Construir mecanismos que assegurem aos agricultores do Rio de Janeiro o direito de manterem suas experiências de manejo tradicional da agrobiodiversidade. Esse pode ser considerado um dos principais objetivos do Grupo de Trabalho de Práticas Agroflorestais e Pousio organizado pela Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ). Pode parecer óbvio que os agricultores familiares tem direito à realizar práticas agroflorestais e de pousio na agricultura camponesa, certo? Porém, devido a diversas restrições da legislação ambiental, isto não é simples! Por isso, desde 2012 o Grupo de Trabalho, do qual a AS-PTA faz parte, vem dialogando com o Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (INEA) visando construir mecanismos que viabilizem essas práticas tradicionais. A revisão da Resolução do INEA n° 86/2014, vem movimentando o grupo que se reuniu novamente na última sexta-feira, dia 07 de novembro.
Agroflorestal e Pousio: Práticas Tradicionais da Agricultura Camponesa
Antes de tratar da Resolução e do conteúdo do último encontro, vale reforçar o significado de “agroflorestas” e “pousio”. As práticas agroflorestais fazem parte de um conjunto de associações entre roças e animais com árvores, arbustos e uma diversidade de espécies que, consorciadas em uma mesma área, possibilitam a produção de alimentos em ambiente cíclico, equilibrado e integrado ao crescimento das árvores. Já o pousio, corresponde às práticas de descanso da terra e representam interrupções das atividades agrícolas que regeneram o solo e permitem o uso rotacionado das áreas de roçado. O pousio regenera a terra, fazendo crescer novas árvores e plantas que terão que ceder lugar aos roçados e, por sua vez, as agroflorestas se tornam estoques de madeira e outros produtos florestais que podem e devem ser explorados pelos agricultores. Ambas as práticas, ao possibilitarem a recomposição da cobertura florestal não existente inicialmente, passam a ser passível de fiscalização e regulação dos órgãos ambientais, como o INEA, no caso do estado do Rio de Janeiro, que cobram dos agricultores autorização para supressão ou manejo dessa vegetação.
O processo de construção da Resolução INEA N°86/2014
Neste contexto, a Resolução INEA nº 86 de janeiro de 2014, é produto das reivindicações da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ), no sentido de simplificar esses processos de regularização ambiental junto ao INEA e garantir dispositivos legais que assegurem essas práticas tradicionais. A Resolução define critérios e procedimentos para a implantação, manejo e exploração de sistemas agroflorestais e para a prática do pousio no estado do Rio de Janeiro, prevendo mecanismos de registro, planejamento, comunicação e autorização das áreas sob o manejo agroflorestal e de pousio junto ao órgão ambiental. Além disto, possibilita de recuperação das áreas de preservação permanente (APPs) e em áreas recobertas por vegetação secundária de Mata Atlântica em estágio médio de regeneração, localizadas em propriedade ou posse de agricultura familiar. A Resolução 86/2014 prevê ainda a autorização para a prática agroflorestal em recomposição de reservas legais, e em áreas recobertas por vegetação secundária de Mata Atlântica em estágio inicial de regeneração. A autorização ambiental para a implantação e manejo de sistemas agroflorestais também está prevista no Decreto Estadual 44820/junho de 2014.
Desde o primeiro Seminário realizado em 2012, onde as primeiras propostas dessa Resolução foram debatidas, diversos encontros aconteceram com o objetivo de aprimorar esse dispositivo legal e apoiar os agricultores. Neste ano de 2014, em julho, o II Seminário “Regulamentação de Práticas Agroflorestais e de Pousio no Rio de Janeiro”, realizado na Reserva Biológica da União em Rio das Ostras, avançou na apresentação da Resolução e possibilitou mais um espaço de esclarecimento que serviram para o aprimoramento da referida resolução. Estiveram presentes cerca de 70 pessoas, entre elas agricultores, assentados da Reforma Agrária, técnicos e pesquisadores representantes de órgãos ambientais do estado, representantes da Articulação de Agroecologia SerraMar, da Gerência do Serviço Florestal do INEA, Gestores do FUNBIO/TFCA, da Associação Mico Leão Dourado (AMLD), que sediou o encontro da AS-PTA. As duas últimas são as principais apoiadoras do GT.
