Cerca de 120 mulheres de todos os estados da região Semiárida estiveram reunidas, em Natal, Rio Grande do Norte, entre os dias 6 e 8 de novembro de 2017, no Encontro Mulheres do Semiárido, promovido pelo Centro Feminista 8 de Março (CF8) e pela Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA Brasil).
O encontro foi uma oportunidade para as mulheres reafirmarem seu lugar na construção do projeto político que desejam para a região onde vivem, um projeto que valorize o saber e a contribuição das agricultoras, verdadeiras guardiãs da biodiversidade, com políticas públicas que atendam às suas especificidades, além de um espaço para discutir estratégias de enfrentamento aos desafios atuais, a exemplo da superação do machismo e da violência: “Estamos passando por uma crise política muito grande no Brasil, e a gente precisa, mais do que nunca, estarmos juntas, discutindo maneiras de nos fortalecer enquanto mulheres agricultoras. Precisamos estarmos unidas e fortes para mudar essa realidade”, afirma Elisete Pereira da Silva, agricultora e liderança do estado de Pernambuco.
Convidada da mesa temática “Do combate a seca à convivência com o Semiárido: mulheres rurais e a mudança de paradigma”, Glória Araújo, da Paraíba e da Coordenação Nacional da Articulação no Semiárido Brasileiro, falou sobre as mulheres na construção de uma nova visão da região semiárida: “A visão dominante olhava o Semiárido a partir de suas limitações, invisibilizava e desvalorizava as mulheres, pois essa visão sempre esteve assentada no patriarcado. Por isso, o lugar das mulheres na agroecologia precisa ser demarcado. Não estaríamos construindo esse projeto político se não considerassemos a resistência, a resiliência e as experiências das mulheres”.
Na manhã do seu segundo dia, o encontro discutiu a auto-organização das mulheres e suas estratégias. A agricultora e liderança do Polo da Borborema, da Paraíba, Roselita Vitor, apresentou a experiência da “Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia” realizada há 8 anos pelo Polo em parceria com a AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia. Roselita falou sobre a rede de 1.300 agricultoras experimentadoras, de cerca de 60 comunidades articuladas pelo conjunto de 14 sindicatos rurais do Polo da Borborema e como através de uma leitura compartilhada da realidade, fortalecendo o papel da mulher como protagonista dos processos de construção do conhecimento, foi possível superar o isolamento dessas agricultoras e enfrentar a violência, em uma rede de solidariedade e acolhimento às mulheres vítimas. “A nossa Marcha é uma expressão deste trabalho, nela construímos estratégias de superação e denunciamos a violência. A afirmamos que não é possível tolerar a violência, não podemos viver pela metade, queremos viver integralmente”, disse.
Os constantes retrocessos do atual governo brasileiro, que impactam de forma dramática a vida das mulheres, foram alvo de reflexão durante as falas e os debates: “Não estamos mais no tempo das políticas públicas e de parceria com o Estado, que está para ser denunciado por nós. Precisamos reforçar a resistência, pensar estratégias de lutas com autofinanciamento e reorganização dos territórios a partir da agroecologia, da reforma agrária e dos fundos rotativos”, afirmou a pesquisadora, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e militante da Marcha Mundial das Mulheres, Andrea Butto.
Na tarde do segundo dia, as mulheres se dividiram em grupos para trocar conhecimentos sobre boas experiências de convivência e feminismo a partir de relatos de diversas comunidades. A roda funcionou em formato de carrossel, quando os grupos vão girando até percorrer todos os espaços fixos onde cada experiência está sendo contada. Foram apresentadas cinco experiências de agricultoras sobre os temas: Manejo da Caatinga, Reuso de água, Comunidades Tradicionais, Produção de Alimentos, e Assistência Técnica e Extensão Rural/Fomento.
Uma feira de produtos e experiências das mulheres serviu como espaço de troca de saberes e de comercialização de alimentos beneficiados, artesanato e sementes. A noite foi animada pela cantora potiguar Gabi Cruz e banda.
Encerrando a programação, uma mesa discutiu as perspectivas e as tarefas a partir dos desafios colocados. “Um dos princípios do feminismo é transformar o pessoal em político. O que acontece entre quatro paredes, na nossa casa, é político na luta das mulheres. É ali que incide a opressão, a divisão sexual do trabalho, as caixinhas que enquadram as meninas e os meninos. Isso precisa ser visibilizado. Precisamos modificar a estrutura capitalista e patriarcal a partir daí”, destacou Valquíria Lima, da coordenação executiva da ASA Brasil pelo estado de Minas Gerais.
Alguns dos compromissos levantados foram: a construção de uma agenda de lutas conjunta das mulheres da região; a ampliação da Campanha pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico para o nível nacional; a criação de um grupo de animação feminista no âmbito da região de atuação da ASA Brasil e o levantamento dos nomes de mulheres que contribuíram e seguem contribuindo com a agroecologia no Brasil, memória que será reconstruída durante todo o processo de preparação do V Encontro Nacional de Agroecologia, que acontecerá em 2018.
Foi feita a leitura da carta política que trouxe a denúncia das várias opressões que atingem as mulheres do semiárido e um conjunto de propostas de lutas unificadas. O encontro chega ao fim ao som do lema “As mulheres são a resistência, sem feminismo não há convivência”. A certeza que fica é a necessidade da organização para a construção de um outro semiárido.
Leia aqui a Carta Mulheres do Semiárido