Foi lançada na Paraíba, no último dia 21 de setembro, a Campanha pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico, uma iniciativa da Rede Feminismo e Agroecologia do Nordeste em parceria com o GT Mulheres e Agroecologia da Articulação do Semiárido Paraibano – ASA Paraíba. Com o lema: “Direitos são para mulheres e homens, responsabilidades também!” a campanha tem o objetivo de mostrar a realidade da divisão sexual do trabalho e discutir os desafios e opressões comuns vivenciados pelas mulheres, sejam elas camponesas, das cidades, quilombolas, indígenas, estudantes, quebradeiras de coco, pescadoras, professoras.
Com uma plateia formada por mulheres do campo e da cidade, representantes de entidades sociais, como Conselho Tutelar, pastorais sociais, coletivos feministas e gestoras públicas, a programação do lançamento teve início com uma mesa de diálogo que contou com as presenças de Chirlene dos Santos Brito, presidenta do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Campina Grande – Sintrad-CG, Elinaide Carvalho, representante da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, Jussara Costa, professora da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB e de Glória Batista, da Coordenação Executiva da ASA Brasil.
Antes de dar início à mesa, Adriana Galvão Freire, da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia e do GT Mulheres e Agroecologia da ASA, deu as boas vindas e falou sobre o surgimento da Campanha: “Ao fazer parte de uma pesquisa sobre ATER (Assistênia Técnica e Extensão Rural) e feminismo, a gente percebeu ser comum a todos os grupos e movimentos, a invisibilidade do trabalho das mulheres, principalmente no que se diz ao trabalho doméstico, então vimos a necessidade de se produzir a Campanha, mesmo sabendo do desafio que é mexer em privilégios”, disse. Foi exibido então a vídeo-animação, que mostra o cotidiano de uma família camponesa que encontrou os caminhos para a divisão justa do trabalho doméstico.
A agricultora e liderança do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Esperança-PB e do Polo da Borborema, Marizelda Salviano, deu o seu testemunho positivo: “Sou sindicalista, tenho três filhos, esposo, e eu sinto que há uma compreensão na minha família para em momentos como este, em que eu me afasto, eles estão lá, cuidando. Acho que é o entender dele de dizer ‘ela se sente feliz fazendo o que ela faz’. É você chegar em casa e sentir essa paz”.
Dando início à mesa, Chirlene dos Santos Brito do Sintrad-CG apresentou o resultado da pesquisa “Trabalho, tempo e direitos: um estudo com trabalhadoras domésticas” realizado em parceria com o Centro de Ação Cultural – Centrac. Chirlene falou ainda sobre os desafios da sua categoria e da necessidade de políticas públicas que deem o suporte necessário às mulheres: “A gente sente a dificuldade pelas creches não serem mais de tempo integral, isso gerou um grande problema para nós. Com quem vamos deixar os nossos filhos quando saímos para cuidar dos filhos do patrão? Se nós já somos remuneradas para cuidar dos filhos dos outros, como não pagar e dar os direitos para quem for cuidar dos nossos? A nossa preocupação é de ter essa segurança”, disse.
A segunda a usar a palavra foi a professora Jussara Costa, da UEPB, ela falou sobre a dificuldade de ter um país cuja realidade de desigualdade entre homens e mulheres é estruturante da sociedade e que a divisão sexual do trabalho atual é pensada para determinar que existam funções determinadas para homens e outras para mulheres e justamente as atribuídas às mulheres são as mais desvalorizadas e consideradas como não-trabalho. Elinaide Carvalho, da SEMDH, por sua vez, falou sobre o desafio de trabalhar na desconstrução e desnaturalização do papel que foi dado às mulheres na sociedade: o de mães, esposas, castas e responsáveis pelas tarefas domésticas e que é necessário, cada vez mais, trazer para essa discussão os homens, para que eles sejam sensibilizados, não só pelas mulheres.
Glória Batista encerrou a rodada de falas e aproveitou a oportunidade para denunciar o corte de 92% do Governo Federal no Programa de Cisternas, que segundo ela, é uma das políticas mais importantes para a garantia da qualidade de vida e autonomia das mulheres no campo. “Temos um programa que acaba de ser premiado como a segunda melhor política pública do mundo no combate à desertificação e que ao mesmo tempo sofre desse corte brutal. Nós sabemos que por muitos anos o papel das mulheres na agricultura foi invisibilizado. O mundo do trabalho da mulher é muito intenso, muito forte, e se a jornada de trabalho fora de casa é igual, porque o trabalho dentro de casa de homens e mulheres deve ser diferente? A gente precisa virar esse jogo e essa Campanha é uma enorme contribuição neste sentido”, finalizou.
Após a mesa houve uma rodada de debate, à partir das provocações das debatedoras. Maria Suelma Tavares, é conselheira tutelar do município de Massaranduba-PB há um ano e nove meses, ela compartilhou um pouco da sua percepção na lida diária: “Dentro da atuação no Conselho, a gente vê muito claro a omissão dos homens com relação aos cuidados com os filhos”, avaliou.
Intervenção de rua
Na parte da tarde, aconteceu na Praça da Bandeira, no Centro de Campina Grande, uma intervenção artística de rua, com ciranda, apresentação teatral, falas públicas e testemunhos. O Grupo de Teatro Amador do Polo da Borborema usou a arte em uma encenação que mostrou a história de Rita e Antônio, um casal que por meio do diálogo, conseguiu dividir as tarefas dentro de casa.
A agricultora Maria de Fátima Silva Santos, de 57 anos, do Sítio Pedra D’água em Juazeirinho-PB, falou sobre a sua experiência de vida: “Eu já nasci trabalhando. Na minha casa eram nove homens e duas mulheres. Minha mãe tirava o leita da vaca e eu ia preparar o café para uns 20 trabalhadores e de oito horas da manhã, ai de mim, se não estivesse no roçado. Quando casei, foi a mesma coisa. Mas eu cansei, que vida era aquela, só de trabalhar? Eu já adulta, voltei a estudar, coisa que meu pai não me permitia fazer. Hoje não dependo do meu marido ele que depende de mim”.
A campanha surgiu como resultado do processo de construção coletiva da Pesquisa Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), Feminismo e Agroecologia, desenvolvido entre os anos de 2014 a 2017, que reuniu uma diversidade de mulheres de todos os estados do Nordeste. Como um dos frutos dessa pesquisa, surgiu a Rede Feminismo e Agroecologia.