Na manhã de quarta-feira (12), uma audiência pública reuniu mães, pais, estudantes, professoras primárias e universitárias, gestoras, vereadores, representantes do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Lagoa Seca, Polo da Borborema e da AS-PTA para debater sobre o fechamento das escolas do campo no município. A audiência pública foi uma propositura do Vereador Nelson Anacleto (PSB-PB) que presidiu a sessão.
Uma mesa foi composta por representantes do legislativo de Lagoa Seca, especialistas no tema da educação, representantes de movimentos sociais, secretário municipal de educação e pais e mães de alunos camponeses. Ao abrir a sessão, Nelson Anacleto lembrou da importância das escolas do campo, ao trazer da sua experiência pessoal, chegando a caminhar até sete quilômetros para poder terminar o estudo primário e relembrou a luta pela conquista das escolas.
Iniciando o debate, frente a uma casa cheia de mães atentas, Nelson Ferreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Município trouxe a importância da educação para a categoria, relembrando o elevado índice de analfabetismo no campo. Lembrou que as escolas do campo são resultado recentes de uma longa luta dos movimentos sociais, que iniciou ainda nas ligas camponesas, e afirmou que o Sindicato do município sempre se colocou ao lado da melhoria da educação. “Trabalhamos muito na melhoria da infraestrutura das escolas, lutamos junto com as professoras por uma melhor remuneração, e o sindicato não parou por aí, trazendo o projeto Cisternas nas Escolas, fizemos estudos da agricultura, construímos mapas, dados secundários, facilitamos a educação informal e contribuímos na afirmação da identidade rural, na medida em que fortalecemos a realidade do campo. Para encerrar, gostaria de chamar atenção que nós do sindicato nos pronunciamos duas vezes para o atual gestor que somos contra o fechamento das escolas. É um ato violento. Quando fechamos as escolas, fechamos a comunidade, fechamos o conhecimento”.
Rita de Cássia Cavalcante, professora da Universidade Estadual da Paraíba, Campus II trouxe dados indicando que no Nordeste se encontra a maioria (70%) das crianças de 7 a 14 anos sem acesso a escola do campo. E disse: “Aqui espero que a gente não discuta o fechamento, mas sim o acesso dos alunos à educação. Precisamos discutir a qualidade, a formação dos professores, ao invés de debater fechamento. As escolas precisam ser melhoradas e não penalizadas com o seu fechamento. A maioria dos meus alunos de Lagoa Seca que está fazendo técnico vem do campo. E eles querem voltar para o campo. Como vamos fazer se queremos fechar as escolas? Para onde irão esses meninos? A gente não quer voltar a história de antes, quando colocávamos as crianças em pau de arara, não queremos voltar a esse tempo”.
Roberval Silva, professor de História e da coordenação da AS-PTA, lembrou para os presentes que a educação é um direito humano. “Precisamos refletir sobre os direitos das pessoas, é uma reflexão anterior ao debate do fechamento das escolas. Não podemos perder a história de que a educação do campo teve sua origem numa luta enorme para conseguir com que os camponeses tivessem o direito de ter uma educação onde moram. O privilégio sempre foi para organização da escola urbana. Ainda hoje temos muitas dificuldades na grade curricular e na formação dos professores. Sabemos que o campo é diverso, assim como é também a agricultura e as pessoas que nele vivem. A educação precisa valorizar a identidade e o local das pessoas. Na medida em que estimulamos o fechamento e a nucleação, tiramos o direito das pessoas pensarem o seu local e o seu lugar”.
