A Comissão de Sementes do Polo da Borborema terminou o ano de 2018 debatendo estratégias para o fortalecimento da conservação e do uso das sementes crioulas, ou “Sementes da Paixão” como são conhecidas no estado. Uma das preocupações do grupo é mantê-las livres da contaminação por sementes transgênicas. O Polo é uma articulação de 13 sindicatos de trabalhadores rurais e atua, há mais de 20 anos na região da Borborema, na Paraíba com a assessoria da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, pelo fortalecimento da agricultura camponesa agroecológica e tem como uma de suas principais linhas de ação a promoção da seguridade ao acesso às sementes crioulas por meio de uma rede de 62 bancos de sementes comunitários para conservação da biodiversidade.
A contaminação por transgênicos no território passou a fazer parte da luta das famílias agricultoras desde que os testes de transgenia (com fitas sensíveis a proteínas modificadas geneticamente), realizados a partir do ano de 2014, vem mostrando o aumento de amostras de sementes crioulas contaminadas.
Em novembro passado, durante um encontro da Comissão, os resultados do monitoramento realizado pela estudante de Agronomia Tatiana Schiavon de Albuquerque, da Universidade Federal de Pelotas – UFPEL, no Rio Grande do Sul, foram apresentados. A estudante fez um estágio para a conclusão de curso de três meses numa parceria entre a UFPEL ,a AS-PTA e o Polo da Borborema e cumpriu as etapas de visitas às comunidades e reuniões nos bancos de sementes comunitários, coleta das amostras, realização dos testes e entrega dos resultados aos guardiões de sementes junto com um certificado de ateste de livre de transgenia. Os resultados de seu trabalho foram alarmantes: do total de 171 amostras de milho colhidas de famílias agricultoras de 14 municípios da região, 30 foram descartadas após os testes, pois as famílias declaram que compraram os grãos em feiras e armazéns, sendo portando transgênicas. 67 amostras de milho crioulo deram contaminadas (47%) e 74 livres de transgênicos (53%).
De acordo com Emanoel Dias, assessor técnico do Núcleo de Sementes da AS-PTA, em 2018, com a ampliação da quantidade de testes, a metodologia utilizada na coleta de amostras para análise, considerou as famílias guardiãs que plantam sementes livres de transgênicos, cuja origem são os estoques familiares ou dos bancos comunitários e seus vizinhos, e também aquelas que por vezes compram sementes nos armazéns e feiras livres para plantar em seus roçados. “A ampliação dos testes para novas famílias que ainda não pertencem à dinâmica dos bancos de sementes comunitários, foi justamente para, a partir dos resultados, abrirmos um diálogo sobre os riscos de contaminação para dentro da rede e também para envolvermos novos agricultores no debate sobre a autonomia das sementes”, explica.
As 67 amostras de sementes crioulas contaminadas têm, contudo, origem no acervo da família ou no banco comunitário e provavelmente foram contaminadas pela proximidade de roçados. Junto com os próprios agricultores e agricultoras, analisou-se que o monitoramento evidenciou que aumento da contaminação são resultado também da estiagem prolongada, da redução dos estoques dos bancos de sementes, da ausência de vegetação que poderia evitar a contaminação pelo vento, e até os programas governamentais, a exemplo do “Programa Venda de Balcão”, por meio do qual são comercializados grãos transgênicos para a alimentação dos animais, sem nenhum tipo de identificação. “Apesar dos resultados mostrarem elevada contaminação, pudemos perceber que os bancos de sementes continuam sendo uma forte estratégia para manter as sementes livres de transgênicos, pois a maioria dos guardiões tem conseguido manter suas sementes à salvo”, comenta Emanoel.
“Os resultados mostram que nós conseguimos manter regiões que estão livres de transgênicos, mas não podemos nos acomodar com estas vitórias. Precisamos tomar cuidado para que os transgênicos não entrem ali e valorizar estas experiências para qualificar a semente que é guardada e não precisar comprar para plantar”, afirma Euzébio Cavalcanti, liderança da Comissão de Sementes e do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Remígio.
Diante dos dados, durante o encontro, as lideranças da Comissão reafirmaram sua disposição em continuar firmes na promoção da campanha “Não planto transgênicos para não apagar minha história”, mas afirmam sobretudo que precisam levar a campanha para quem ainda não participa da Rede de Sementes e que estão mais sujeitos a levarem as sementes transgênicas para as áreas de produção. “A luta pela preservação das sementes crioulas precisa envolver o conjunto dos agricultores. Na Borborema, as terras são muito pequenas e bastante desarborizadas devido a ação humana. Os números revelam que precisamos aprofundar a Campanha no território”, analisa Emanoel.
Assim, a Comissão construiu um conjunto de estratégias e alternativas para enfrentamento da contaminação dos transgênicos como: estimular com que os agricultores da região que perderam suas sementes comprem o milho das famílias guardiãs ou em bancos onde os resultados dos testes apontam ser livres da contaminação; promover reuniões comunitárias e conversas com os vizinhos sobre a origem do milho a ser plantado no roçado; implantar campos de multiplicação em área com irrigação de salvação ou sequeiro; dar continuidade da realização dos testes de transgenia; sistematizar e dar visibilidade as estratégias das famílias guardiãs livres de transgênicos na produção de suas sementes; realização de visitas de intercâmbio junto as famílias guardiãs livre transgênicos; promover feiras de trocas de sementes; guardar no Banco Mãe de Sementes uma cópia de segurança para que as variedades crioulas não sejam perdidas, entre outras.
Outra estratégia que tem contribuído nessa luta no território é o processamento e a comercialização de derivados de milho crioulo livres de transgênicos, que são beneficiados na unidade de produção montada na sede do Banco Mãe de Sementes do território da Borborema. O fortalecimento de um mercado de produtos livres de transgênicos, num contexto de ausência de oferta desses produtos nos mercados convencionais, tem se revelado como uma grande oportunidade e estímulo à conservação do milho. Em 2018, 7 toneladas foram produzidas a partir da compra de milho livre de transgênicos de 20 famílias guardiãs que abasteceram o comércio na rede de 12 feiras agroecológicas acompanhadas pelo Polo da Borborema, além de 7 pontos fixos de comercialização e dois locais de venda à domicílio em João Pessoa, dois pontos fixos em Recife, um ponto fixo nas cidades Campina Grande, Boqueirão e Soledade. Para 2019, de acordo com Emanoel, 9 toneladas de milho já estão estocadas para a produção.