A AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia em parceria com o Polo da Borborema realizou, nos dias 30 de novembro e 01 de dezembro, em Areia-PB, o I Seminário sobre Educação Contextualizada. Participaram do evento cerca de 60 educadores, entre eles gestoras escolares, professores e professoras, de 17 escolas rurais de seis (Alagoa Nova, Arara, Esperança, Remígio, Lagoa Seca e Solânea), dos 13 municípios onde o Polo da Borborema, uma rede de sindicatos de trabalhadores rurais, atua há mais de 20 anos com a assessoria da AS-PTA.
Maria Denise Pereira, assessora técnica do Núcleo de Infância e Educação da AS-PTA falou sobre os objetivos do evento. “Estamos aqui hoje debatendo a educação do campo porque existe um trabalho de fortalecimento da agricultura familiar neste território. Portanto, o que vamos fazer aqui estes dois dias vem no sentido de fortalecer o que a gente já faz”.
Denise se referiu ao trabalho da “Campanha de Fortalecimento da Vida na Agricultura Familiar”, desenvolvida pelo Polo e pela AS-PTA desde 2002, junto a crianças, filhos e filhas de agricultores da região da Borborema. A principal ação da Campanha são as “Cirandas da Borborema”, dias de vivências e brincadeiras realizados em mais de 50 comunidades rurais duas vezes ao ano, em equipamentos das comunidades como sedes de associações, igrejas ou escolas, com a proposta de aprofundar com crianças e adolescentes temas da realidade da agricultura familiar que já são debatidos por seus pais nos momentos de formação promovidos pelos sindicatos do Polo.
Nos últimos quatro anos, as Cirandas da Borborema, antes conhecidas como mutirões, vêm envolvendo com mais intensidade as escolas das comunidades onde a atividade acontece, movimentando a comunidade escolar em torno de temas importantes como: a diversidade, o tratamento adequado do lixo, a prevenção ao abuso sexual, a gestão da água na comunidade, na escola, a importância das abelhas, das sementes, da alimentação saudável, os direitos e deveres de meninos e meninas e a própria valorização da escola do campo. A aproximação maior com as secretarias de educação dos municípios aconteceu por meio das formações proporcionadas pelo Programa Cisternas nas Escolas, desenvolvido pela AS-PTA e pelo Polo na parceria com a Articulação do Semiárido Brasileiro, onde foi possível problematizar questões da educação no campo.
“Nós acreditamos que a vida é feita de aprendizados. Nesse sentido, trabalhamos pelo reconhecimento e emancipação dos diversos sujeitos sociais desse território: as mulheres, a juventude camponesa, como pessoas que são detentoras de conhecimento e vem, mesmo sendo invisibilizados há muitos anos, construindo a nossa biodiversidade e segurança alimentar. E esses sujeitos não estão isolados, dentro da Rede de Educação do Campo da Borborema vimos pensando a escola do campo como um espaço de valorização da agricultura familiar” disse Roselita Vitor, liderança do Polo da Borborema do município de Remígio ao fazer uma fala explicando o que é o Polo e um pouco sobre o trabalho que realiza junto com a AS-PTA.
Seguindo com a programação do Seminário, houve a apresentação das experiências de três escolas municipais de ensino fundamental do campo: Escola Antônio Coelho de Carvalho, Sítio Timbaúba, Esperança-PB; Escola Manoel Joca, Sítio Gravatá-Açú, Remígio-PB; Escola José Ferreira de Melo, Sítio Riacho Fundo, Arara-PB. Cada uma apresentou sua experiência na construção da educação contextualizada e de que forma a parceria com as Cirandas da Borborema potencializou a proposta da escola e seu processo de ensino-aprendizagem. Foram apresentados exemplos de como se conseguiu fortalecer a autoestima e a identidade das crianças, ajudando-as a reforçar o vínculo com o local onde moram, valorizando os sujeitos que vivem no campo e os ajudando a enfrentar os preconceitos, além de despertar nas crianças a responsabilidade na preservação ambiental.
