Com o desafio de promover uma reflexão sobre o movimento sindical frente à atual conjuntura política brasileira e refletir sobre o papel da agricultura familiar para a educação camponesa, o Polo da Borborema, uma rede de 14 sindicatos de trabalhadores rurais da região da Borborema na Paraíba, assessorados pela AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, realizou, nos dias 16 e 17 de agosto, um encontro de balanço semestral, em Lagoa Seca-PB.
Após a mística de abertura, construída a partir do legado da luta de Margarida Maria Alves, e a apresentação dos objetivos do encontro, foi exibido o vídeo “O Polo” que reconta a trajetória de 20 anos de atuação do Polo da Borborema em parceria com a AS-PTA. “A gente está extremamente feliz hoje. Todo o trabalho com os arredores de casa foi abrindo caminho para as mulheres assumirem os sindicatos. Vimos que as mulheres têm direito. Para nós da juventude camponesa, temos muitos desafios ainda, mas se hoje sou uma viveirista, foi por causa da minha mãe que enfrentou antes de mim. Agradeço por esse momento porque nos traz esperança, confiança, autonomia!”, analisa a jovem Jeane Carla a trajetória apresentada no vídeo. “20 anos de história do Polo, 20 anos que estamos juntos nessa caminhada. É igual fazermos nosso roçado: plantamos 5 leirões, depois 10, depois 80. Conquistamos muitas políticas públicas graças a ousadia de nos unirmos para construir uma rede importante para fortalecer a agricultura familiar”, afirma Nelson Ferreira, do Sindicato de Lagoa Seca e da Coordenação do Polo da Borborema.
Após a exibição do vídeo e uma rápida rodada de falas, Giselda Bezerra, liderança do município de Remígio e da coordenação do Polo da Borborema, fez uma síntese das principais conquistas da ação do Polo nesses 20 anos.
Em seguida, o professor de história da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Jonas Duarte, foi o convidado para fazer uma atualização da conjuntura brasileira. O professor enumerou os retrocessos com a aprovação de reformas pelo Congresso Nacional que representam uma grande perda de direitos para a classe trabalhadora e sobre as saídas para superar a situação e recolocar os interesses da classe trabalhadora no centro das políticas públicas: “O povo não pode apostar em um salvador da pátria, precisamos investir na sua organização, a tarefa é chegar nas pessoas que ainda não estão organizadas, para que a gente deixe de ser um riacho e se transforme em uma torrente, uma enchente de energia”.
No período da tarde, as comissões temáticas do Polo tiveram um momento para a sua avaliação e planejamento: recursos hídricos; criação animal; saúde e alimentação, cultivos agroflorestais; mercado; sementes e infância e juventude. Cada uma apontou os seus avanços e desafios e montou a sua agenda para este segundo semestre de 2017.
“Educação no campo é direito e não esmola”
O segundo dia de encontro começou com o tema da educação do campo com um recorte para o desafio atual que representa o fechamento de escolas rurais no território. Para contribuir com a reflexão, foram apresentadas duas experiências que são exemplos de resistência das comunidades em defesa das escolas rurais. A primeira foi a da Comunidade de Jacu, município de Massaranduba. Josefa das Mercês Silva, conhecida como ‘Nete’, é vice-presidente da associação comunitária, já sua irmã, Josefa Nilda das Mercês, é professora há mais de 20 anos na escola da comunidade, e tanto ela, como seus três filhos, hoje jovens de 22, 20 e 16 anos, estudaram lá.
As duas contaram como a comunidade recebeu a notícia do fechamento da escola local e o que fizeram para evitar que o fechamento virasse uma realidade: “A gente se reuniu e viu que ninguém queria que a escola fechasse, só a gestão. Então fizemos abaixo assinado, reuniões com a comunidade e a prefeitura, mostrando todos os motivos para manter a escola funcionando, exigindo o nosso direito e vencemos”, conta Nilda. “O prazo que a secretaria de educação deu foi tão curto, que a gente teve só dois dias para mobilizar a câmara de vereadores, o conselho tutelar e o sindicato, chamou todo mundo para uma reunião com a comunidade e a prefeitura. Tem que se reunir, para cobrar os nossos direitos. Eu digo a vocês, não desanimem, se juntem e lutem pelo que vocês querem”, frisou Nete.
Maria Leônia Soares, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Massaranduba e da coordenação do Polo, afirmou que a luta pela permanência da escola de Jacu ajudou a abrir os olhos da comunidade e da gestão pública acerca do papel do sindicato: “Lembro que quando a secretária viu que a gente estava presente na reunião, quis saber o que o sindicato estava fazendo ali. E essa luta é uma oportunidade para a gente se perguntar mesmo, ‘o que o sindicato tem a ver com a educação do campo?’ Quando a gente vai refletindo, vai vendo que realmente tem tudo a ver, pois a educação no campo é fundamental para a continuidade da agricultura familiar”.
