Cerca de 150 agricultores e agricultoras representantes dos 14 sindicatos de trabalhadores rurais que integram o Polo da Borborema na Paraíba, e assessores técnicos da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia estiveram reunidos nos dias 21 e 22 de fevereiro, no Convento Ipuarana em Lagoa Seca, para planejar as ações para 2017 e debater os novos desafios do movimento sindical e social face à conjuntura política brasileira. As discussões foram sobre as medidas e propostas de reformas do governo atual que atingem a classe trabalhadora, com um movimento claro de redução do Estado brasileiro enquanto motor do desenvolvimento e do bem estar social.
Após uma mística de abertura, a programação teve início com uma análise, facilitada por Luciano Silveira, coordenador da AS-PTA. Para ajudar a entender como a bandeira contra a corrupção foi usada para encobrir outros interesses em diversos momentos da história do país, Luciano questionou a plenária sobre os motivos do afastamento da presidente Dilma Rousseff do cargo e porque as pessoas que foram as ruas contra a corrupção, não se manifestaram mais, mesmo diante das atuais denúncias envolvendo 11 ministros do governo Temer, até o próprio presidente, e ainda porque os outros escândalos de corrupção envolvendo outros partidos não foram apurados.
Ele questionou o fato de uma presidente ser afastada, acusada pelo Congresso de cometer crime de responsabilidade e, em seguida, ser absolvida pelo mesmo Congresso, permanecendo com todos os seus direitos políticos. O assessor utilizou manchetes de capas de revistas e jornais da imprensa tradicional para mostrar o conteúdo das acusações contra o governo de Lula e de Dilma e perguntou, se diante dos números, elas teriam fundamento. As denúncias sustentam que diante de uma economia em frangalhos, com um Estado ‘inchado’ e tomado pela corrupção, a saída da presidente seria a única opção para que se promova um enxugamento da máquina estatal, com redução de investimentos sociais e reformas que recoloquem a economia nos eixos.
Apresentando um conjunto de estatísticas sobre a economia e os níveis de desigualdade brasileiros, ao longo de décadas, Luciano mostrou que o discurso de que os governos petistas “quebraram o país” não se sustenta. Em comparação com períodos de governos anteriores, indicadores a respeito da evolução do PIB, da carga tributária, da dívida externa, do acesso à educação, da renda per capta e até mesmo do valor da Petrobras, mostram que, mesmo com desafios, houve sim, uma inversão de prioridades, em favor da classe trabalhadora.
Destaque para o reconhecimento da agricultura familiar como uma categoria sócio política específica, de grande importância para a produção alimentos, geração de emprego, riqueza e para a conservação dos bens da natureza. Luciano destacou a política de correção do salário mínimo com ganhos de 75% acima da inflação como uma grande política de distribuição de renda: “É preciso entender que a riqueza gerada vem do trabalho. Se eu recebo um salário baixo, é porque a renda derivada do trabalho está sendo apropriada por terceiros. Quando se mexe no salário mínimo, retém a riqueza nas mãos do trabalhador, distribuindo renda”, afirmou.
Luciano finalizou buscando desvendar os interesses geopolíticos que estariam por trás da retirada do PT do poder, analisando o movimento do governo Lula de fortalecimento do país como uma potência econômica, energética e militar. E como o rechaço da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), o fortalecimento do MERCOSUL e a criação de um bloco econômico de países emergentes BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) foram um dos fatores que contribuiu para contrariar interesses do grande capital estrangeiro, interessado na apropriação das riquezas do Brasil.
Após a apresentação, foi aberto um espaço para debate com a plenária, que se manifestou em falas de indignação e de perplexidade. Nelson Ferreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca lembrou que a população ainda tem dificuldade de votar com consciência, pois ajudou a eleger um dos piores congressos da história do país. Ele reclamou também da dificuldade do meio popular de eleger representantes comprometidos com as causas e bandeiras dos movimentos sociais.
