Três experiências desenvolvidas pelas organizações sociais no campo serviram de exemplo para estimular a reflexão em torno da construção do conhecimento agroecológico. A interação entre Assessoria Técnica e Extensão Rural (Ater), Pesquisa e Ensino foi alvo de análise do seminário temático durante o III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), na manhã do dia 18, tendo a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) à frente da atividade. Participaram o secretário nacional da Agricultura Familiar (SAF/MDA), Valter Bianchini, e Waldir Stumpf, diretor de transferências de tecnologia da Embrapa.
O trabalho construído pela Rede Ater Nordeste, organização que envolve diversas entidades na assessoria técnica aos agricultores da região, foi uma das exposições. De acordo com Giovanne Xenofonte, da ONG Caatinga, todo o processo foi pensado junto aos agricultores com uma leitura do agroecossistema entre o técnico e a família.“O exercício de aproximar os olhares para enxergar a mesma realidade. A partir dessa leitura coletiva a discussão de um conjunto de elementos agroecológicos para refletir sobre as políticas públicas, como elas potencializam ou inibem os trabalhos. Em 2008 conta com apoio do Ministério do Meio Ambiente/PDA com uma chamada em Rede, e através de estudos consegue envolver pessoas e aproximar visões a partir do que está sendo feito pelas famílias”, disse.
Outro projeto frutífero na região nordeste é o desenvolvido em 14 municípios no agreste da Paraíba pelo Polo da Borborema. Articulado pelos sindicatos locais, o trabalho nasce em 1993 em parceria com a AS-PTA tendo os movimentos sociais um papel fundamental nas lutas pelos territórios dos camponeses, disse Roselita Vítor, da coordenação do Polo. O direito à comercialização e às previdências foram algumas das principais reivindicações à época, e todas as pautas eram norteadas por alguns princípios: construção coletiva do conhecimento a partir da realidade local, agricultores com a assessoria, resgate do conhecimento das famílias, necessidade de pensar políticas que representem essa diversidade, um processo de experimentação que nasce a partir dos agricultores, etc.
Neste contexto, o tema das sementes sempre foi importante, assim como a criação animal. As visitas de intercâmbio são utilizadas como princípio da disseminação do conhecimento por toda a região. A realização de seminários com sindicatos vizinhos e a mobilização em torno de temas também fizeram parte dessa história. Existem hoje mais de 300 experiências sistematizadas, vídeos produzidos, dados com impactos do trabalho, quase 9 mil cisternas, 80 bancos de sementes, 4 mil toneladas estocagem de forragem, 8 feiras agroecológicas, etc.
A terceira experiência relatada foi o Grupo de Agroecologia e Campesinato, que surgiu a partir da chamada do edital 58 do CNPq, formado por estudantes e professores/pesquisadores. O trabalho é realizado no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas Gerais, região caracterizada pelo extrativismo e a agricultura camponesa tradicional com sementes crioulas. Há também conflitos com a monocultura do eucalipto, e a agricultura diversificada é a forma de resistência da população local. Daí a necessidade de uma rede a partir das suas estratégias e ações em conjunto.
De acordo com Paulo Petersen, da AS-PTA, as três experiências seguiram a proposta do III ENA ao evidenciar as disputas nos territórios com os grandes projetos e o agronegócio que inviabiliza a agroecologia. E as políticas para agricultura familiar e produção do conhecimento são cada vez mais necessárias, pois o modelo hegemônico está cada vez mais interessado nesse mercado, complementou.
“A gente não pode mais falar de conhecimento que vem do técnico para o agricultor, já discutimos isso no I e II ENA, está mais que constatado que os agricultores são produtores de conhecimento. É preciso pensar instrumentos políticos para potencializar o conhecimento dos territórios, ouvir quem vive nesses espaços. Não é a assessoria e ONGs, são as próprias organizações que têm de fazer essa valorização, eles precisam assumir o papel de produtor dessas redes”, destacou.
