“Tu não vai conseguir isso, menina. Tu é pobre, negra, tu vem do sítio. Quem aqui nunca escutou isso? É a sociedade dizendo para a gente que nós não somos capazes”, a afirmação é de Sidneia Camilo, de 23 anos, agricultora e estudante de Agroecologia do município de Remígio-PB, durante o encontro na última sexta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, que debateu o racismo a forma como ele atinge a vida das mulheres. O evento reuniu cerca de 60 integrantes da Comissão de Jovens do Polo da Borborema, uma articulação de 13 sindicatos de trabalhadores rurais que atuam na região da Borborema há mais de 20 anos com a assessoria da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia.
O encontro aconteceu em Lagoa Seca-PB em preparação à 10ª edição da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia que acontecerá no dia 14 de março e este ano tem como tema o enfrentamento ao preconceito e a discriminação racial. A atividade, que faz parte do calendário de encontros preparatórios à Marcha, foi uma oportunidade para que os jovens agricultores e agricultoras pudessem aprofundar o olhar sobre o tema, a partir da sua perspectiva.
Após uma acolhida e apresentação, os jovens tiveram uma rápida rodada de respostas à pergunta: “Existe racismo no Brasil? Quem aqui se considera racista? Existe racismo sem racistas?”. Em seguida, assistiram e debateram o vídeo “Vendedora de Sonhos” do Coletivo “Coisa de Preto”. Nele, a personagem “Sociedade” determina o tamanho dos sonhos que as pessoas vão ter, onde as brancas podem escolher um sonho grande enquanto as de cor negra devem se contentar com ambições pequenas e posições subalternas.
A seguir, os jovens foram convidados a se dividir em pequenos grupos de ‘cochicho’ com a tarefa de pensarem sobre situações de preconceito racial vivenciadas no cotidiano das pessoas negras e encenar, na forma de pequenas esquetes teatrais, estas situações. A cada apresentação, os jovens comentavam o que viam e observavam como é estar no lugar de quem sofre aquele tipo de violência: ser xingado de “macaco”, ou “cabelo ruim”, ser mal atendido, seguido por seguranças dentro de lojas ou acusado de roubo foram algumas das situações.
Após um novo exercício em grupos, os jovens listaram expressões da linguagem do cotidiano, que de tão repetidas e naturalizadas, acabam não sendo consideradas como racismo, mas são: “Eu escolhi a palavra ‘mulata’ que antes eu até aceitava como um elogio, mas depois descobri que mulata vem da palavra ‘mula’ que se trata de um animal infértil, que só serve para o trabalho pesado”, conta Marcela Silva, de 20 anos, agricultora do Sítio Covão, município de Areial-PB.
Adriana Galvão Freire, assessora técnica da AS-PTA, conduziu então um momento de retrospectiva da história do Brasil desde a chegada dos Portugueses, passando pela escravidão até os dias de hoje, listando fatos e acontecimentos marcantes que são responsáveis pela constituição da nossa sociedade, e ajudam a explicar porque vivemos em uma falsa democracia racial: “É entendendo a nossa história que vamos ver como a abolição da escravidão não conseguiu abolir da nossa cabeça uma mentalidade escravocrata. A mesma lei da educação que em 1837, retirou dos negros o direito ao estudo, tem ideia fortalecida a partir de 2017, quanto estamos vivendo o fechamento das escolas do campo, é ter esse direito ser negado mais uma vez”.
Os jovens conversaram sobre o papel de cada um, desde as suas comunidades e espaços em que atuam. “Eu acho que o ponto o fundamental para acabar com o racismo é falar sobre ele, precisamos começar a falar sobre o racismo, dentro de casa, na escola, para que deixe de ser uma coisa que fica escondida. Sabemos que a gente enquanto brancos, nunca vamos saber o que sente uma pessoa negra, que vive na pele as situações”, é o que pensa Carla Amanda Gonçalves, de 24 anos, moradora do Assentamento Queimadas, município de Remígio. “Ser branco é ter privilégios, entender isso é fundamental para desconstruir o racismo. Todos nós aqui precisamos nos somar a luta antirracista para a construção do território agroecológico”, finalizou Adriana.