Um encontro de gerações recheado de muita emoção, onde os sentimentos mais bonitos dentro de cada participante afloraram. Assim pode ser resumida a Oficina de Contação de Histórias, realizada pelo GT de Comunicação da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba), no dia 31 de outubro, na sede da AS-PTA, em Esperança, no Agreste da Paraíba. Participaram do momento cerca de 20 guardiões e guardiãs de Sementes da Paixão, como ficaram conhecidas na Paraíba as sementes crioulas, cultivadas e preservadas pelas famílias agricultoras há várias gerações.
A oficina foi facilitada por Verônica Pragana, comunicadora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA Brasil), Rejane Alves, assessora pedagógica da ASA Paraíba e Maria Amélia Silva, educadora do Serviço Pastoral do Migrante (SPM). A proposta da oficina foi, à luz da chamada “Pedagogia Griô”, buscando uma conexão com suas ancestralidades e suas identidades, criando um ambiente que propiciasse vivenciar histórias de amor e de paixão pelas sementes, fazendo com que as pessoas olhassem para as suas próprias histórias com mais generosidade.
A atividade foi uma preparação para a 7ª Festa das Sementes da Paixão, que acontecerá entre os dias 5 e 7 de outubro de 2017, em Boqueirão-PB e tem como tema: “Fortalecendo a Resistência e Celebrando a Vida no Semiárido”. As histórias foram registradas em vídeos e, com a permissão dos participantes, serão divulgadas pelos canais de comunicação da Articulação do Semiárido na internet.
No início, em círculo, foi pedido a cada participante que escolhesse uma pessoa, alguém especial, da sua ancestralidade, a quem pedir a benção para começar o dia. “Quase todos nós temos uma índia ancestral que foi pegada no mato. Vamos buscar essa índia, trazê-la para este momento”, disse Rejane Alves. “Que essa nossa busca não seja a de captura, mas a do reencontro”, complementou Maria Amélia. Ao lembrar das pessoas que contribuíram e de sua própria caminhada até ali, muitos guardiões e guardiãs foram às lágrimas. Dona Maria Isabel do Livramento Rocha dos Santos, do Sítio Pedra Grande, em Solânea-PB, foi uma delas: “Não tive a oportunidade de estudar, minha família era muito humilde. Mas hoje através desse trabalho, com o sindicato, com a minha comunidade, graças a Deus, hoje eu me sinto uma professora”, disse.
Após esse momento inicial, sentadas de maneira confortável e em círculo, as pessoas foram convidadas a fechar os olhos, respirar bem fundo e visitar dentro de si, aquelas histórias mais marcantes sobre as sementes em suas memórias: “As nossas histórias são sementes, quando elas germinam, ou seja, quando saem da nossa boca, elas têm o poder de tocar as outras pessoas e de fazerem elas refletirem sobre as suas próprias vidas. Nós fazemos um convite aqui para que a gente possa agora acessar essas histórias dentro de nós”, convidou Verônica Pragana.
Um dos primeiros a se sentir a vontade para falar foi o guardião mais idoso entre os presentes, Cassimiro Caetano Soares, o seu “Dodó”, de 80 anos, morador do Sítio Monteiro, município de Cacimbas-PB. Ele foi o criador da expressão “Sementes da Paixão”: “A semente é uma coisa que a gente tem paixão. É igual a casar com uma moça, você não casa se não tiver amor por ela. E você só tem paixão por ela porque ela é boa, que veio do seu avô, você conhece e sabe que ela é adaptada”.
Sara Maria Constâncio, do Assentamento São Domingos, município de Cubati, se emociona ao lembrar da paixão que um tio querido, Geraldo, tinha por suas sementes. Tanto que antes de morrer, lhe passou as sementes de gado e de feijão, porque sabia que ela iria cuidar e continuar multiplicando.
“Eu sou guardião da semente da fava orelha de vó. Foi uma história desde criança, meu pai dizia que cada pé de feijão que a gente arrancava, era uma lição que a gente aprendia. Essa semente foi da minha avó, ela estaria com quase 200 anos e já dizia que era da avó dela, imagina quantos anos não tem essa semente?”, se pergunta seu Joaquim Santana, do Sítio Montadas de Baixo, município de Montadas-PB.
A participante mais nova da oficina era Maria Aparecida Barbosa, de 12 anos, do Sítio Piabas, em Aroeiras-PB, mesmo muito nova, a jovem já pensa em levar adiante os ensinamentos em torno das sementes: “minha família sempre guardou sementes. Desde muito pequena eu já ia para o roçado, meu pai fazia o buraco e eu colocava a semente. Hoje trabalho com minha mãe na feira agroecológica e quero quando crescer, passar tudo isso para os meus filhos”, planeja.
Ao final do encontro, cada participante escolheu uma semente e a dedicou a uma pessoa presente, como símbolo do que foi plantado com a oficina.
Pedagogia Griô
A Pedagogia Griô é uma pedagogia facilitadora de rituais de vínculo e aprendizagem entre as idades, entre a escola e a comunidade, entre grupos étnico-raciais, saberes ancestrais de tradição oral e as ciências e tecnologias universais. Trabalha por meio de um método de encantamento, vivencial, dialógico e partilhado para a elaboração do conhecimento e de um projeto de comunidade/humanidade que tem como foco a expressão da identidade, o vínculo com a ancestralidade e a celebração da vida, segundo a descrição de Lilian Pacheco, criadora da metodologia.