A segunda experiência apresentada foi a da comunidade Lagoa do Barro, em Lagoa Seca-PB, onde em um processo semelhante de mobilização comunitária, a população local conseguiu fazer pressão e barrar o fechamento: “A comunidade já tinha um histórico de organização e de luta muito bonito. A escola está inserida ali como um patrimônio da comunidade. Essa é uma luta que precisa ser levada para o mundo. Escola do campo nenhuma vai fechar se a comunidade estiver unida”, comentou Nelson Ferreira, presidente do sindicato de Lagoa Seca.
A professora Albertina Maria de Brito, da UFPB, Campus Bananeiras, e da Rede de Educação do Campo da Borborema, socializou os resultados de uma pesquisa realizada pela Rede sobre o fechamento das escolas nos municípios de Remígio e Solânea. “A gente viu que precisava entender esse processo que chamamos de ‘des’ordenamento das escolas do campo. Porque o nome ‘ordenamento’ é usado quando o discurso chega na comunidade, porque fechamento é uma palavra muito forte, mas na prática, significam a mesma coisa. E permitir o fechamento é o mesmo que permitir fechar a minha história, eu que estudei lá, é o mesmo que fechar a possibilidade de formar novos sujeitos do campo junto com os princípios construídos de valorização da terra como um lugar de vida e de oportunidades. Com a pesquisa a gente percebe que o contexto pede pela ampliação das escolas do campo e não pelo fechamento”.
Em uma rodada de debate, foram muitas as colocações e depoimentos de histórias devastadoras, reflexo do abandono da educação do campo pelo poder público, como os relatos de crianças muito pequenas morrendo atropeladas por ônibus escolares, em seus longos deslocamentos entre a comunidade e a cidade ou jovens que têm a vida interrompida pelo envolvimento com drogas. “Fechar uma escola no campo é um crime, pois não há bem mais valioso do que o conhecimento. Precisamos encontrar estratégias para enfrentar este problema, sabemos que novembro vai chegar e mais uma vez as prefeituras vão fazer as contas e haverá a tentativa de fechar mais escolas. É preciso mobilização para que isso não aconteça”, alertou Roberval da Silva, da AS-PTA.
Adriana Galvão Freire, assessora técnica da AS-PTA, lembrou que a defesa da educação do campo é uma luta que precisa contar com o envolvimento da juventude: “O diagnóstico da juventude no território da Borborema mostrou a necessidade da luta pela educação contextualizada. Hoje a juventude tem que mudar a sua pauta para a exigir o direito de ter uma escola, pois quando uma escola sai do campo, é como se roubassem daquela criança a possibilidade de reconhecer o seu lugar como um espaço de formação”.
Foi feito então o lançamento da IX Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, realizada todos os anos, no dia 08 de março, pelo Polo em parceria com a AS-PTA. Em 2018, a marcha acontecerá na cidade de São Sebastião de Lagoa de Roça. Uma mulher do município de Alagoa Nova, fez a entrega simbólica do estandarte da Marcha para outra mulher do município de Lagoa de Roça. Este ano a marcha, reuniu mais de 5 mil mulheres em Alagoa Nova, que denunciaram a cultura do estupro e a proposta de reforma da previdência, que retira direitos da classe trabalhadora e, em especial, das mulheres do campo.
Encerrando a programação da manhã, foi feito o lançamento ainda da Campanha pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico, que na Paraíba tem a frente o GT Mulheres e Agroecologia da Articulação do Semiárido Paraibano. Foi apresentado um vídeo da campanha e feito uma rodada de debate: “Os homens dizem que ajudam, mas devem é dividir o trabalho. Porque quando dizem que ajudam, é como se fosse uma responsabilidade da mulher. As pessoas às vezes me dizem que eu tenho que agradecer pelo meu marido fazer o trabalho dentro de casa, eu não acho que devo agradecer, não. A casa é uma responsabilidade compartilhada por todos que moram nela”, disse Roselita Vitor, da coordenação do Polo da Borborema.
O lançamento regional da Campanha acontecerá em Campina Grande, no dia 21 de setembro. Serão realizadas atividades de formação sobre o tema, um kit com materiais da campanha foi entregue a cada um dos 14 sindicatos rurais presentes. O encontro foi encerrado no final da tarde com a socialização das agendas mais imediatas e últimos encaminhamentos.
O segundo dia
Veio com uma canção
Falando nas crianças
E de sua educação
Pois nas escolas do campo
Grande é a opressão
De Massaranduba
Nete e Nilda vieram falar
Da experiência do Jacu
Pra escola não fechar
O povo se uniu
E a trajetória conseguiu evitar
Ferreira de Lagoa Seca
Outra história contou
Dessa luta do fechamento
De mais uma escola evitou
Com o depoimento da comunidade
Que se mobilizou
Professora Albertina
Com seu conhecimento
Falou da educação
E o tal fechamento
Que na hora de dizer ao povo
Chamam de reordenamento
No debate
Todo mundo falou
Da escola do campo
E do seu valor
Que na comunidade
É um espaço de amor
Licença governo
Que a luta não vai parar
Se depender do Polo
E da AS-PTA
Junto com outras bandeiras
Vamos com você acabar
Mônica Cabral e Jeane Carla