“Somos jovens! Somos força! Somos mudança! Somos esperança!” estas palavras de ordem abriram o II Encontrão da Juventude Camponesa do Polo da Borborema, que aconteceu em Campina Grande-PB, entre os dias 14 e 16 de outubro. As palavras fizeram parte de uma mística de abertura que deu início ao evento, na tarde da sexta-feira, dia 14, onde os jovens entraram no salão com símbolos da agricultura, bandeiras de luta e ferramentas de trabalho. O primeiro momento do encontro foi dedicado à construção da história do Polo da Borborema, uma articulação formada por 14 sindicatos de trabalhadores rurais da região da Borborema, que completou em 2016, 20 anos de atuação pelo fortalecimento da agricultura familiar de base agroecológica, com a assessoria da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia desde o seu início.
Um conjunto de lideranças, por meio de relatos sobre suas trajetórias pessoais, foi ajudando a reconstruir o que foi a luta dos trabalhadores e trabalhadoras rurais no território. “Acredito que vocês são os frutos do que plantamos naquela época”, afirmou Manoel Oliveira, conhecido como “Nequinho”, do Sindicato de Alagoa Nova-PB, uma das lideranças mais antigas da luta pela terra na região.
Roselita Vitor, liderança do sindicato de Remígio-PB, também falou sobre sua trajetória junto à família. Desde a expulsão da terra onde eles viviam, até sua entrada na Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e a conquista do sindicato rural de Remígio por essa juventude. “Eu faço questão de falar sempre para os meus filhos tudo que passei, para que eles não se esqueçam da importância da luta pela terra”, disse.
O período da noite foi dedicado à realização de quatro oficinas culturais: penteados afro, maracatu, Hip Hop e teatro. A manhã do segundo dia começou com um resgate do primeiro dia, quando os jovens colocaram um pouco do seu sentimento em relação ao debate do dia anterior. “Refletindo sobre o que eles falaram, a gente percebe que a gente também sofre um pouco do que eles sofreram, pois eles começaram jovens como nós, não foi de hoje. Eu, por exemplo, quando fui estudar na cidade, sofri preconceitos. Hoje o sindicato me deu a oportunidade de lutar pelos meus direitos, de ir lá e saber dizer, ‘o que você quer eu também quero e os nossos direitos são iguais’”, avalia Jeane Carla, 22 anos, estudante de agropecuária e moradora do Assentamento Queimadas, em Remígio-PB.
Para a jovem Dayane Sobreira, de 22 anos, estudante do mestrado em História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), moradora do Sítio Manguape, em São Sebastião de Lagoa de Roça-PB, o encontro entre gerações foi marcante: “Esse contato com o Polo da Borborema vem me proporcionando um resgate da minha raiz rural. É uma das experiências mais significativas na minha vida, como o encontro com o feminismo. Essa ligação com os jovens do Polo para mim tem sido fora de série, nos dá esperança e nós não podemos deixar essa chama morrer”, disse.
Após esse momento foram divididos os grupos em quatro oficinas práticas: Sementes e Transgênicos; Sanidade de pequenas criações; Enxertia de mudas; e Beneficiamento dos produtos da agricultura familiar. Todas as oficinas foram facilitadas por assessores técnicos da AS-PTA ou parceiros e por jovens que vem experimentando e acumulando conhecimentos naquela temática.
Um exemplo é o estudante de Biologia Mateus Manassés, 20 anos, do Sítio Soares, município de Queimadas-PB, que participou e ajudou a facilitar a oficina de sanidade de pequenas criações. A oficina tratou de três aspectos do manejo das criações: verminoses e suas dosagens corretas, linfadenite caseosa (caroços ou abcessos) causas e tratamento adequado e os cuidados com as crias recém-nascidas e matrizes. A oficina contou com o apoio dos estudantes de Medicina Veterinária da UFPB, Campus II, do Centro de Ciências Agrárias de Areia-PB, Lucas Dutra e José Antônio de Lucena, por meio de uma parceria entre a Universidade, o Núcleo de Agrobiodiversidade da AS-PTA e a comissão de criação animal do Polo da Borborema.
Os participantes aprenderam ainda a identificar a presença de parasitoses por meio do guia da anemia usando o método Macha, onde se examina a coloração do olho do ovino ou caprino e se compara com uma escala de cores que indica o estado do animal. “Eu crio desde os 5 anos de idade, quando meu pai me deu meu primeiro casal de caprinos. Vocês veem, quase 15 anos criando e a gente ainda tem o que aprender”, comenta Mateus. “Aprendi que não devo criar no mesmo espaço os bodes e as ovelhas junto com galinhas, devido a parasitas que as galinhas têm podem passar para os outros. Chegando em casa eu já vou colocar em prática”, completou o jovem.
