O Seminário Internacional Construção da Resiliência Agroecológica em Regiões Semiáridas, que teve início nesta quarta-feira (21), na sede do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), em Campina Grande-PB, foi aberto com uma mesa composta pelo diretor do INSA, Ignacio Salcedo, Glória Araújo da coordenação da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA Brasil) e por Ricardo Padilha, representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Ignácio Salcedo ressaltou que a proposta do Instituto é trabalhar fortemente unido com os movimentos sociais, partindo da união entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento dos agricultores. Glória Batista, em sua fala destacou os acúmulos e conquistas da rede em seus 15 anos de existência, como a democratização do acesso à água, com um trabalho que vai além da construção de infraestruturas hídricas, que se conecta com as práticas e com o conhecimento dos agricultores, fortalecendo os processos de articulação territoriais existentes.
Já o representante da FAO, lembrou que, para o órgão, 2014 foi o ano da agricultura familiar, e segundo ele, as iniciativas de fortalecimento desse modelo lançadas no ano passado, irão continuar. Ele destacou ainda que 2015 é o ano dos solos, que também tem relação direta com o tema da construção da resiliência e com o combate à desertificação e que seminários como este tem um papel muito grande na articulação de atores e redes que atuam no enfrentamento aos afeitos das mudanças climáticas e a desertificação.
Painel – A mesa de abertura antecedeu o painel ‘Construção da resiliência agroecológica e reversão da desertificação no contexto de mudanças climáticas: experiências e aprendizados em regiões semiáridas’, que contou com a participação dos convidados internacionais Clara Inés Nicholls, coordenadora geral da Rede Iberoamericana de Agroecologia para o Desenvolvimento de Sistemas Agrícolas Resilientes e Mudanças Climáticas (Redagres) e de Souleymane Cissé, representante da ONG senegalesa IED – Afrique (Inovação, Meio Ambiente e Desenvolvimento), além de Luciano Silveira, da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia e da ASA.
Souleymane Cissé foi o primeiro a falar. Após a contextualização da região conhecida como Sahel, uma faixa de mais 5.000km de extensão, situada na África Subsaariana, entre o oceano Atlântico e o Mar Vermelho, passando por partes de países como Mali, Senegal, Níger, Chade, Mauritânia, Burkina Fasso, Gâmbia e Camarões. Segundo o senegalês, apesar da região ter um clima bastante vulnerável, de 80 a 90% da atividade agrícola é formada pela agricultura familiar, que é responsável por 60% da alimentação produzida.
Souleymane afirmou que as secas severas que a região enfrentou, principalmente entre os anos 60 e 90, foram responsáveis por uma degradação de 67% das terras. As mudanças climáticas também vem afetando a estabilidade alimentar, em 2013 a desnutrição atingiu 16 milhões de pessoas e gerou prejuízos de 9 bilhões. Para o convidado africano, comparando as realidades do seu país e do Brasil, ele considera que o contexto brasileiro é muito mais favorável para a agroecologia: “as pessoas e os governos compreendem melhor o significado da agroecologia e ela está mais bem estruturada enquanto sistema do que na África”, avalia.
Uma das semelhanças que ele identificou entre as duas regiões semiáridas foi que a agroecologia vem sendo desenvolvida e encarada como um movimento pelas redes de promoção. Souleymane apresentou em sua exposição um conjunto de experiências tradicionais que tem sido resgatadas pelas famílias agricultoras que tem tido uma excelente resposta aos problemas enfrentados, incluindo a redução do exôdo rural de jovens para países europeus.
Clara Nicholls, colombiana e coordenadora da Redagres, falou sobre o impacto das mudanças climáticas em diversas partes da América Latina, com os fenômenos do El niño (seca) e La ninã (inundações e deslizamentos). De acordo com a pesquisadora, os estudos mostram que os pequenos agricultores, que menos causam, são os que mais sofrem com os efeitos destes fenômenos. Outra observação é que, em diversos casos pesquisados, como a de uma família de agricultores cubanos, os sistemas agroecológicos se mostraram muito mais eficientes do ponto de vista energético do que os sistemas convencionais, que gastam mais energia e produzem menos, principalmente por terem baixa capacidade de resistirem a períodos secos e só apresentarem boa produtividade com uma grande quantidade de água, insumos e energia.
Clara criticou as pesquisas que trazem prognósticos ambientais, por desconsiderarem o conhecimento das populações locais: “Elas sempre olham para o futuro, nunca olham lá atrás para saber como os ancestrais superaram estas mudanças e minimizaram as perdas. A agroecologia não trabalha com receitas prontas, mas com princípios e com aprendizagem mútua”, disse. A pesquisadora lembrou que é preciso também considerar nos estudos a resiliência sociológica, humana, pois a agroecologia é socialmente e politicamente produtiva, do ponto do vista da geração da autonomia e da capacidade de recomposição.
Luciano Silveira, coordenador da AS-PTA e representante da ASA Brasil, fez uma contextualização sobre a região semiárida brasileira, que tem uma extensão de mais 1 milhão de metros quadrados e 1,7 milhão de famílias agricultoras, o que representa 35% do contingente da agricultura familiar do país. Luciano lembrou que o processo histórico de ocupação da região tem sido marcado pela concentração do acesso aos recursos como a água e a terra, em um modelo centrado na agricultura para exportação e em um padrão de desenvolvimento predatório dos recursos naturais. As soluções propostas eram pensadas na lógica do ‘combate à seca’. Todo esse quadro, segundo o painelista, levou ao aprofundamento de relações de dependência e subordinação das populações locais.
Luciano explicou que a estratégia da ASA foi a da descentralização do acesso aos recursos, e nesse sentido, a água seria o primordial deles. Segundo ele, a entrada da água à partir da construção das infraestruturas hídricas, a valorização da inserção social e econômica das mulheres e a participação ativa das comunidades, trouxeram impactos múltiplos e fizeram com que as famílias envolvidas nessa dinâmica atravessassem os últimos períodos de seca com muito mais tranquilidade. Nos seus 15 anos de existência, a ASA já sistematizou 1.500 experiências e realizou mais de 1.300 intercâmbios com o envolvimento de 34 mil agricultores e agricultoras. Ele afirmou que a parceria da ASA com o Governo Federal é um caso emblemático de que as políticas públicas podem vir de baixa pra cima, em um cenário onde é preciso se repensar a construção das políticas.
As experiências trazidas pelos palestrantes serão ponto de reflexão para a parte da tarde, dedicada ao debate dos resultados preliminares da Pesquisa ASA-INSA realizada desde 2012, em todos os estados do semiárido brasileiro.
O Seminário Internacional Construção da Resiliência Agroecológica em Regiões Semiáridas, segue até esta sexta-feira (23) com a realização de visitas de campo, trabalhos de grupo, debates e a abertura de uma exposição fotográfica. A iniciativa é da ASA, do INSA e do Projeto Terra Forte e seus parceiros, cofinanciado pela União Europeia.
Documento do Seminário Internacional Construção da Resiliência Agroecológica em Regiões Semiáridas