Para tanto, agricultores ajudaram a reconstituir a história da produção dessa cultura na região. Eles contaram que, nos anos 1970 e 1980, o cultivo da batatinha era bastante rentável na Borborema. Naquele tempo, aproximadamente 80% dos agricultores familiares da região se dedicavam a essa cultura e muitas pessoas puderam adquirir muitos bens com a produção.
Entretanto, segundo relato dos próprios agricultores, o plantio da batatinha vinha necessariamente acompanhado de um pacote de agrotóxicos. Na época dos grandes incentivos da batatinha, o financiamento do banco era totalmente atrelado ao uso do veneno.
A batatinha dava lucro, mas o consumo de veneno era intenso, levando 23 pulverizações na planta durante seu ciclo produtivo e uma no solo para iniciar a produção. Além disso, acho que as principais pragas que chegaram aqui foram às variedades do Sul que disseminaram e desvalorizam as batatas produzidas na região da Borborema, explica seu Zé Balbino, agricultor de Areial.
Já seu Galego, da Comunidade Gravatazinho, município de Areial, conta que desde jovem trabalhava com o pai, que foi um grande produtor de batatinha, sendo responsável, juntamente com seu irmão, de pulverizar a produção. Achava aquilo uma tristeza e se tenho saúde é porque Deus é bom. Era tanto veneno que já era para eu ter morrido. Há quase 40 anos, porém, desde que se casou, ele deixou de utilizar o veneno e tem orgulho de sua pequena propriedade sem uso de produtos químicos. Também fica satisfeito em saber que tem outras pessoas comprometidas com o meio ambiente e com a ecologia.
Depois de um tempo, a produção começou a cair e o preço desvalorizou em relação à batatinha do sul. Veio então o endividamento, muitos tiveram que vender suas propriedades e houve até registros de suicídios de agricultores que não conseguiam saldar seus débitos com os bancos.
Além dos altos gastos, outros fatores contribuíram para desestimular a produção. Sandro, de Lagoa do Gravatá, Lagoa Seca, afirmou que cultivou a batatinha por muito tempo, mas há quatro anos parou em virtude da dificuldade de vender o produto na Ceasa e ter que entregar aos atravessadores. Os problemas de armazenamento também foram decisivos para alguns agricultores. Antigamente, a produção era coberta de bagaço de fumo nos alpendres das casas, mas hoje o armazenamento é feito em frigoríficos. O ideal, segundo Robinho, da comunidade de Retiro, Lagoa Seca, é que os frigoríficos estejam prontos para receber a batatinha no início de setembro. Assim, elas podem ficar estocadas até o preço no mercado se elevar.
Para Nelson Anacleto, representante do Polo da Borborema, deve-se também levar em conta que os agricultores não foram educados a guardar uma boa semente. Eles vendiam as batatas melhores e ficavam com as piores para o plantio seguinte e, com isso, a produção foi a cada ano decaindo, explicou.
Experiências de sucesso
Apesar das adversidades, alguns agricultores persistiram na produção da batatinha. Entretanto, a situação agora é bem diferente. Hoje, as famílias agricultoras veem a batatinha como cultura importante, mas não como a única a ser cultivada.
Seu Zé Pequeno, da Comunidade São Tomé de Baixo, Alagoa Nova, lembra que, na época em que a produção de batatinha era incentivada, foi estimulado a substituir o campo que tinha com laranjas, abacate, caju, manga e outras frutas. Com os prejuízos, que frequentemente atingem as monoculturas, ficou desestimulado. Hoje escuta que é possível plantar a batatinha de forma agroecológica, percebe uma nova oportunidade para a agricultura familiar em um novo sistema.
Acho importante conhecer famílias que estão plantando a batatinha junto com outras culturas. Essa diversificação garante um novo momento. Agora ninguém fica dependente de uma única cultura e estamos fazendo uma agricultura saudável, diz animado.
É o caso da família de Robson Alves Gertrudes, que desde 1998 produz de forma agroecológica. Segundo ele, a iniciativa se deve à vontade de proteger a saúde da família e a natureza, por meio da produção de alimentos saudáveis. Hoje, a família tem uma produção diversificada, o que permite um equilíbrio nas despesas por contarem com mais de uma opção para gerar renda. Nos últimos meses, eles vêm acessando o mercado agroecológico da batatinha e, recentemente, surgiu à oportunidade de vender para uma empresa do Sul, a Rio de Una, que, por meio da AS-PTA e do Polo da Borborema, pode conhecer a propriedade. Na semana passada, eles já entregaram à empresa três toneladas de batatinha e ainda têm pelo menos quatro para arrancar no roçado. Outros agricultores foram envolvidos, mas não acreditaram na proposta. Mas a família Gertrudes não desiste e a cada dia tem tentado incentivar o cultivo agroecológico junto a outros agricultores da região.
