Brasília, 11 de novembro de 2.014.
Os Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares do Brasil, em nome próprio, representados por suas entidades e entidades parceiras que subscrevem a presente, com base nos artigos 8 ‘j’, 10 ‘c’ da Convenção da Diversidade Biológica, promulgado pelo Brasil no Decreto nº. 2.519/1998, a Convenção 169 da OIT, promulgada no Decreto nº 5.051/ 2004, especialmente em seus artigos, 5, 6 e 7, no Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura, promulgado no Decreto nº 6.476/2008, especialmente em seu artigo 9, na Constituição Federal, especialmente nos artigos 215, 216 e 225, no Decreto 6.040/2007, Lei 10.711/2003, Lei 11.326/2006, e Decreto 7.794/2012, vêm a público manifestar repúdio ao Projeto de Lei que tramita na Câmara Federal sob o nº 7.735/2014, encaminhado em regime de urgência pelo Poder Executivo, sob pressão do Ministério do Meio Ambiente, Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e denunciar os poderes Legislativo e Executivo Nacionais pela violação aos Direitos dos Agricultores Familiares, Povos e Comunidades Tradicionais, diante dos motivos que passa a expor:
– O Projeto de Lei representa uma nova tentativa de regulamentar o tema do Acesso e Repartição Justa e Equitativa de Benefícios, hoje regido pela MP 2.186-16/2001, que evidencia motivo de preocupação nacional e internacional, especialmente no Brasil, por sua megadiversidade e por ser, historicamente, território de inúmeras formas de expropriação de conhecimentos tradicionais e de recursos naturais.
– A preocupação para com os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e de agricultores familiares (considerados como guardiões da biodiversidade e detentores dos conhecimentos tradicionais a ela associados) surge apenas no aspecto econômico e em especial no trato da repartição de benefícios, não considerando o papel fundamental de povos e comunidades tradicionais para o uso sustentável e a conservação da biodiversidade brasileira, os quais constituem os outros objetivos da Convenção da Diversidade Biológica.
– A não observância ao processo de debate internacional quanto à implementação do Protocolo de Nagoya sobre Acesso aos Recursos Genéticos e Repartição de Benefícios, ainda não ratificado pelo Congresso Nacional.
– A incorporação da temática de agricultura e alimentação, quando a referência é o Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura/FAO, que também abrange o uso sustentável e a conservação desses recursos, os direitos dos agricultores ao livre uso de suas sementes.
– A ausência de um processo de consulta ampla e da participação formal de organizações representativas de Agricultores, Povos e Comunidades Tradicionais, sem que suas preocupações e contribuições fossem reconhecidas ou incorporadas, desrespeitando o exercício do direito de participação e de resguardo de seus interesses.
– Pela invisibilidade dos sujeitos de direito que representam a força produtiva, a proteção da biodiversidade e da agrobiodiversidade nacional e que detém conhecimentos que são objeto de expropriação territorial e exploração econômica, que foram solenemente ignorados representando de um lado a relação desigual de poderes e de outro o descompromisso do Brasil com a própria legislação nacional quando conflitante com interesses eminentemente econômicos.
– O assédio praticado pela comunidade acadêmica (que se omite em discutir os direitos dos povos e comunidades tradicionais neste processo, e pauta a discussão unicamente para garantir a facilitação do acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados, atuando na perspectiva da captura do conhecimento sem a divulgação dos resultados) e pela indústria, interessada no desenvolvimento tecnológico a qualquer preço e em altos rendimentos.
– A exclusão do exercício do direito a negar o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados, quando o seu próprio é sistematicamente dificultado.
– A participação de organizações que surgem como se representantes dos interesses dos povos e comunidades tradicionais, mas que estão interessadas no lucro líquido obtido a partir da comercialização de produtos originários do acesso a recurso genético ou conhecimento tradicional associado.
– Sem um processo de consulta e participação efetiva dos sujeitos de direito, tem-se uma proposta de legalização unilateral da exploração dos recursos e dos conhecimentos tradicionais associados, estando estes, relegados a um “obstáculo” a ser superado mediante pagamento ou promessa de pagamento.
Pelos motivos destacados, não é possível aos Agricultores familiares e aos Povos e Comunidades Tradicionais, referendar ou participar de forma limitada e excludente das discussões deste Projeto de Lei que, a pretexto de regulamentar e impe acaba por cercear direitos conquistados a base de luta social.
O Projeto de Lei, tal como apresentado, é o reconhecimento da falência do Estado Brasileiro no combate à biopirataria e na garantia de direitos coletivos, que subserviente a sistemas corporativos industriais e financeiros, desconsidera o papel de povos e comunidades tradicionais, únicos sujeitos que efetivamente desenvolvem estratégias para o uso sustentável e a conservação da diversidade biológica brasileira.
Esta denúncia vem reforçar as denúncias constantes da carta ‘De Onde Brotam as Sementes’ com as recomendações da sociedade civil ao governo brasileiro, bem como a Carta elaborada pela AS-PTA que marca o posicionamento dos agricultores familiares brasileiros.
Assinam a presente carta:
ASA Brasil
ASA Paraíba
AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia
Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica
Associação de Agricultura Biodinâmica do Sul
Articulação Pacari de Plantas Medicinais do Cerrado;
Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses;
AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia;
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – Agapan;
Associação das Mulheres Organizadas do Vale do Jequitinhonha;
Associação dos Agricultores Guardiões da Agrobiodiversidade de Tenente Portela – AGABIO
Associação Nacional da Agricultura Camponesa;
Articulação Nacional de Agroecologia – ANA;
Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia – AOPA;
Antonio Andrioli – UFFS;
Bionatur;
Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida;
Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA/NM;
Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária – CEAPAC;
Centro Ecológico;
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG;
Cooperativa Coppabacs – AL;
FASE – Solidariedade e Educação;
Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Brasil – FETRAF;
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social;
Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos;
Fundação Mokiti Okada
Instituto Terra Viva do Brasil de Agroecologia;
Leonardo Melgarejo – ABA
Marcha Mundial de Mulheres – MMM;
Marciano Toledo da Silva – MPA Brasil
Marijane Lisboa – USP;
Morada da Floresta;
Movimento das Aprendizes da Sabedoria (Benzedores e Benzedeiras, Parteiras, e Costureiras de Rendidura);
Movimento das Mulheres Camponesas – MMC;
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB;
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA;
Movimento Urbano de Agroecologia _ MUDA;
Movimentos Sem Terra – MST;
Núcleo Amigos da Terra Brasil;
PACS – Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul;
Paulo Kageyama – USP;
Rede Brota Cerrado de Cultura e Agroecologia;
Rede de Sementes Livres Brasil
Rede Eco Vida de Agroecologia;
Rubens Onofre Nodari – UFSC;
Suzi Barletto Cavalli- UFSC;
Terra de Direitos;
Via Campesina Brasil;
Via Campesina Sudamerica;
Dep. Marcon-PT/RS;
Rede de Agrobiodiversidade do Semiárido Mineiro;
Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais