A 76 km da capital fluminense, Guapimirim é um dos 19 municípios que compõem a região metropolitana do Rio de Janeiro, estando localizado no sopé da Serra dos Órgãos, nos limites com municípios da região serrana. Essa aproximação, tanto da cidade do Rio de Janeiro como da região serrana, confere ao município metropolitano um caráter rururbano, criando conexões campo-cidade. Se, por um lado, a aproximação com o grande centro urbano metropolitano facilita o escoamento da produção agrícola para os mercados, por outro, o crescente processo de urbanização, como adensamento demográfico, ocupação de áreas agrícolas para moradia, indústrias e fins empresariais, gera impactos negativos sobre as agriculturas da região.
A comunidade do Fojo está inserida na Microbacia de mesmo nome, localizada em Guapimirim. O cientista social Fabrício Walter, relata em sua dissertação de mestrado que em resistência aos processos históricos de desemprego, informalidade e precariedade quanto ao trabalho e à renda, as famílias agricultoras do Fojo se organizaram pela primeira vez em 1997 para pensarem a constituição da Associação de Produtores Rurais, Artesãos e Amigos da Microbacia do Fojo – AFOJO. O objetivo da AFOJO é fortalecer a agricultura local voltada para a sustentabilidade dos sistemas produtivos e em consonância com os ciclos da natureza.
Organização comunitária: agricultura agroecológica abastecendo os mercados locais
A formalização da AFOJO possibilitou ao grupo um nível de organização que permitiu construir uma parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para comercializar a sua produção na Feira Agroecológica da UFRJ. Este momento, nos conta Willian Pacheco da Rosa, agricultor da AFOJO, foi importante, pois trouxe a motivação para avançar na certificação da produção como orgânica, algo já vislumbrado pelo grupo. Neste sentido, a AFOJO buscou apoios da própria universidade e da Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (ABIO). A aproximação com a ABIO permitiu que o grupo se inserisse em um processo de certificação participava da produção, na modalidade “Sistema Participativo de Garantia (SPG)”, uma das modalidades constante na legislação brasileira de produção orgânica (para mais informações visite o sítio: www.abio.org.br/certificação.html).
Segundo o agricultor Willian Pacheco, “todas as informações que o grupo recebeu da ABIO e da universidade trouxeram mais consciência; tendo informação a gente sabe como reivindicar nossos direitos melhor”. O processo de certificação e formação do núcleo de SPG foi acompanhado por facilitadores da ABIO e ocorreu no sentido de ir adequando a produção que, já era agroecológica, às normas vigentes da legislação de orgânicos. Com o núcleo do SPG estruturado, os encontros mensais serviam como trocas de experiências entre os agricultores que debatiam questões importantes como planejamento da produção, abastecimento, organização comunitária, dentre outras coisas.
Em janeiro de 2011 ocorreu na região serrana do Rio de janeiro a tragédia que tirou a vida de milhares de pessoas e deixou tantas outras desprovidas de moradia, alimentos e bens pessoais. Neste momento a Associação Agroecológica de Teresópolis (AAT) entrou em contato com a AFOJO e foi estabelecida uma parceria entre as associações para abastecer a Feira Agroecológica de Teresópolis. A proximidade com a região serrana, cerca de 30 minutos de carro, estreitou mais ainda com a solidariedade entre os grupos de agricultores. Luiz Henrique, agrônomo e facilitador da ABIO em Guapimirim, diz que “muita gente julgou que seria só esse emergencial e, esse emergencial tá indo para o quarto ano de comercialização todo sábado e quartas-feiras na Feira Agroecológica de Teresópolis. Sempre tem alguém do núcleo do AFOJO no SPG da ABIO, então isso é uma prova de amadurecimento do grupo tanto na comercialização como no planejamento da produção. Hoje eles tem o mesmo nível de compromisso e responsabilidade dos agricultores de Teresópolis”. O agrônomo complementa dizendo que percebe dos agricultores familiares de Guapimirim um amadurecimento muito grande, de como esse grupo vem a cada dia avançando nos processos de comercialização, estabelecimento de parcerias e afirmação da cidadania.