“A sensação que eu tive (após ver as três experiências) foi a de fechar os olhos e me imaginar na minha escola, vivendo estas experiências. E o aprendizado que eu levo é o de que a gente pode fazer mais. E a escola que ainda não faz isso, pode começar a fazer já”, disse a supervisora escolar Priscila Queiroz, do município de Solânea, durante o momento de partilha das impressões sobre as experiências apresentadas.
Convidada pelo evento, Ana Célia Silva Menezes, professora de Licenciatura em Pedagogia do Departamento de Habilitação Pedagógica da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Campus João Pessoa, falou sobre os marcos normativos que regem a educação do campo no país e sobre conquistas como: um currículo referenciado na realidade dos povos; escola do campo, no campo e com estrutura; formação de educadores do campo; materiais didáticos referenciados no campo e cursos de pós-graduação para educadores do campo.
Outro assunto abordado foram as classes multisseriadas, trazendo seus elementos históricos, experiências, desafios e possibilidades. Este suscitou um intenso debate entre os educadores, que relataram o contexto de dificuldades que enfrentam com as turmas multisseriadas: “Até que ponto estamos seguros a respeito dos princípios da diversidade, da diferença e da pluralidade que tanto falamos aqui hoje, se afirmamos que as salas multisseriadas são impossíveis por que são diferentes? Não é na pluralidade que existe o diálogo entre os diferentes, como um elemento pedagógico? Provocou. “Já vi experiências onde as crianças aprendiam a ler mais rápido justamente pela convivência com as que já liam”, continuou.
De acordo com a especialista, que também faz parte da Rede de Educação do Semiárido – Resab, talvez a causa dos problemas vivenciados pelas turmas multisseriadas não seja o fato de serem ‘multi’ (desde que dentro de um mesmo nível) e sim, a lógica das séries. Ela acredita que o que em alguns casos ocorre, e não deveria existir, são as salas ‘multiníveis’, professores tendo que dar conta de diferentes níveis de ensino dentro de uma mesma sala.
Ela exemplificou com experiências onde os níveis são organizados por ciclos e não por séries, diminuindo assim a burocracia de um professor do multisseriado ter várias cadernetas para preparar. “Alguns autores afirmam que o currículo é uma tradição inventada, se é inventada, nós podemos reinventar. Não podemos pensar que este é o único de jeito de fazer e nem usar essa problemática como discurso para justificar o fechamento da escola rural”, afirmou Ana Célia.
O segundo e último dia de programação, foi dedicado à construção de um planejamento coletivo das Cirandas da Borborema e das escolas do campo. Divididos em grupos por municípios, os educadores refletiram sobre como acontece o planejamento e o processo de formação das suas escolas e quais os caminhos para o fortalecimento dessa interação entre o movimento social do campo no território da Borborema e as escolas do campo.
Em uma rodada de impressões sobre o que foi apresentado, os participantes comentaram sua visão geral: “Eu observei que nos municípios não há uma educação pensada para o campo, mas uma educação rural, com coisas copiadas da cidade e transplantadas no campo”, avaliou Adelma Maria Guimarães, professora da Escola Severino Bronzeado, Sítio Lagoa do Jogo, em Remígio-PB. “A minha dificuldade é que falta uma formação específica para se trabalhar com as escolas do campo. Eu hoje coordeno 15 escolas do campo, infelizmente só duas estão aqui presentes, se todas estivessem em um evento como este, seria muito bom”, é o que pensa Veridiana da Costa Duarte, coordenadora das escolas do campo do município de Esperança-PB.
“Nós temos uma responsabilidade, se a gente não pautar estas questões nos momentos de formação, nos momentos de planejamento nos municípios, não vamos conseguir transformar nada”, comentou Manoel Roberval da Silva, da coordenação da AS-PTA.
O I Seminário de Educação Contextualizada conta com o financiamento das entidades de cooperação internacional Kindermissionswerk e Action Aid, que apoiam o trabalho do Núcleo de Infância e Juventude da AS-PTA em parceria com o Polo da Borborema.