Como parte do processo preparatório para a IX Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, as lideranças mulheres do Polo da Borborema, uma articulação de 14 sindicatos de trabalhadores rurais da região da Borborema na Paraíba, realizaram, no dia 01 de março de 2018, uma atividade de formação sobre gênero, sexualidade e diversidade sexual. Cerca de 100 agricultoras, dos 14 municípios onde o Polo atua, participaram da atividade, que aconteceu na cidade de São Sebastião de Lagoa de Roça, a mesma que receberá no dia 08 de março a 9ª edição da Marcha.
A formação contou com a facilitação de Leandra Cardoso, gerente operacional de políticas Intersetoriais e Lúcia Moraes coordenadora das Unidades Móveis de Atendimento à Mulher, ambas da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (SEMDH). Leandra iniciou tratando dos conceitos de “Igualdade”, “Equidade”, “Machismo”, “Feminismo” e “Gênero”, este último, segundo ela, foi elaborado para evidenciar que o sexo anatômico (pênis/vagina) não é o elemento definidor das condutas humanas. “Mulheres e homens são produtos da realidade social e não decorrência da anatomia de seus corpos. É a cultura que constrói o gênero, simbolizando as atividades como ‘masculinas’ ou ‘femininas’, em uma educação machista e sexista que prende as mulheres a um lugar de subalternidade, o que começa desde a descoberta do sexo dos bebês, a dividir um mundo para os homens (mais amplo e cheio de possibilidades) e um outro para as mulheres (restrito ao domínio do lar e das tarefas do cuidado)”, disse.
A educadora também falou sobre o feminismo e sobre o movimento recente de como defensores da ideologia que constrói papeis de determinação das condutas de homens e mulheres, tentam enganar as pessoas com uma terminologia de “Ideologia de Gênero”: “Se você compreender o conceito de gênero, vai ver que não existe ‘ideologia de gênero’, o que existe é um conjunto de ideias, entranhadas na nossa cabeça sobre o que é ser homem e o que é ser mulher, hierarquizando as diferenças, transformando-as em desigualdade social. A estratégia é fazer não sermos feministas, não questionar essa desigualdade e manter as coisas como são”.
Diversidade Sexual
As participantes do encontro conheceram ainda os conceitos relativos à diversidade sexual como os homens ou mulheres transgêneros e cisgêneros, os gays, as lésbicas e os bissexuais e, por fim, as diferenças entre identidade sexual (como a pessoa se vê e se sente), o sexo biológico (pênis/vagina), a orientação sexual (com quem a pessoa gosta de se relacionar afetiva e amorosamente) e a expressão de gênero (como a pessoa gosta de se vestir, de se apresentar). As mulheres presentes tiraram suas dúvidas a partir de exemplos do dia a dia, como a figura da cantora “Pablo Vittar”: “Quando está vestida como mulher, pronta para se apresentar ela é a artista, já quando não está vestido assim, ele é um homem gay, que se relaciona com homens, temos que compreender que ela é uma personagem dele. O que acontece é que a nossa sociedade tende a nos separar só nas duas caixinhas (homem-mulher-héteros-cis)”, pontuou Leandra.
Sexualidade, cuidado e prevenção
De acordo com Leandra, a sociedade machista e sexista produziu uma cultura que controla o corpo e a sexualidade das mulheres, em detrimento do dos homens, de tal forma que no espaço do evento, ao serem perguntadas se já se olharam no espelho nuas para observarem as suas genitálias, muitas mulheres se sentiram extremamente constrangidas ao responder. A facilitadora levou para o espaço da reunião moldes e próteses dos órgãos sexuais e, de forma descontraída, explicou os métodos preventivos as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), os preservativos feminino e masculino, mostrando a forma correta do uso e os cuidados necessários a cada um, bem como ter acesso a eles através da rede pública de saúde.
Diversas agricultoras se manifestaram sobre a necessidade e a importância de momentos esclarecedores como este. “Deu para entender um pouco mais e saber coisas que a gente até então não sabia”, avaliou Maria José da Silva, de Montadas-PB. “Essas experiências mostradas aqui são muito válidas”, comentou Márcia Patrícia, de Queimadas-PB.
A agricultora Maria das Graças dos Santos, do Sítio Manguape, em São Sebastião de Lagoa de Roça, contou que foi casada 15 anos e teve um grande susto ao descobrir, 15 anos após a separação, de que seu marido faleceu com HIV : “Essa coisa de os homens dizerem que usar camisinha é chupar bala com papel é muito sério. Meu ex-marido era um desses, ele sempre me traiu e, mais tarde, por ele não se prevenir, contraiu uma doença e morreu há dois meses. Aí você vê a importância de se proteger, hoje ele está morto e eu estou aqui viva e com saúde”, relata a agricultora, que felizmente constatou que não foi infectada e nem os seus dois filhos que teve dessa união.
A Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia é uma iniciativa do Polo da Borborema e da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, entidade que assessora o Polo há mais de 20 anos. Há nove anos, as camponesas da região ocupam as ruas no dia 8 de março para denunciar a violência contra a mulher, bem como para reafirmar o papel histórico das mulheres agricultoras na produção de alimentos. Em sua 9ª edição, a Marcha vem aprofundando a problemática da onda conservadora que o país enfrenta e de que forma ela recai sobre a vida das mulheres, tratando sobre as questões tratadas nesta formação além de temas como a divisão do trabalho doméstico. Todos os anos, dezenas de reuniões de preparação como esta são realizadas em centenas de comunidades dos municípios da região.