A representante do Comitê Estadual de Educação do Campo na Paraiba e do Fórum Estadual de Educação (FEE-PB), Adelaide Pereira da Silva, comentou sobre o fato de pela primeira vez encontrar uma situação onde um órgão que seria trincheira de luta pelos direitos humanos, é mesmo que está propondo o fechamento das escolas. “Estou num ambiente para debater sobre o fechamento das escolas, e me deparei com a questão que pelo que entendi, pelos pronunciamentos dos vereadores e do secretário, que não é o governo local que está querendo fechar a escola, mas sim o ministério público que está determinando. Foi assim que entendi. É a primeira vez que me deparo com a situação que o setor que usávamos para pedir ajuda na luta, para fortalecer a escola no campo, é o espaço que está colaborando para que esse direito seja retirado. Queria trazer para o conhecimento de todos vocês a nota técnica do Dr. Allen Borges, que com competência fez uma justificativa pela qual, juridicamente, não se pode simplesmente fechar escolas do campo. Queria ainda lembrar que quando nós lutados pela manutenção da escola no campo, nós não estamos lutando simplesmente pelo prédio, mas por um projeto de nação brasileira. A escola do campo não é só espaço de aprendizagem, ela é responsável pelo fortalecimento da agricultura familiar camponesa, pela construção da agroecologia”.
O momento mais comovente da audiência foi protagonizado pela agricultora Denise, mãe de dois filhos e moradora da comunidade do Amaragi. Numa fala bastante emocionada, ela conseguiu argumentar sobre o papel da escola da sua comunidade, a dificuldade com o nucleamento ou o fechamento para que as crianças pequenas possam estudar, a dificuldade do transporte, o sucesso educacional de sua filha, a importância da agricultura e do respeito ao modo de ser desse sujeito e da sua vontade de lutar pelo direito de seus filhos. “Nós somos pessoas que não temos condições financeiras muito grandes, mas nós temos dignidade. E nós conseguimos isso através sabe do quê? Da Educação. Quando eu comecei a estudar eu aprendi os meus direitos e deveres e hoje estou cumprindo os meus deveres, como indo as reuniões quando tem na escola, estando lá junto com os professores, e nós temos uma escola de qualidade”. E continua: “Eu trabalho na universidade vendendo frutas e eu escutei um rapaz falar, ele era do campo e faz faculdade e ele disse: Olhe Denise, o lugar de agricultor é onde ele quiser. Então os meus filhos têm o direito de escolher, assim como eles tem o direito de aprender para usar o que aprenderam no campo”.
Adriana Galvão Freire, assessora da AS-PTA, apontou três questões para o debate, o papel das salas multisseriadas para a democratização do ensino no campo; os valores imateriais associados às escolas e que precisam ser computados no momento em que os gestores fazem estudos sobre a viabilidade econômica das escolas e sobre a associação do debate do fechamento das escolas ao enfrentamento da violência. “Não podemos permitir que um instrumento criado para democratizar o acesso à escola, que são as salas multisseriadas, serem agora o instrumento utilizado no seu fechamento. As salas multisseriadas existem em outros países, inclusive os ditos desenvolvidos, construindo escolas de excelência e aqui não podem ser a justificativa para fechar as escolas de uma população que foi historicamente excluída”.
No fechamento da audiência pública, o Secretário Municipal de Educação, José Walter, afirmou que não era projeto do poder municipal fechar as escolas e justificou que os movimentos feitos nas comunidades estavam respondendo as demandas levantadas pelo ministério público. “Nosso município é rural, não temos pretensão de fechar escolas. Nossos professores são bem remunerados. Investimos na formação dos professores. Nesse levantamento, vimos que 402 alunos vão para a quinta série. Faço aqui um apelo para as mães, para o Sindicato e para a AS-PTA de estimularem a matrícula das crianças nas escolas do campo”.
Ao reafirmar a importância do debate, o vereador Nelson Anacleto encerrou a sessão com o chamamento para nova audiência pública com a presença do Promotor, que já foi agendada pelo vereador Marcondes para fevereiro de 2019. Em um exercício de cidadania, pais e principalmente as mães, sentiram-se reconfortadas por não se sentirem sós. “Juntos nós temos forças. Muitas vezes fizemos reuniões com os pais e eles falavam que esse espaço era só para os grandes. E eu disse, grande para mim só tem um que é Deus. Aqui estão os representantes que estão para nos apoiar”, avalia Denise.