Petersen alertou para formação dos agrônomos que, segundo ele, são formados para pensar tematicamente e transformar os agricultores em grandes empresários embora a agricultura camponesa não funcione na lógica dos mercados. Ele defende que as análises não se limitem às famílias em transição agroecológica, e sim aos territórios com as redes: “Se não ficaremos falando o resto da vida de famílias isoladas. O desafio para nós como assessoria e as políticas públicas é pensar formas e editais para intensificar os grupos de agroecologia e a formação de redes”, concluiu.
Governo busca ampliar Ater
As experiências relatadas têm um significado muito forte, afirmou o secretário nacional de Agricultura Familiar, Valter Bianchini, que lembrou a construção da política nacional de Ater em 2003. O projeto da Rede Ater Nordeste,segundo ele, é um instrumento coletivo de coordenação articulada com diferentes atores e com protagonismo dos agricultores e agricultoras.
“Somos formados achando que tudo é homogêneo, mas o próprio conceito de agricultura familiar é mais complexo e os arranjos dos sistemas em sua biodiversidade. Ainda temos muitos desafios, fazer essa leitura dos ecossistemas para convivermos com diferentes sistemas de produção. Reconhecendo a importância dessa horizontalidade dos conhecimentos, o compartilhamento e intercâmbio para essa construção. Estão juntas aqui a Ater governamental e não governamental, um saber importante acumulado, precisamos ouvir e debater. Entender como isso pode se transformar em apropriação e novas demandas”, disse.
Ele destacou a importância do plano com a integração de dez ministérios, e afirmou que sua meta é aumentar a assistência técnica para 150 mil até 2015 e avançar no envolvimento das universidades com editais. O secretário também destacou que não há incompatibilidade entre crédito e agroecologia, mas reconheceu que é preciso alterar os mecanismos de forma a não condicioná-los ao produto ou a safra. Sua expectativa é que após 2015 o plano seja renovado para “consolidar essa semente para próxima década e garantir a segurança alimentar e toda a multifuncionalidade que o meio rural tem”.
A pesquisa na Embrapa
Criada há mais de 40 anos, em 1973, a Embrapa é uma empresa vinculada ao governo que pesquisa novas tecnologias para produção rural no país. Alvo de críticas dos movimentos sociais do campo e pesquisadores independentes, tem buscado reconfigurar seus métodos e procedimentos, segundo o diretor de Transferência de Tecnologia da Embrapa, Waldir Stumpf.
“Estamos rediscutindo, rearranjando nossa relação com os agricultores e a sociedade, e a própria relação com o governo em diversos ministérios. Talvez hoje a pesquisa privada seja muito mais forte, e como buscamos convergências das políticas públicas com a sociedade?A difusão de transferência tem uma lógica industrial, precisamos reconhecer os saberes dos agricultores e valorização dos territórios”, ressaltou.
O gestor lembrou que o Brasil possui 800 milhões de hectares, 6 biomas, um conjunto de agroecossistemas que não conhecemos, portanto é necessário trabalharmos com toda essa diversidade, inclusive climática, étnica e cultural, etc. Ele reconheceu que a lógica dos pacotes tecnológicos é trabalhar para os agricultores e não com eles.
“São 47 unidades espalhadas em todo o Brasil, com mais de 150 pesquisadores fora os parceiros,mas não se dá visibilidade ao trabalho. A agroecologia na Embrapa é muito nova, começa a ser internalizada a partir de 1994 quando os primeiros técnicos começaram a ter uma formação nessa lógica. Em 2006 construímos o marco referencial da agroecologia, que precisa ser revisto e atualizado, e foram criados os primeiros projetos. E agora temos uma visão regional e não nacional, com foco nos territórios, na construção de redes”, concluiu.
Plenária
Os participantes pediram a palavra para o diálogo com os gestores. Algumas questões foram problematizadas: dificuldade de disputar os editais, pois precisa de uma série de comprovações e documentos, às vezes mais de 100 páginas; dificuldade de ampliar projetos bem sucedidos e lhes dar continuidade; fortalecimento do Ministério do Desenvolvimento Agrário para garantir a participação social na política de Ater, pois falta quadros dentro do órgão e a Lei de Ater exige a contratação de um agente do ministério para acompanhamento dos projetos; etc.
Por Eduardo Sá, da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA)
Foto: Francisco Valdean/Imagens do Povo.
Fonte: www.enagroecologia.org.br