Foi partilhando o pão embalados pela voz da cantora Sandra Belê que terminou na tarde desta quinta-feira, 31 de outubro, o 3º Encontro nacional de agricultoras e agricultores experimentadores, realizado pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA Brasil). O Encontro reuniu em Campina Grande, na Paraíba, cerca de 300 participantes vindos dos nove estados do Nordeste e de Minas Gerais, além de outras regiões da Paraíba. O encerramento aconteceu no hall de eventos do Garden Hotel, com a realização de uma mística que celebrou a força da união e da partilha de conhecimentos como grandes símbolos do encontro. De mãos dadas e formando um grande círculo, os agricultores e agricultoras, técnicos das entidades que fazem a Articulação do Semiárido Brasileiro e convidados dançaram e cantaram “somos rede, somos ASA!”.
O encontro foi iniciado na última segunda-feira, 28 de outubro, com a montagem de uma feira dos “Guardiões da biodiversidade, cultivando vidas e resistência no semiárido”, mesmo tema do evento. Após a montagem da feira, as caravanas dos estados se apresentaram na plenária para as boas-vindas oficiais do encontro. Expressando a cultura de cada região, os sentimentos de quem ama e cuida da terra e a valorização da convivência como caminho de resistência no semiárido, cada delegação representou seja, cantando, dançando ou declamando, a sua identidade.
Para encerrar a mística e celebrar a abertura do 3º Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores, ocorreu ainda a bênção das sementes, simbolizando a abertura oficial da Feira da biodiversidade e enaltecendo a importância de cultivarmos e guardarmos as sementes crioulas, da paixão, da liberdade ou da resistência como as sementes nativas são nomeadas por todo o Semiárido. Todos cantaram a uma só voz “Eu sou semente nessa terra, pra semear, fazer brotar, promover segurança alimentar”.
O período da tarde foi marcado pelos depoimentos de agricultores experimentadores que falaram sobre as estratégias vem desenvolvendo para conviver com a estiagem e seguir produzindo alimentos. Roselita Vitor, do Polo da Borborema, deu inicio a plenária destacando a importância do momento para o fortalecimento das experiências dos agricultores e agricultoras. “É nesse momento que a capacidade criativa e inventiva dos agricultores experimentadores aparece. É na hora do desafio que aflora a capacidade de pensar qual a melhor maneira de conviver com o semiárido”, afirmou.
Sara Maria Constâncio, do Assentamento São Domingos, município de Cubati, na Paraíba, foi uma das agricultoras a dar o seu testemunho e falar sobre como vem produzindo, mesmo com as dificuldades. “Quando as portas se fecham em nossas vidas, Deus nos permite abrir janelas. Eu e meus companheiros do assentamento conseguimos a terra através de muita luta. Começamos a produzir hortaliças timidamente com água salgada, de um poço que tinha próximo a minha casa. E assim, um ano que era para ser terrível, foi positivo devido as políticas públicas, através do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). Foi com as dificuldades que aprendemos a lidar com a seca, aproveitando cada pingo d’água”, disse a agricultora.
Visitas – Na terça-feira, 29, segundo dia do encontro, mais de 10 ônibus partiram de Campina Grande em direção às regiões do Curimataú, do Cariri e da Borborema, para realizar visitas às 12 experiências de convivência com o Semiárido escolhidas entre os quatro grandes temas do encontro: criação animal, manejo florestal da caatinga, quintais produtivos e sementes. Foram visitadas famílias agricultoras dos municípios Remígio, Massaranduba, Alagoa Nova, Bananeiras, Nova Palmeira, Gurjão, Cubati, São Vicente do Seridó e Soledade.
A região da Borborema, de atuação do Polo da Borborema com a assessoria da AS-PTA Agroecologia e Agricultura Familiar teve quatro experiências visitadas: a de Marinalva Belarmino, com quintal produtivo e a de Vanda Florentino com criação animal, ambas no município de Remígio; a de Manoel Domingos de Barros, ou seu Loro, com manejo agroflorestal, em Massaranduba; e de seu José de Oliveira Luna, seu Zé Pequeno, com banco de sementes crioulas no município de Alagoa Nova.
Na parte da tarde, após as visitas temáticas, os grupos da Borborema se reuniram em um almoço coletivo no sitio São Tomé II, município de Alagoa Nova, e em seguida houve um momento de apresentação do conjunto do trabalho dos agricultores no território. Foi aberto um espaço ainda para que os agricultores e as agricultoras pudessem comentar as suas impressões sobre as experiências que visitaram pela manhã.
Maria Leônia Soares, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Massaranduba e da coordenação do Polo da Borborema, relembrou a trajetória de organização das famílias agricultoras da região. “Vivemos um processo histórico de desvalorização do saber dos agricultores por parte da assistência técnica, que estabelecia uma relação vertical com os agricultores, de cima pra baixo. A medida que fomos começando a articular o conhecimento desenvolvido por nós agricultores, a sair do isolamento, começamos também a desconstruir um sindicalismo que não trabalhava com sua base, que não discutia agricultura, tudo começou a mudar”, afirmou a liderança. Giselda Bezerra do STR Remígio e também da coordenação do Polo da Borborema, completou. “No início o trabalho só envolvia três sindicatos, hoje são 14, pois aquele agricultor de um município vizinho via aquele trabalho e chegava no seu sindicato e cobrava. Se o sindicato de Remígio tem um trabalho de sementes, porque esse aqui não pode ter? Daí começou um intenso processo de intercâmbio de sindicato para sindicato e esse trabalho foi se espalhando”, conta.