Entrevista – Mãe de alunos da rede municipal de Lagoa Seca-PB concede entrevista à Cláudia, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Lagoa Seca para o Programa Nossa Terra Nossa Vida, do Polo da Borborema.
Cláudia – Boa tarde, Denise. Estamos aqui hoje para conversar um pouquinho sobre a nucleação das escolas do campo. Denise, eu gostaria de saber de você, como ficou sabendo da nucleação da escola onde seu filho estuda?
Denise – Boa tarde, todo final de ano a gente faz uma reunião com a diretora para ver como será o final de ano, para nos organizarmos e ela passou para gente que teve uma reunião com ela, e que nessa reunião falaram para ela amadurecerem a ideia de nuclear a escola. Então nós ficamos muito preocupados com o amadurecimento dessa ideia porque depois dela amadurecida, eles passarem para gente engolir. E nós não vamos engolir essa nucleação porque isso é muito ruim pra gente.
Cláudia – Denise, se houver essa nucleação o que você acha que vai representar para os pais dos alunos?
Denise – Vai ser muito ruim para os pais porque nossos filhos vão ficar sem acesso à escola. Falam em trazer transporte pra cá, mas como é que pais com crianças de 3 ou 4 anos vão mandar essas crianças pra lá? Eles não vão querer mandar. Muitos pais já falaram que vão colocar seus filhos nas escolas só quando eles tiverem 7 ou 8 anos, porque são crianças pequenas, são crianças que para a gente colocar no ônibus é muito difícil, porque são crianças que vão precisar de um auxílio, então isso é muito ruim. As nossas crianças do campo vão ficar sem escola. Também no período de chuva, aqui as estradas são de barro vermelho, não passa carro, não vem transporte, e como a gente vai fazer no período de chuva? Já é difícil para gente chegar aqui na escola, quanto mais para uma localidade mais distante. Eles não vão conseguir, com isso eles vão perder muitas aulas e isso vai dificultar a aprendizagem deles mais ainda.
Cláudia – E como vai ficar a comunidade nesse caso de fechamento das escolas?
Denise- Eu fico muito preocupada porque nossa escola tem uma estrutura muito boa, ela é uma escola que parece escola particular, e isso foi muito difícil de conseguir. E eu acho um absurdo porque pessoas lutaram por essa escola e é uma escola que já tem quase 100 anos. Então é muito prejudicial para gente. Isso eu acho um absurdo. Uma escola boa, com boa estrutura ser deixada as traças por que isso pode fazer o que? Vão o que, derrubar a escola? Ou vai simplesmente deixar a escola aí que até fica ruim pra gente porque pode se tornar um ponto de droga, pode se tornar um ponto de prostituição e como a gente vai ficar? Nossa segurança vai ficar abalada.
Cláudia – Quantos anos seu filho tem e o que ele acha de sair dessa escola para outra?
