O sol estava nascendo quando os agricultores e agricultoras chegaram à comunidade de São Bento de Cima, na zona rural de Boqueirão-PB. Em círculo, em cima no calçadão da cisterna, rodeado por pés de maracujá, os participantes respondiam de onde vinham e quais as expectativas para o encontro. Durante a apresentação, as caravanas vindas de vários territórios do estado depositavam suas sementes no centro da roda. A “Alvorada das Sementes da Paixão” abriu a programação do segundo e principal dia do Encontro Estadual de Agricultores-Experimentadores da Paraíba, que aconteceu nos dias 24 e 25 de maio.
Depois de uma feira de troca de sementes, os participantes foram convidados para um gesto concreto: deixar sua marca na terra de dona Socorro e seu João Batista. Plantando mudas de árvores nativas, palma, macaxeira, no roçado preparado para a ocasião ou no espaço da propriedade, os agricultores iniciaram este dia de aprendizado e troca experiências. O café da manhã antecedeu as oficinas, que foram divididas entres os temas de: Sementes; Quintais produtivos e auto-organização das mulheres; os criatórios no semiárido; Água: estratégias de estocagem e produção de alimentos no Semiárido; Fundos Rotativos Solidários; Juventude Camponesa; e Acesso aos Mercados.
As oficinas funcionaram com a apresentação de duas experiências, vindas territórios distintos. Ana Joaquina, jovem agricultora do Sítio Cachoeira de Pedra D’água, município de Massaranduba, apresentou a dinâmica do trabalho da juventude na sua comunidade. As atividades nos viveiros, os mutirões, o trabalho de coletores de sementes, como funcionam os fundos rotativos solidários. Aninha, como gosta de ser chamada, reafirmou seu amor pela agricultura e partilhou com os outros jovens as experiências não só da sua comunidade, mas também da juventude do Polo da Borborema.
O GT de Juventude do Coletivo das Organizações da Agricultura Familiar, outra dinâmica da ASA Paraíba, também apresentou de maneira lúdica sua experiência. Por meio de um telejornal apresentado por duas jovens, foram mostrados os avanços do trabalho com a juventude no território que abrange 11 municípios, dos quais 7 já tem jovens inseridos nessa dinâmica. Além de reafirmar a importância do trabalho com a agricultura, fica muito clara a intensão de comunicar a força que a agricultura familiar possui. O GT vem trabalhando com a produção de vídeos que, entre outras funções, traz os avanços e desejos dessa juventude que ousa lutar.
Lidiane Cruz é mais uma jovem agricultora que participou do encontro, mas apresentando sua experiência na oficina de Quintais produtivos e auto-organização das mulheres. Assentada da reforma agrária na cidade de Itabaiana, para ela o encontro é um momento de valorização, “é o reconhecimento do nosso trabalho”. E completa, “em um espaço como este, a gente leva a experiência de outras pessoas e também deixa a nossa semente, não só nossa semente da paixão, mas também nossa semente de luta, de coragem”.
Após este momento, em plenária os agricultores e agricultoras discutiram sobre as lições que as oficinas trouxeram. Entre elas o aprendizado compartilhado, a troca de experiências, aspectos em planejamento financeiro e a valorização da juventude camponesa. O momento foi marcado pela partilha de conhecimentos adquiridos durante a manhã, cada agricultor trazia uma observação sobre o que havia aprendido e também os desafios para continuar produzindo. Para José Anchieta de Assis, representante da Coordenação Executiva da ASA Paraíba, o modelo do agronegócio e a atual conjuntura são alguns desses desafios. “Mas nós somos semeadores e a semente da esperança deve ser cada vez mais semeada nesse momento. Nenhum direito a menos!”, diz fazendo alusão a campanha Semiárido Vivo, da ASA Brasil.
Análise de Conjuntura – o segundo momento do encontro trouxe para discussão os atuais rumos que a política nacional vem tomando nos últimos meses. O resgate de como era o semiárido e o que ele se tornou, deu a perspectiva inicial para o debate. Foram lembradas as frentes de emergência, as mulheres que ficavam sós enquanto os maridos migravam para o sudeste em busca de trabalho, os frequentes saques para saciar a fome, a cara do semiárido realmente era outra. Quem agora tem cisternas do lado de casa, lembra sem saudade dos quilômetros percorridos em busca de água.
Quando questionados sobre os avanços e mudanças, os agricultores sem pestanejar começaram a numerar as políticas sociais que transformaram o semiárido no que ele é hoje: P1MC, P1+2, acesso ao PAA e PNAE, a ampliação de vagas em universidades, direitos das mulheres conquistados e ainda há muito pelo que lutar. A resiliência dos agricultores mais experientes e a vontade de lutar dos mais jovens dão pistas do que vem por aí.
Finalizando os dois dias de encontro os participantes se reuniram em um grande círculo, junto aos que irão representar a Paraíba no Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores, que acontecerá em Aracaju, Sergipe, entre os dias 06 a 09 de junho. De mãos dadas, falavam o que deveria ser levado para o encontro. Entre as palavras ditas: nossas sementes, a força da juventude, um olhar sensível a luta das mulheres e o otimismo para continuar lutando. Homens e mulheres, em ciranda, reafirmaram sua força, seu espírito de luta.