No segundo dia (27) do intercâmbio dos 20 campesinos e campesinas e de representantes de organizações de apoio à agricultura familiar da Guatemala, El Salvador e Honduras, incluindo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a tônica foi a mudança em curso nas relações de poder a partir do processo de empoderamento das mulheres e jovens rurais.
Os visitantes foram para Esperança (PB), um dos 14 municípios que compõem o Polo da Borborema, uma articulação de sindicatos rurais e organizações de apoio à agricultura familiar no território da Borborema, na Paraíba.
Pela manhã, visitas a propriedades de famílias agricultoras que convivem com o Semiárido a partir de estratégias e tecnologias que os deixam cada vez mais autônomos com relação aos recursos que precisam para viver e produzir, como água, sementes crioulas – na Paraíba, chamadas de sementes da paixão – biogás, alimentos para os animais, etc. Uma das famílias vivencia o dilema da sucessão rural.
Com os pais ficando velhos e os primeiros cinco filhos saindo do campo para viver na cidade, os três mais novos escolheram ficar no lugar em que nasceram e viveram por vislumbrarem condições para isso. Um dos filhos, Delfino, tem assumido o manejo da propriedade encorajado pelos conhecimentos que está adquirindo através de sua participação no grupo de jovens do Polo da Borborema e nas capacitações promovidas pela organização ASPTA, que faz parte da ASA.
Atualmente, o casal Delfino e Denyse, com 21 e 22 anos, respectivamente, produzem na área do pai dele, mas já adquiriram um pedaço de terra. Eles também estão a espera do primeiro filho e comercializam em feiras agroecológicas do território e também para vizinhos da sua comunidade.
Após o almoço, houve uma apresentação sobre a ação articulada dos sindicatos rurais no território da Borborema precedida de uma contextualização da ocupação histórica da região e da luta pela reforma agrária iniciada na década de 1980. “O Polo é um ator que deve lutar por políticas públicas”, assegurou Roselita Victor da diretoria desta articulação.
A atuação em rede se expressa na defesa do direito à água, às sementes crioulas e tantos outros que constroem soluções regionais para os complexos desafios que enfrentam. Para a conservação e multiplicação do estoque de sementes crioulas das famílias, que enfrenta a ausência de políticas públicas adequadas a sua conservação e a pressão das indústrias internacionais de sementes geneticamente modificadas, se construiu desde 1993 uma rede de sementes que, atualmente, possui 62 equipamentos com um estoque estimado de quase 13 toneladas de sementes da paixão, como são chamadas pelos agricultores e agricultoras familiares da Paraíba. Há de se considerar que a região passa por uma seca de seis a sete anos que faz com que muitas sementes não vinguem no plantio.
A programação da tarde foi completada com a apresentação dos movimentos de mulheres e jovens do Polo e com o trabalho que está construindo novas possibilidades de mercado para os produtos da agricultura familiar como as feiras agroecológicas.
“Os jovens são o presente, não o futuro. Escutava o que eles falavam sobre o reflorestamento porque sem árvores não há vida. E o que o grupo de jovens está fazendo é muito importante”, declara Berta Alícia Peres, uma agricultora da Guatemala, ao microfone, à noite, no intervalo do trio de forró. “Como mulheres somos a luta. Somos o avanço. Sentamos e nos levantamos. Temos que ser a base principal. Onde há mulheres, há vida. Somos valentes, com capacidade e iniciativa”, assegura com firmeza Gloria Diaz, um pouco depois de Alícia.
De forma espontânea, elas trouxeram para um momento de descontração do grupo sínteses do que vivenciaram no dia e se destacaram para elas a partir de suas experiências de vida. Berta faz parte de um grupo de mulheres em Chiquimula com 162 integrantes.
Horas mais cedo, após a conhecer um pouco do movimento das mulheres e dos jovens no Polo da Borborema, Edwin Escoto, da organização Vecinos Honduras, fez algumas perguntas a si próprio com relação a momentos do dia que evidenciam um pensamento machista. “Por que na propriedade de Delfino, as perguntas eram direcionadas ao homem quando a esposa estava lá também para respondê-las? Aqui o machismo não é tão forte quanto no Centroamérica. É muito difícil o envolvimento dos jovens e das mulheres, quando as mulheres são as que mais participam da agricultura. Como aprendemos a reconstruir as relações de gênero?”, elabora buscando caminhos para trabalhar com estas questões diante da realidade de Honduras.
Fonte: www.asabrasil.org.br
Texto: Verônica Pragana/ASACom