II Seminário “Regulamentação de Práticas Agroflorestais e de Pousio no Rio de Janeiro”
No dia 10 de julho, o II Seminário “Regulamentação de Práticas Agroflorestais e de Pousio no Rio de Janeiro”, realizado na Reserva Biológica da União em Rio das Ostras, reuniu pequenos/as agricultores/as, assentados/as da Reforma Agrária, órgãos ambientais do estado, além de técnicos/as e pesquisadores/as, para o desafio de apresentar e discutir a Resolução nº 86/2014 publicada em janeiro pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA). A proposta central do encontro foi dar continuidade aos processos de regularização das práticas agroflorestais, em curso desde 2012, quando ocorreu o primeiro seminário sobre o tema.
Possibilitando um espaço de esclarecimento sobre o funcionamento da nova resolução, o Seminário discutiu os sistemas agroflorestais e o pousio como práticas agroecológicas de baixo impacto ambiental aos ecossistemas. A resolução, que pode ser acessada no portal do INEA, define critérios e procedimentos para a implantação, manejo e exploração de sistemas agroflorestais e para a prática do pousio no estado do Rio de Janeiro, prevendo mecanismos de registro, comunicação e planejamento das áreas junto ao órgão ambiental.
A engenheira florestal, Julia Bochner, que coordenada o departamento responsável pela Resolução no INEA, afirmou que esse instrumento visa dar segurança jurídica para o manejo agroflorestal e para as práticas de pousio, além de regularizar os Sistemas Agroflorestais (os SAFs). Contudo, apesar da abertura para construção da Resolução, diversos questionamentos expuseram as dificuldades relacionadas à sua operação. Para Maria José Carneiro, professora do CPDA/UFFRJ, “é preciso reconhecer os avanços da legislação ambiental. Porém as agroflorestas e o pousio são práticas muito tradicionais. A necessidade, agora imposta pela legislação, de registrar esses cultivos e técnicas, traz para o indivíduo a responsabilidade de controle que deveria ser do Estado, que se vê diante de mais uma exigência ambiental”.
A pesquisadora que participa da “Casa dos Saberes” em São Pedro da Serra e acompanha há alguns anos os/as agricultores/as do distrito serrano de Nova Friburgo e região, expõe a transferência na responsabilidade de mapeamento dessas práticas, que segundo ela, deveria ser uma premissa do poder público. Em São Pedro, por exemplo, a relação de conservação das florestas na região foi historicamente construída pelas famílias de agricultores da região, muito antes da criação da Área de Proteção Ambiental da região, a APA Macaé de Cima, criada pelo decreto estadual em 2001.
Juliano Palm, técnico de ATER da Cooperativa Cedro e também um dos fundadores da Casa dos Saberes, ilustra em uma das suas falas, o quanto a legislação ambiental pode ser um impasse perigoso, inclusive gerando mais impactos ambientais. Segundo ele: “desde a criação da APA e, consequente, repreensão da prática de pousio e de uso de fogo, a região de São Pedro passou a depender mais de determinadas áreas de plantio, em vez de fazer o uso rotativo dos terrenos, intercalando plantio com a recuperação das áreas (pousio). Essa restrição, agravada por todas as outras interferências da revolução verde, fez com que o uso de agrotóxicos e outros insumos, como o adubo químico, evoluísse progressivamente deixando as famílias mais dependentes dos insumos químicos e dos agrotóxicos“, alerta o técnico que aponta o cuidado para que a legislação ambiental não desconsidere os saberes da agricultura camponesa.
As dificuldades das e dos agricultores em receber assistência técnica qualificada e frequente que permita apoiar o processo de registro e comunicação dessas práticas e, o receio da Resolução 86 se tornar mais uma ameaça a pequena produção agrícola, além de um processo moroso dentro de um órgão ambiental, foram algumas das questões apontadas. Para garantir a troca de saberes e priorizar as considerações de quem está na “ponta” construindo a agroecologia, a organização do evento mobilizou agricultores que são referência na prática de SAF e pousio.
Entre os principais depoimentos, está o de Adailton Ataliba, agricultor do Assentamento de Cambucais em Silva Jardim e membro da Articulação de Agroecologia da Região SerraMar. Segundo ele “O agricultor consciente sabe manejar o fogo. Estamos pagando esse preço como criminosos. Ninguém acusa o agronegócio, as grandes indústrias petroquímicas e forçados a usar agroquímicos porque as empresas de assistência técnica e os farmacêuticos da agricultura familiar vendem e ganham comissão. O Pousio é muito importante porque muitas doenças são controladas pelo próprio pousio, ele “requeima” várias doenças que voltariam para o solo. Pra quem produz hortaliças sabe que o manejo do pousio é muito importante para produzir. Temos a possibilidade de quebrar a monopolização da produção de alimentos no mundo. Não podemos ser comparados como o agronegócio. Tenho que preservar os 20% da minha propriedade, mas estou produzindo alimentos. É diferente da utilização industrial e dos grandes produtores”.
Outra discussão que marcou o Seminário foi o debate sobre as principais alterações trazidas pela Lei Federal 12.651/12, o “Novo Código Florestal”. Ficou evidente a gravidade dos impactos do “novo” código para delimitação e conservação das áreas de conservação e as fragilidades ainda existentes no sistema do Cadastro Ambiental Rural (CAR), ainda que técnicos tenham sido contratados em todo o estado para divulgação e cadastramento das propriedades. Segundo o INEA, a principal orientação é consultar, a partir do Comitê de Bacia de cada Região, quais são os responsáveis por facilitar e orientar os/as agricultores/as nesse novo processo de registro.
Além dos debates e apresentações, atividades práticas exercitaram a percepção dos participantes do Seminário sobre a Resolução. Grupos de trabalho foram formados para avaliação de realidades distintas relacionadas à prática de SAF e pousio, simulando o preenchimento dos formulários e reunindo as considerações dos presentes sobre as principais dimensões da Resolução. Em um dos grupos, o PDS Osvaldo de Oliveira, primeiro assentamento da Reforma Agrária construído sobre o modelo alternativo agroecológico (INCRA) do estado do Rio de Janeiro, foi um dos estudos de caso. O desafio era planejar como seria a aplicação da Resolução em Áreas de Preservação Permanente (APPs), uma das principais condições do PDS Osvaldo de Oliveira, inserido em uma área de proteção ambiental na região serrana de Macaé.
Para Jéssica Oliveira, assistente social formada na UFF de Rio das Ostras e parceira na construção do PDS, “o trabalho de grupo, assim como todas as discussões do Seminário foram de fundamental importância para o enriquecimento do planejamento do assentamento Osvaldo de Oliveira, pois possibilitou captar contribuições, compartilhar dificuldades e dúvidas sobre o seu processo de implementação, sobretudo em relação ao manejo e planejamento das áreas de preservação ambiental da área”.
Apesar das dificuldades, a resolução pode ser considerada um avanço no reconhecimento das práticas tradicionais dos agricultores. A garantia de que a agricultura desenvolvida há tantos anos pelas famílias em consonância com as dinâmicas ambientais de cada região, será valorizada e fortalecida pela Resolução 86, depende diretamente da ampliação das redes de Assistência Técnica e da parceria com as entidades ambientalistas, movimentos sociais e organizações dos agricultores/as. Um grupo facilitador, coordenado pela AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, pela Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ) e pela Associação Mico Leão Dourado, foi construído para prosseguir no diálogo com o INEA e sistematizar as considerações colhidas ao longo do seminário. Para entrar em contato, escreva para [email protected].
Por Jéssica Oliveira Monteiro e Natália Souza
Fonte: www.aarj.wordpress.com