Roselita Victor, da Coordenação do Polo da Borborema, chamou a atenção para a forma como a sociedade tolera e convive com a corrupção e o papel da comunicação na disputa de mentes e corações: “Já estive à frente de uma secretaria municipal e vinha muita gente pedindo, ‘arrume essa licitação aqui que fica bom pra mim e bom pra você’, vê se pode! Então eu acho que só existe a corrupção porque a sociedade permite. Ano que vem teremos eleição e é preciso ver como vamos nos comportar. Outro ponto importante é a questão da comunicação. Vivemos em uma sociedade que não lê mais, não reflete, só compartilha o que vê e estamos em um momento de compartilhar ódio à classe trabalhadora, às lideranças. Precisamos fortalecer a nossa comunicação para conquistar mais pessoas para o nosso lado”.
O período da tarde foi dedicado ao aprofundamento dos temas relevantes da agenda de lutas: a luta contra a Reforma da Previdência proposta pelo governo Temer, contra o fechamento das escolas do campo e o enfrentamento à violência contra a mulher na região. Euzébio Cavalcanti, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Remígio, falou sobre o surgimento da Previdência, a partir da luta das categorias dos ferroviários, na zona urbana, e dos trabalhadores rurais, com as chamadas Ligas Camponesas. O encontro recebeu ainda a visita da deputada estadual Estela Bezerra (PSB-PB), que elogiou a iniciativa do Polo e pediu a fala para se manifestar sobre acontecimentos políticos atuais.
A deputada é autora da proposta de realização de audiências públicas nas Câmaras Municipais e na Assembleia Legislativa para discutir o impacto negativo da Reforma da Previdência em discussão no Congresso Nacional: “A Previdência Social é o maior programa de distribuição de renda que já existiu. A atual proposta atinge em cheia a vida das mulheres, que de maneira justa, têm o direito de se aposentar cinco anos antes dos homens e estão com esta garantia ameaçada. A situação atual é muito grave, pois estão modificando a Constituição sem terem sido delegados para isso. Os princípios constitucionais estão sendo atropelados, como no caso da PEC 55 (Proposta de Emenda a Constituição), chamada de PEC do teto dos gastos, que retirou só da saúde 134 bilhões, quando definimos, na nossa Constituição, que saúde e educação são investimentos”, afirmou a parlamentar.
Foram tirados como encaminhamentos a elaboração de um documento para ser enviado aos deputados e senadores exigindo o voto contrário à proposta; seguir com as discussões nas comunidades; a articulação com outros atores políticos; e a realização de novas audiências públicas com o poder local para debater o assunto.
Às vésperas de realizar a oitava Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, no dia 8 de março, o Polo da Borborema enfrentouuu uma onda de violência contra a mulher com o aparecimento de 44 casos de estupros em oito municípios da região entre os meses de agosto e outubro de 2016. Graças à mobilização do movimento de mulheres do Polo, o estuprador de 35 destes casos, foi preso em novembro de 2016 “Se a gente já tinha motivos para marchar, agora é que a gente tem mesmo. Nós mulheres, sentimos na pelo a dificuldade de acesso aos direitos, como estas mulheres que tiveram o seu direito de ir e vir atingido, quando não podem sair de suas casas sem o medo de serem estupradas”, disse Maria Leônia Soares, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Massaranduba e da coordenação do Polo da Borborema.
As mulheres fizeram um lançamento da Marcha, que acontecerá na cidade de Alagoa Nova, com essas duas grandes bandeiras: a luta contra a Reforma da Previdência e contra a chamada “cultura do estupro”, que relativiza a violência sexual sofrida pelas mulheres, atribuindo a culpa à vítima. “Se um só homem estuprou 35 mulheres, é porque ele tinha certeza da impunidade. É contra essa situação que vamos estar mais um ano unidas, marchando, por uma vida plena para todas as mulheres”, destacou Adriana Galvão, assessora técnica da AS-PTA e uma das organizadoras da Marcha.
Por fim, foi tratado do problema do fechamento das escolas dos campo no território. De acordo com um levantamento feito pela Rede de Educação no Semiárido (Resab), de 2009 a 2012, foram fechadas 249 escolas rurais na Paraíba. Para debater sobre o problema e definir estratégias de enfrentamento ao problema, foi agendado para o dia 7 de abril um seminário regional sobre o assunto.
O segundo dia de evento foi dedicado ao planejamento das comissões temáticas do Polo: saúde e alimentação, criação animal, cultivos agroflorestais, juventude, recursos hídricos e mercados. Os participantes se dividiram em suas respectivas comissões para avaliar o ano anterior e apontar ações para 2017.