Seu Antônio dos Santos, mais conhecido como seu Galego, da comunidade de Gravatazinho, município de Areial, também tem uma boa experiência para passar. Ele e sua esposa Hosana vêm experimentando um conjunto de iniciativas agroecológicas na propriedade de seis hectares. Atualmente, a terra está sendo manejada para atender as diferentes necessidades da família. Numa metade da área, plantam uma diversidade de culturas: feijão, fava, amendoim, coentro, tomate e várias frutas. Já na outra metade, a família maneja a criação de gado e caprinos. Esse conjunto vem sendo fundamental para o fortalecimento da alimentação familiar e também para acessar a feira agroecológica em Esperança. Durante o intercâmbio, seu Galego falou das técnicas que utilizou no plantio da batatinha, como o espaçamento entre as plantas (50 cm), o uso de esterco bovino para adubar a área (quatro carroças), o número de aplicações de biofertilizante (três) e a realização de capina a cada 15 dias. O agricultor observou ainda o desempenho de cada uma das quatro variedades que plantou (Ana, Elisa, Catucha e Cristal).
Gostei mais das variedades Elisa e Ana, por conta da produtividade, do tamanho e da resistência na terra. Já a catucha apresentou florescimento rápido, mas a cristal não agradou muito por conta do tamanho das batatas, explicou.
Impressões e encaminhamentos
Após a visita ao campo, o grupo trocou impressões e apontou alguns encaminhamentos. Segundo a avaliação do representante do Polo da Borborema, Nelson Anacleto, as experiências são promissoras e estimulantes, mas é preciso continuar a monitorar o desempenho produtivo das diversas variedades de batatinha:
Precisamos fazer pelo menos mais um ano de experimentação para validar a produtividade dessas variedades. Podemos fazer estudos com o uso de estrume, adubação verde e outros consórcios. Se conseguirmos um volume maior de sementes, também podemos fazer testes com outros agricultores em outras comunidades.
Para Marcelo e Lenildo, ambos da Embrapa, é muito importante ter o cuidado de selecionar as batatas mais sadias e com potencial de propagar as características mais vantajosas, como a resistência a pragas, boa tolerância à seca e tubérculos graúdos. Acreditam que os movimentos sociais devem continuar lutando para um dia conseguir um “Pacote Verde” para se trabalhar com Agroecologia. Além disso, ressaltaram a importância de momentos de intercâmbio como esse, entre agricultores e técnicos, já que os dois lados sempre têm algo a aprender e a ensinar.
Quanto aos gargalos na comercialização, destacaram que a produção agroecológica conduzida pela agricultura familiar da Borborema não deve buscar apenas os mercados convencionais, mas sim outras oportunidades, como o mercado institucional, por meio da Política Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), por exemplo.
A Embrapa tem interesse em adquirir batatas-sementes e, caso o Polo da Borborema se prontifique a organizar uma venda, iremos identificar agricultores que possam produzir essas sementes orgânicas. Acho possível fazer uma negociação com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ou com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para ver os trâmites e as possibilidades de garantir a compra das batatas-sementes dos agricultores familiares, afirmou Lenildo (Embrapa).
Além disso, foi levantada a ideia de elaborar uma estratégia de marketing, que divulgue e valorize a diversificação da produção da agricultura familiar na perspectiva agroecológica.
O desafio é dar visibilidade ao plantio de batata sem veneno. Poderíamos fazer um trabalho de divulgação de marca: “Batatinha Agroecológica da Borborema”. Existe hoje a chamada Indicação Geográfica (IG), utilizada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para valorizar o coco de Sousa e o algodão colorido. Devemos, portanto, buscar o mesmo para a batatinha.
Ao final, foi elaborada uma lista com os principais encaminhamentos:
1. Organização de um boletim informativo relatando as três experiências familiares, de Robinho, seu Galego e seu Joaquim;
2. Inserir outras organizações, a exemplo da Conab, em novos momentos para discussão das batatas-sementes e sobre a concessão do uso do frigorífico de Esperança;
3. Pensar na perspectiva da produção da batatinha para as feiras agroecológicas e comercialização via PAA;
4. Repetir em 2011 os ensaios (pelo menos seis novos), pensando em testar novos formatos de adubação (esterco bovino, adubação verde, composto) e consórcios (milho);
5. Nos próximos ensaios, inserir as cultivares já trabalhadas com a agricultura familiar na região da Borborema;
6. Planejar a continuidade das pesquisas da batata-semente; e
7. Pensar numa estratégia que valorize a “Batatinha Agroecológica da Borborema”.
Fico muito feliz vendo a agricultura familiar crescendo de forma correta. O melhor é que as sementes da paixão estão dando certo. Elas são patrimônio da agricultora e fazem parte do seu viver. Muitos não plantam porque não têm condições adequadas. Depois dessa visita, sugiro até lutar pela batata, mas desde que ela seja apenas mais uma cultura no roçado dos agricultores. E, mais que tudo, precisamos lutar para que o produto saudável venha para a mesa, concluiu satisfeito Zé Pequeno.