Novos caminhos: a participação em redes de agroecologia e a conquista de mais uma feira agroecológica
O amadurecimento do grupo trouxe novos desafios e aproximações. Desde o ano de 2012, o grupo de agricultores da AFOJO vem participando da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ), uma rede de agroecologia, que une e articula experiências de todo o estado. A partir da aproximação com a AARJ, a AFOJO se aproxima também da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, organização de assessoria, que realiza o Projeto Alimentos Saudáveis nos Mercados Locais, patrocinado pela Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental, do qual a AFOJO é parceira.
Recentemente foi realizada uma reunião da coordenação política da AARJ em Guapimirim, em que o grupo da AFOJO esteve à frente da organização local. Para as famílias agricultoras e técnicos que atuam no município, foi importante a reunião ter acontecido no município, pois deu a oportunidade, durante o processo de mobilização de conhecer novos produtores, aproximando agricultores de outras localidades de Guapimirim. Esse momento foi importante também por promover uma maior participação da AFOJO no Projeto Ambientes de Interação Agroecológica, realizado pela AARJ em parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de janeiro (UFRRJ), que visa, dentre outras coisas, sistematizar experiências exitosas no estado. Para tanto, foram feitas visitas durante a reunião da AARJ e após, a fim de replicar no território a metodologia utilizada no curso Gestão Econômica da Transição Agroecológica.
Atualmente, a AS-PTA vem elaborando e discutindo com a AFOJO um Plano de Negócios para o empreendimento, auxiliando no planejamento da produção para os mercados que o grupo já acessa e para outros que almejam, como a Feira Orgânica e Agroecológica de Guapimirim e o Programa de Alimentação Escolar (PNAE) no município.Para Renata Souto, agrônoma da AS-PTA, o planejamento da produção é uma demanda da Associação, a fim de atender os mercados que já acessam, assim como para a expansão de mercados, em especial para famílias que iniciam sua comercialização na Feira Orgânica e Agroecológica de Guapimirim. “As unidades familiares tem grande diversidade de produtos e o grupo se mostra com vontade de atender às diferentes demandas de consumidores, tanto para as feiras como para alimentação escolar e restaurantes. Eles têm sede de experimentar e de aprimorar seus processos e práticas agroecológicas, e, claro, incrementar sua renda e garantir a sua cidadania”. O papel da AS-PTA no grupo tem sido de problematizar as necessidades da cada família e as do coletivo, os sonhos, as expectativas e possibilidades. A instituição segue apoiando com fomento as feiras que o grupo acessa e as unidades de beneficiamento na comunidade, assim como as relações do grupo dentro e fora do município e auxiliando na formação dos agricultores, em especial na participação das mulheres nos espaços coletivos.
A Feira Orgânica e Agroecológica de Guapimirim é uma conquista recente da AFOJO e, além do apoio do projeto Alimentos Saudáveis em Mercados Locais da AS-PTA, conta com a parceria da Secretaria de Agricultura de Guapimirim e demais parceiros da região. A feira começou por uma demanda posta pela comunidade para o grupo do SPG, do qual faz parte a AFOJO. Inicialmente a feira acontecia em um local particular no centro da cidade e hoje, depois de três meses de funcionamento, foi para praça central da cidade, uma vitória que só foi possível pelo diálogo dos agricultores e técnicos com a prefeitura de Guapimirim.
A parceria com a AAT tem sido importante neste início da feira. Se, num dado momento, a AFOJO apoiou a Feira de Teresópolis, agora, parte da produção que abastece a feira de Guapimirim é proveniente daquele município da região serrana. Produtos orgânicos como cebola, alho e morango, que necessitam de um clima mais ameno, são trazidos semanalmente pelos produtores da AFOJO. Para afinar ainda mais essa relação entre associações de produtores parceiras, está sendo feito um planejamento da produção em conjunto, de modo que o que falta em Guapimirim seja plantado na serra e o que falta em Teresópolis seja cultivado na baixada, nos conta Oreni Bennevides, agricultora da AFOJO.
Expandindo horizontes, ganhando escala
Um aspecto importante desse protagonismo da AFOJO e do núcleo do SPG é a influência exercida sobre outras comunidades em Guapimirim. A comunidade do Sucavão que, já faz uso das práticas agroecológicas há décadas, acaba de formar um novo grupo de SPG – SPG Sucavão, inspirada pela experiência da AFOJO, passando a se inserir no processo de certificação da produção e adequação às normas de produção orgânica. Em virtude disto, criaram-se novos arranjos locais que proporcionam acesso a novos mercados gerando trabalho e renda para os agricultores da região.