Como desdobramento do seminário de julho, o GT, que conta também com a participação de pesquisadores da Embrapa Agrobiologia e professores da UFF e da UFRRJ, se reuniu no último dia 07 de novembro, com o objetivo de avançar no debate sobre os ajustes necessários propostos no último Seminário da Resolução, consolidando uma proposta que será apresentada aos demais departamentos competentes no INEA, a fim de editar uma nova resolução e apontar novas ações, buscando ampliar a comunicação sobre as medidas previstas. Rodrigo Bacellar, Engenheiro Agrônomo e um dos principais facilitadores na construção do diálogo sobre as práticas agroflorestais, aponta que é preciso reconhecer os avanços da legislação, garantir a aplicabilidade desses mecanismos da forma mais simplificada possível e, ao mesmo tempo, assegurar que a legislação não seja uma oportunidade para que outras pessoas, interessadas na exploração florestal ilegal ou na prática criminosa de queimadas, possam se beneficiar dessa Resolução que é voltada aos pequenos agricultores, principalmente.
Para a AS-PTA, o GT se insere no cotidiano do Projeto “Árvores na Agricultura Familiar para a Conservação da Mata Atlântica” que conta com apoio do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade, o Funbio e que desde 2012, busca contribuir para a conservação de fragmentos da Mata Atlântica em comunidades rurais situadas em áreas de amortecimento de Unidades de Conservação na região metropolitana do Rio de Janeiro. A sua execução se dá por meio de três grupos de ações que proporcionam a formação e o fomento aos plantios agroflorestais, além de contribuir com a comercialização dos produtos agroflorestais. Para Claudemar Mattos, coordenador do Projeto, o GT tem um papel relevante na sensibilização e estímulos às práticas agroflorestais e resgate do pousio, proporcionando, além da conservação dos recursos naturais, mais segurança para os camponeses e para os agentes de fiscalização ambiental. Segundo ele, o diálogo com o Projeto “Árvores na Agricultura” permite incentivar e aprimorar o uso de árvores nos agroecossistemas, pois os intercâmbios realizados entre agricultores e assessores técnicos são imprescindíveis para a adequação das políticas públicas que levem em conta a realidade da agricultura familiar.
Entre os principais encaminhamentos do Grupo de Trabalho nesta última reunião está a organização de um Seminário Estadual que articule Universidades, Agricultores e demais entidades sobre a temática do uso do fogo na agricultura camponesa. A ideia é envolver, além dos membros do GT, a Câmara Técnica de Agricultura da APA Macaé de Cima, onde a Associação de Agricultores de São Pedro da Serra e Adjacências (AFASPS) está inserida e onde estão sendo construídos espaços de diálogo periódicos sobre as demandas específicas do uso adequado do fogo na agricultura e as possíveis alternativas a esta prática. A proposta do Seminário é convergir propostas, reunir pesquisas e garantir a troca entre as experiências agroecológicas e agroflorestais do Rio de Janeiro e de outras localidades visando avançar nas análises e em possíveis revisões da Legislação Estadual 2049/1992 que regula o uso do fogo no território fluminense.
Uma das propostas que também segue em construção, e que neste encontro ganhou mais espaço, é a elaboração de um material orientador, com linguagem voltada aos agricultores e técnicas de extensão rural, onde cada um dos procedimentos da Resolução, assim como demais orientações importantes, possam ser apresentadas ampliando os canais de divulgação e diálogo sobre a Resolução e garantindo um instrumento pedagógico e comunicador que efetivamente fortaleça o desenvolvimento das práticas.
A AS-PTA e demais membros do GT vem convergindo esforços para garantir que as ações sejam realizadas, certos de que as agroflorestas e a agricultura tradicional de base camponesa representam experiências de resistência frente ao modelo de produção que impõe uma alimentação envenenada e exploratória. As ações do grupo seguem com o objetivo de fortalecer a produção de alimentos saudáveis, justos e consorciados com a conservação das florestas, das águas, do solo e tantos outros bens naturais.
Aproveite e acesse aqui a publicação “Semeando Agroecologia: Árvores na Agricultura Familiar” e a Resolução do INEA nº 86/2014.