“A concentração de terra no semiárido brasileiro é um dos grandes bloqueios estruturais para a construção da resiliência da agricultura familiar na região. É preciso democratizar o acesso à terra e reorientar as políticas públicas para a agricultura familiar para que as experiências de convivência com o semiárido se multipliquem, ampliem suas escalas e se consolidem”. Essas ideias foram apresentadas por Paulo Petersen, coordenador executivo da AS-PTA, na mesa de encerramento do Seminário Internacional sobre a Construção da Resiliência em Regiões Semiáridas, ocorrida na última sexta-feira (23/01), na sede do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), em Campina Grande-PB. Elas integram a síntese dos debates realizados nos dois primeiros dias do seminário, quando os participantes puderam visitar e debater experiências de construção de resiliência agroecológica nos territórios paraibanos da Borborema e do Cariri e avaliar os resultados preliminares da pesquisa ASA/Insa sobre construção da resiliência agroecológica na região.
A mesa foi dedicada ao tema das políticas públicas para a promoção de uma agricultura mais resiliente no semiárido diante do contexto das mudanças climáticas globais. Participaram do debate representantes do governo federal como Cássio Trovatto, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (Ciapo), Francisco Campello, Diretor de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente (MMA), além de Pedro Gama, Chefe Geral da Embrapa Semiárido e Cristina Nascimento, representante da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
Os debates do seminário, ressaltaram a necessidade de abordagens mais abrangentes e integradoras para que as políticas públicas sejam concebidas de forma a compatibilizar as dimensões sociais, econômicas, ambientais e políticas envolvidas nas dinâmicas de desenvolvimento rural. A abordagem que prevalece na concepção de muitas das políticas vigentes isola essas dimensões entre si, gerando verdadeiros círculos viciosos que realimentam a a crise sistêmica que desafia a Humanidade. Ao enfrentarmos problemas relacionados à segurança alimentar e nutricional com base em uma perspectiva produtivista, por exemplo, estimula-se a dinâmica expansiva dos agronegócios e acentua-se as crises ambientais, energéticas e sociais. Ao tentar equacionar a dimensão ambiental a partir de uma abordagem restrita às noções do preservacionismo e do conservacionismo, violam-se direitos de comunidades rurais sobre os territórios que historicamente viveram e produziram. As adaptações às mudanças climáticas e a mitigação dos processos geradores da desertificação no semiárido dependem dessas abordagens integradoras. É exatamente esse o aporte da perspectiva agroecológica para o desenvolvimento rural.
Nessa direção, Paulo Pertesen destacou a importância atribuída pelos debates à Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) e o processo de luta, organização e mobilização social para que ela seja reforçada, sobretudo ao favorecer essa abordagem multisetorial de tratamento dos problemas do desenvolvimento. No entanto, ele destaca que a PNAPO até o momento não vem merecendo a devida importância em vários ministérios e órgãos de governo. Citou como exemplo o caso do Ministério do Meio Ambiente. “Pouca efetividade terão as medidas do Ministério do Meio Ambiente para enfrentar os problemas da desertificação e das mudanças climáticas caso esses processos continuem a ser abordados como fenômenos estritamente ambientais. Por isso atribuímos tamanha importância ao papel e ao lugar que poderá vir a jogar a PNAPO como instância de articulação interministerial” , disse.
Dentro desse quadro mais amplo relacionado à necessidade de articulação de políticas no âmbito dos territórios rurais, Pertersen destacou o desafio de maior vinculação entre as ações de pesquisa agropecuária, de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e a educação contextualizada, tendo os agricultores e agricultoras como protagonistas dos processos de construção do conhecimento agroecológico. Outro destaque apresentado na síntese é a importância do enfoque territorial para que as dinâmicas de desenvolvimento rural evoluam a partir da valorização dos potenciais ecológicos, socioculturais, econômicos e institucionais de cada território. É no território que as organizações locais se articulam e é sobre ele que elas atuam, construindo estilos de agricultura mais resilientes que ao mesmo tempo promovem conservação dos bens naturais, dinamização econômica e melhor distribuição da riqueza. A revalorização dos potenciais ecológicos e econômicos da biodiversidade nativa na Caatinga apresenta-se nesse contexto como uma estratégia decisiva para a construção de maiores níveis de resiliência agroecológica. Nesse tema, as experiências visitadas e debatidas demonstram o papel centraldesempenhado pelas mulheres agricultoras como guardiãs do patrimônio genético.
O representante da Comissão Nacional da Desertificação, Francisco Campello, viu o seminário como um espaço estratégico para propor e garantir o desenvolvimento de novas políticas públicas e a melhoria das políticas já conquistadas. Relembrou ainda a importância de não perder espaço no próximo Plano Plurianual (PPA – 2016-2019), que é estratégico para garantir o enfrentamento dos desafios que temos pela frente. Campelo ressaltou ainda que a Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas sobre Combate a Desertificação, que ocorrerá em Cancun, México, ainda no primeiro semestre de 2015, é um espaço estratégico para apresentação da experiência que a ASA vem construindo no Semiárido brasileiro e que aponta na direção da convivência com os efeitos das mudanças climáticas na região, em particular a acentuação dos períodos de estiagens prolongadas.
Pedro Gama, representante da Embrapa Semiárido, se colocou à disposição para a realização de mais pesquisas que possam contribuir com a construção das iniciativas da ASA. Entende ainda a necessidade de aprofundar mais o tema do manejo da caatinga, aproximando o diálogo com as famílias agricultoras e as dinâmicas sociais de forma a garantir o melhor desenvolvimento das pesquisas científicas.
Por fim, Cristina Nascimento, coordenadora da ASA pelo estado do Ceará, falou sobre a defesa e reafirmação da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) como uma prioridade da ASA, a partir das demandas dos agricultores e das agricultoras. Ela ressaltou ainda que a política de desenvolvimento territorial é entendida como uma estratégia nascida das organizações dos agricultores e que, nesse sentido, precisa retomar os debates e dialogar com as experiências para que a política aconteça na perspectiva da reafirmação da identidade local.
Como encaminhamento do Seminário Internacional Construção da Resiliência Agroecológica em Regiões Semiáridas definiu-se pela elaboração de um documento de síntese que aborde os temas centrais debatidos no evento para que seja apresentado em diferentes instâncias nacionais e internacionais nas quais os temas da adaptação às mudanças climáticas, combate à desertificação e agroecologia serão debatidas este ano.