Oficinas temáticas – O terceiro dia de encontro foi dedicado a oficinas temáticas onde os agricultores e agricultoras de outros estados puderam também apresentar as suas experiências. Numa das oficinas de Quintais Produtivos, foi enfatizado o protagonismo de mulheres como a agricultora Rosilene dos Santos, do Rio Grande do Norte. “Sou uma agricultora forte em minha comunidade. É importante ter o próprio dinheiro, para não depender do marido. Essa cisterna, para produzir, foi uma conquista em minha vida”, ela contou parte de sua trajetória desde 2006, quando iniciou o seu trabalho com a agricultura familiar no espaço do arredor de casa. Hoje, ela ocupa espaços de participação política na associação de moradores e na comissão municipal da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
De Pernambuco, a experiência apresentada foi a de Dona Xanda, do município de Serra Talhada. Na verdade, uma prática não só dela, mas de um grupo de mulheres, reunidas sob a Associação das Mulheres Agricultoras do Assentamento Barra Nova. Uma das invenções dessa agricultora experimentadora é a tela de galinheiro fabricada a partir de garrafa pet, uma opção de reciclagem e reaproveitamento de materiais que pode ser replicado em outras localidades.
Peça de teatro – Na tarde deste dia foi apresentada aos participantes a peça “Margarida e Biu – os caminhos da agricultura familiar na Borborema”, encenada pelo grupo de teatro amador do Polo da Borborema. A peça mostra um dia na vida de duas famílias agricultoras, a de Margarida e Biu, que optou pela plantação de fumo e vivencia a dependência de pacotes tecnológicos que desconsideram e desvalorizam o seu conhecimento. A segunda família é a de Pota e Bila, que produz de maneira agroecológica, a partir do saber passado de geração para geração, diversificando a produção e de acordo com o seu solo e clima, com liberdade e autonomia.
De uma maneira lúdica e divertida, arrancando risadas da plateia, o espetáculo fez a todos os participantes do encontro um convite à reflexão sobre um assunto sério: a importância do conhecimento das famílias agricultoras que vem garantindo a melhoria das condições de vida no semiárido. Após a peça de teatro foi feito um debate sobre este assunto e em seguida houve o lançamento da cartilha “História de quintais – a importância do arredor de casa na transformação do Semiárido”. O lançamento contou com a participação de quatro agricultoras experimentadoras presentes no Encontro e de técnicas da ASA e da organização AS-PTA que integraram a equipe de elaboração da cartilha.
Duas plenárias marcaram o último dia do encontro na manhã desta quinta-feira (31). O primeiro tema discutido em mesa redonda foi As Redes de Agricultoras e Agricultores Experimentadores e a Construção da Convivência com o Semiárido. A mesa foi composta pelos camponeses que expuseram o valor da organização e da resistência pela sobrevivência da Agricultura Familiar e a Agroecologia.
Roselita Vitor, do STR Remígio e da Coordenação do Polo da Borborema fez parte da mesa e destacou o papel das mulheres na agricultura familiar e o enfrentamento da violência doméstica como um dos desafios presentes: “nós éramos invisíveis no cenário agrário brasileiro e trazemos aqui fortemente o papel das mulheres, inclusive vencendo as situações de violência”. E reforçou que é preciso que os homens e mulheres do campo tenham terra para continuar mudando a realidade do campo e ver como estão potencializando suas forças para garantir o acesso a terra “não vamos avançar muito se a gente não tiver terra nas mãos dos agricultores”, concluiu.
Para o coordenador Executivo da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) pelo estado da Bahia, Naidison Baptista, “os agricultores são os sujeitos do caminho da convivência com o semiárido porque eles produzem conhecimentos, eles são portadores de sabedoriria, de enorme e profunda sabedoria”. Naidison também destacou a importância do trabalho da comunicação para dar visibilidade a esse conhecimento. “A ASA quer estar cada dia mais a serviço da luta de vocês agricultores e agricultoras… da luta pela água, pela terra, por sementes boas e por qualidade de vida”, finalizou.
Ainda nesta plenária, Paulo Petersen, presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e da coordenação da AS-PTA, falou do lançamento do Plano Nacional da Agroecologia, realizado pela presidente Dilma Rousseff, no mês de outubro, que tem como principal missão articular políticas e ações de incentivo ao cultivo de alimentos orgânicos com base agroecológica e representa um marco na agricultura brasileira e cujo investimento inicial será de R$ 8,8 bilhões, divididos em três anos.
Homenagem – Ainda no primeiro momento da manhã, Naidison conduziu com Antônio Carlos Pires de Mello, do Patac, uma homenagem ao Irmão Urbano, por toda uma vida dedicada ao desenvolvimento e ao aprimoramento de tecnologias de convivência com o semiárido. “Foi este homem foi a base de tudo isso que estamos vivendo aqui com a fabricação de tela, máquina de fazer tijolos de solo de cimento, biodigestor, cisternas de placas”, disse.
Bastante emocionado, o Irmão falou: “não precisamos de cisterna de plástico, nós somos trabalhadores e não precisamos de nada de graça não”, e orientou para que este seja o discurso dos agricultores quando receberem a cisterna.
A manhã se encerrou com a segunda plenária, que discutiu Políticas Públicas para o fortalecimento das Redes de Agricultoras e Agricultores para a Convivência com o Semiárido. Contou com a participação do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da Coordenação Executiva da ASA Paraíba.
Os agricultores terminaram as discussões mobilizados pela coordenadora da ASA pelo estado da Paraíba, Glória Batista, para dizerem não às cisternas de plásticos, que estão sendo distribuídas pelo governo federal no Nordeste e que poderá causar graves problemas ambientais no futuro. “As cisternas de plástico são contra a nossa política de convivência e resistência, por isso dizemos não”.