundos. Ficou estabelecido que serão convocados debates na coordenação do Polo e serão retomadas as discussões nas comunidades para a reconstrução política da importância dos FRS para a autonomia das famílias agricultoras.
Vamos conversar com as lideranças das associações e dos STRs, fortalecer a autoestima das lideranças. Vamos promover uma verdadeira campanha para a retomada das experiências dos FRS, que não geram só riqueza, mas também conhecimento e autonomia para as comunidades rurais camponesas, concluiu Luciano Silveira (AS-PTA).