Denise – Meu filho tem 9 anos, Cláudia. E ele não quer sair da escola. Minha filha tem 11 anos e esse ano ela foi para a escola de Lagoa Seca porque só tem o sexto ano lá, ela também chorou muito antes de sair daqui, para você ver o amor que eles têm por essa escola eu acho injusto isso porque eles são crianças que são pequenas e estão acostumado aqui na sua localidade. Nós pais podemos estar lá sempre presentes, perguntando do comportamento deles, interagindo com os professores que eu acho isso fundamental. E fico muito preocupada, e se o ônibus quebra no caminho? Como vão ficar as crianças pequenas? Eles vão chorar por suas mães. E como eles vão lidar com essa situação. Então é uma coisa que não sou só eu, mas todas as crianças estão preocupadas com isso. Eles são crianças do seu setor para serem jogadas em outro setor, como se eles fossem o que? Como se eles fossem simplesmente um objeto que você tira do campo e coloca no outro. E nós não somos! Nós somos agricultores, nós temos o direito porque a lei assegura que a gente tem que colocar as crianças numa escola mais perto, então acho que isso aí vai contra as leis. Então eu acho isso um absurdo, não só com a gente da comunidade, mas também com todos os moradores da região porque essa escola tem uma estrutura muito boa, como já falei. Tirar uma escola dali, fechar uma escola dali, para colocar noutra localidade é pra a gente uma afronta. Nós somos agricultores, nós temos nossos direitos e nós queremos educação para ter um futuro melhor para nossos filhos. Para que eles também tenham amor pela agricultura, para que eles fiquem aqui. Então não acho justo a gente ficar lidando com crianças, como se a gente tivesse lidando com objetos. Tirando os direitos deles. Assim como nós temos direitos e deveres, – e a gente está fazendo os nossos deveres de pais, participando da escola, participando da educação – nós também queremos que as autoridades também cumpram com seus direitos nos protegendo.
Cláudia – Denise, o que você achou da audiência pública realizada na última quarta-feira?
Denise – Achei muito boa. Fiquei muito feliz pois abriram oportunidade para nós pais falarmos, porque até então tem aquele medo dos pais falarem com as autoridades, eu acho que isso é uma coisa que deve ser cortada porque eles estão ali para nos representar, então acho que tem que ter um diálogo de nós pais, da comunidade, com as autoridades. Também fiquei um pouco triste porque teve algumas falas que colocaram como se tivesse tido terrorismo para gente. Mas em momento algum aconteceu isso. Fomos nós pais que nos reunimos e chegamos num acordo, pois dissemos assim: meu Deus o que a gente vai fazer? Então, eu junto com os demais pais procuramos o sindicato para eles nos orientar, porque aqui na nossa comunidade a gente já tem um grupo de mulheres e lá a gente procura saber dos nossos direitos e deveres e então lá nos falamos com as meninas do sindicato que fazem parte com a gente e elas nos ajudaram e disseram vocês podem procurar o sindicato e ali os meninos do sindicato nos orientaram. Veio as meninas da AS-PTA e elas nos orientaram nossos direitos. Então a gente correu atrás e fomos procurar também alguns vereadores, eu também cheguei a falar com o prefeito pedi ajuda a eles. Porque é fundamental que as pessoas vejam que não estamos só nessa luta. Porque tem a gente, tem os vereadores, o prefeito, estão todos nos ajudando. Em momento nenhum foi feito terrorismo, em momento nenhum ninguém nos obrigou a fazer isso. Porque aqui a gente não está defendendo nenhum partido político, o que estamos fazendo é defendendo o direito dos nossos filhos. Porque nós queremos os direitos deles, nós queremos educação para eles, foi ali com esse intuito de procurar ajuda, de procurar que as pessoas se unissem a gente, para a gente lutar junto. Porque uma comunidade que luta junto, que luta unida, é uma comunidade vencedora. E foi para mostrar para o Ministério Público qual é a nossa realidade, porque eles não conhecem nossa realidade aqui o nosso município. Então a gente quis passar para ele também o nosso lado. Em momento algum nós queremos afrontar ninguém porque nós só queremos nosso objetivo. Nós somos pessoas que queremos nossos direitos e que junto com eles chegar uma conclusão que é boa para todos, não só para um ou outro. Nós queremos então união. Então ali eu gostei muito porque para mim foi muito benéfico a audiência, ouviram com a gente, falaram com a gente e disseram que vão nos apoiar. E eu acho que democracia é isso, é um ouvir o outro e junto chegar no melhor acordo para cada um.
Cláudia – Obrigada Denise, nossa conversa foi muito boa e eu também como moradora do Amaragi fico apreensiva e torcendo para que a Câmara de Vereadores esteja realmente do nosso lado e que isso termine favorecendo as crianças, as maiores interessadas.