Na parte da tarde, uma plenária reunindo em torno de mil participantes manteve um acirrado debate com o ministro Gilberto Carvalho.
Juazeiro (BA) – A movimentação começou cedo nesta segunda-feira, dia da plenária final do encontro de agroecologia. Às 8 horas um grupo de 100 agricultores e agricultoras estava na frente da unidade da Monsanto em Petrolina, a 25km da cidade, na frente do canal central do perímetro irrigado Nilo Coelho, figura tradicional da política pernambucana já falecido, mas cujos descentes continuam a comandar a política local. Outro grupo somente de mulheres foi até a sede da Embrapa Semiárido, na mesma cidade, entregar um documento com as reivindicações, discutidas durante os seminários realizados no evento. Um terceiro grupo foi para a feira livre distribuir panfletos contra a liberação de mosquitos transgênicos em Juazeiro. Duas horas depois todos saíram do campus da UNIVASF e ocuparam a ponte que ligas as duas cidades. Por pouco tempo. Duas faixas ficaram fixadas na ponta, relatando as condições de poluição e de exploração do Velho Chico.
Na parte da tarde, uma plenária reunindo em torno de mil participantes manteve um acirrado debate com o ministro Gilberto Carvalho, acompanhado do presidente da Fundação Banco do Brasil, José Caetano, e de representantes do MDS e do MDA, além de outras autoridades. A carta final do III ENA foi lida durante uma hora. Como comentou Carvalho, posteriormente, trata-se de uma tese e de um verdadeiro programa de governo. Os assuntos foram resumidos dos debates e depoimentos nos 13 seminários. Começa pela Reforma Agrária e o reconhecimento dos territórios dos povos tradicionais, passa pelo abastecimento e construção social de mercados, agricultura urbana, comunicação, conflitos e injustiças sociais, construção de conhecimento, educação no campo, saúde e agrotóxicos entre outros.
Sonho da sociedade que queremos
O ministro Gilberto Carvalho reconheceu a importância da agroecologia para o país, sintetizada no encontro de Juazeiro, e mostrou que o governo federal, que foi um dos patrocinadores, tem apoiado várias iniciativas nesse sentido, tentando ampliar o espaço dos agricultores agroecológicos na economia brasileira.
“- O modelo de desenvolvimento, que até hoje nos orientou está esgotado. Ele é patrimonialista, baseado no ter e não no ser. É o modelo da guerra, do consumismo, da competição individual, e está cada vez mais inviável. A maior prova disso são as cidades vão se tornando insuportáveis de viver. É preciso resolver esse modelo corajosamente”, disse ele.
Mas, para transformar o sonho em realidade, “é necessário uma reforma política, porque os atuais congressistas representam o poder econômico e não a maioria da população. Sem reforma política as questões essenciais não passam pelo Congresso. Vocês precisam se engajar nesta luta, para eleger representantes que representem os anseios dos trabalhadores, dos agricultores familiares, dos agroecologistas”, acrescentou ele.
Nesta perspectiva, ainda no mês de maio, informou o ministro da Secretaria da Presidência, a Presidenta Dilma Rousseff, deverá apresentar uma série de medidas oficiais que regularão a participação da população no relacionamento com o governo e seus órgãos. Também assinará em breve 150 novos decretos de desapropriação.
É claro, que os representantes na plenária cobraram mais empenho do governo federal na reforma agrária, na resolução da questão da Chapada do Apodi e dos perímetros irrigados, de educação e novas escolas no campo, contra o uso de dinheiro público na difusão dos transgênicos e para acabar com o horroroso título que o país possui de ser o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.
“- O governo federal, disse Gilberto Carvalho, reconhece que a luta do povo da Chapada do Apodi, provocou uma mudança no modelo dos perímetros irrigados. Que ainda não são definitivas, mas pelo menos evitaram o pior, pois o projeto já foi modificado duas vezes. É uma luta interna que travamos com muito vigor dentro do governo”.
Prometeu para os mil participantes que brevemente ele e o ministro da Justiça, Eduardo Cardoso, visitarão a Chapada do Apodi, para conversar os com os agricultores familiares da região a respeito do Perímetro de Irrigação Santa Cruz do Apodi.
Mosquito transgênico e Monsanto
Em 2011, foi instalada em Juazeiro uma biofábrica de insetos geneticamente modificados, com o apoio do Ministério da Agricultura e do governo baiano. Milhões de mosquitos transgênicos foram liberados em bairros de Juazeiro e Jacobina. A empresa inglesa Oxitec, em parceria com a Moscamed e a Universidade de São Paulo. Em abril de 2014, esses mosquitos foram liberados para uso comercial, apesar de não ter sido realizada uma avaliação de risco e de não haver dados conclusivos dos estudos de campo. Em Jacobina, onde milhões de mosquitos vem sendo liberados desde 2011, foi decretado em fevereiro de 2014, estado de emergência em função de uma epidemia de dengue. São informações distribuídas à população pelos participantes do III ENA.
A Monsanto mantém um complexo organizado, com várias estufas de mudas, um laboratório, que deve ter muitos pesquisadores, porque no estacionamento da unidade contei 13 camionetes estacionadas. Ou então são muitos chefes. No ato, onde os agricultores e ativistas colocaram cruzes pretas na cerca da entrada, com uma faixa que ficou pendurada com os dizeres “MONSANTO FORA”, internamente os seguranças com rádios transmissores passavam ordens e os trabalhadores correram para os ônibus. Eles estavam nos canteiros experimentais. Consultei algumas pessoas da região, incluindo pesquisadores, ninguém sabe direito o que a empresa pretende fazer. É um lote do perímetro irrigado, o canal imenso passa na frente. Ou foi doado ou arrendado ou então compraram da CODEVASF, órgão do Ministério da Integração responsável pelos perímetros. Mas o polo Juazeiro Petrolina é especializado em frutas. Teoricamente a Monsanto estaria testando novas variedades de milho. É um mistério, começando pela entrada oficial, onde não existe uma placa explicando que empresa esta instalada ali, coisa cotidiana nesse ramo.
Durante o encontro um grupo de pesquisadores das universidades do Rio Grande do Norte e do Ceará lançaram um dossiê sobre os perímetros irrigados do Baixa Acaraú, Jaguaribe Apodi e Tabuleiro de Russas, no Ceará e Baixo Açu e Santa Cruz do Apodi, no RN. Uma equipe de 23 pesquisadores de várias áreas fez a pesquisa, entre eles, Raquel Rigotto, da UFC, especialista nesta área. Constaram vários direitos violados da população, na questão da terra, da água, ambiente, saúde e cultura. No dia 5 de maio, em Limoeiro do Norte, mil famílias invadiram os quatro mil hectares do Baixo Jaguaribe.
O encerramento do ENA foi às margens do rio São Francisco, com muita música e cantoria, como sempre acontece no nordeste.
Por: Najar Tubino
Fonte: www.cartamaior.com.br
Créditos da foto: Agência Brasil