Durante a oficina de Sementes e Transgênicos, foi discutido o papel das sementes crioulas na preservação do patrimônio genético e na garantia da autonomia dos agricultores. “Se o agricultor for na loja e comprar a semente transgênica, não tem a garantia de que ela vai nascer com o mesmo vigor no ano seguinte, isso já é feito para obrigar ele a ficar sempre comprando, é uma semente que ameaça a sua saúde”, afirmou Eduardo Muniz, estudante de Agroecologia e morador de Massaranduba-PB. Foi debatido o conceito de transgênico e foram feitos ainda testes rápidos de transgenia com amostras de sementes de milho. Os participantes da oficina conheceram os materiais e assistiram ao vídeo-animação da Campanha “Não planto transgênicos para não apagar a minha história!” desenvolvida pela AS-PTA em parceria com o Polo da Borborema.
Ética na era das novas mídias
Na tarde do segundo dia, foi feito um debate sobre o tema: “A ética e a nova mídia”, que contou com a facilitação de Rosa Sampaio, jornalista do Centro de Cultura Luís Freire e do Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom). Rosa trouxe o tema do ‘Cyberbullying’, um termo atual usado para definir o ato de se usar o espaço virtual para intimidar e hostilizar uma pessoa difamando, insultando ou a atacando covardemente. Uma pequena esquete foi apresentada pelos jovens para ajudar na contextualização do assunto. Na situação encenada, uma mulher termina o namoro com um rapaz e ele, inconformado com o fim do relacionamento, se vinga divulgando imagens íntimas da moça, prática denominada de ‘Sexting’, que também foi debatida nesta tarde.
Foi exibido o filme ‘Cyberbulliyng’, que mostra situações de agressões sofridas por uma adolescente norte-americana que é sistematicamente difamada e agredida por meio da internet, o que quase a leva a cometer suicídio. Rosa lembrou que no exterior, em apenas um estado norte-americano, foi preciso que ocorressem dezenas de suicídios de jovens para que fosse criada uma lei que tipificasse esse crime. “Já no caso do Brasil, foi preciso que acontecesse uma violência desse tipo com uma atriz famosa para que se tomasse uma providência”, disse Rosa, se referindo à Lei “Carolina Dieckmann”, (Lei nº 12.737 de 2012), criada após a atriz ter fotos íntimas roubadas e divulgadas contra a sua vontade na rede. “Esse tipo de crime recai com muito mais força sobre as mulheres, que são julgadas sem que se criminalize o agressor e em muitos casos, isso lhe custa a própria vida, tendo em vista o alto número de suicídio de meninas adolescentes. É preciso ter consciência que não só é crime divulgar as imagens, mas também compartilhá-las”, completou Rosa.
O tema fez os participantes do encontro refletirem e rendeu um bom debate após a exibição do vídeo. “Eu acho que quando a gente vê uma situação como essas não é para a gente apontar o dedo e julgar a vítima e sim questionar como alguém foi capaz de divulgar um material da outra pessoa sem a sua permissão. Temos que ficar atentos à nossa postura nesses casos para dar apoio à pessoa”, afirmou Sidnéia Camilo, do Sítio Caiana, em Remígio-PB. “Esse vídeo mostra um uso negativo das redes sociais, mas eu chamo a atenção para o fato de que podemos usar sim, a internet para fazer coisas bacanas, fazer circular ideias interessantes, ajudar a quebrar o machismo e outros preconceitos que ainda existem”, disse Dayane Sobreira. O dia foi encerrado com uma confraternização entre os jovens que contou com uma roda de capoeira e com apresentações teatrais e de dança, como desdobramento das oficinas da noite anterior.
A manhã do domingo, último dia do evento foi iniciada com campeonatos de futebol e de baleada de manhã logo cedo. Às 9h teve início uma plenária na qual foi socializado uma síntese de cada oficina temática do dia anterior. Após a socialização, foram tirados alguns encaminhamentos para o trabalho da juventude, a exemplo da escolha do município para a realização da III Feira Agroecológica e Cultural da Juventude Camponesa, que acontecerá em Areial-PB, na manhã do dia 30 de novembro. Uma sistematização gráfica, no formato de desenhos e cordel foi feita e apresentada pelos próprios jovens como forma de avaliação e síntese do encontro. Os jovens encerraram o encontro com a entrega de medalhas das equipes vencedoras dos torneios e após isso uma animada ciranda. O encontro e o trabalho com a juventude tem o apoio das organizações de cooperação internacional ActionAid, Comitê Católico contra a Fome e pelo Desenvolvimento (CCFD) e terre des hommes schweiz.
O jovem Guilherme Belo, de Massaranduba, avalia os três dias do II Encontrão em versos, veja: