No próximo dia 19, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) lançam o primeiro projeto em parceria, o Agrobiodiversidade no Semiárido, que visa ampliar a proteção às sementes crioulas da região e inseri-las nas políticas públicas de sementes. O lançamento será no Hotel Petrolina Palace, às 10h.
O projeto integra uma iniciativa mais ampla da Embrapa, o programa Inova Social, que tem financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e a parceria de várias organizações da sociedade civil.
Como o nome anuncia, o projeto Agrobiodiversidade no Semiárido vai ser realizado na parte do Brasil mais afetada pelas mudanças climáticas que tornam os eventos naturais mais extremos, como secas mais longas e severas e chuvas mais intensas e concentradas, causando inundações e alagamentos.
E as mudanças climáticas são um dos maiores desafios da produção de alimentos no mundo. Nesse contexto, as espécies de sementes já adaptadas às regiões semiáridas e áridas do mundo têm sido altamente valorizadas pela ciência que quer estudar suas dinâmicas e características. “De grão, como são consideradas no Brasil, elas passam a ser consideradas sementes de excelência”, afirma Antônio Barbosa, coordenador dos programas de sementes crioulas e de promoção ao acesso à água para a produção de alimentos da ASA. E isso confere a elas o título não só de patrimônio genético dos agricultores e agricultoras familiares e do Semiárido, mas também do Brasil e do mundo.
O projeto Agrobiodiversidade no Semiárido trata-se de uma ação em rede, que acontecerá simultaneamente em sete territórios espalhados em cinco estados do Nordeste – Bahia, Sergipe, Pernambuco, Paraíba e Piauí. (Consulte abaixo, os territórios e municípios onde as atividades do projeto serão desenvolvidas)
A iniciativa é realizada após o Programa de Manejo da Agrobiodiversidade – Sementes do Semiárido da ASA, com parceria do BNDES e do Governo Federal, através do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que virou Ministério da Cidadania. Segundo Barbosa, o Inova pode ser considerado um passo além do Sementes do Semiárido.
“Já passamos pelo momento de olhar para os materiais [genéticos], de sistematizar a importância das sementes dos agricultores e agricultoras, de formar grupos comunitários e formar as casas e bancos comunitários de sementes. Agora, nós estamos dando um passo à frente. Queremos agora avançar para uma perspectiva de testar o valor das sementes. Não temos nenhuma dúvida de que estas sementes têm um poder de transformação das vidas das pessoas muito grande. Mas a gente precisa, como diz no campo da ciência, validar esta perspectiva”, explica Barbosa.
Junto às ações de valorização do material genético, também está prevista a execução de estratégias de conservação e multiplicação destas sementes, também com intenção de influenciar políticas públicas. E são diversos tipos de estratégias, muitas delas inovadoras.
Inovar – Aliás, o nome “inovação” caracteriza muito bem este projeto. Não é à toa que o nome do programa ao qual faz parte é “Inova Social”. “Ele inova na possibilidade de multiplicar estas sementes, na possibilidade de testar e fazer os ensaios de comparação e inova também nesta parceria ASA-Embrapa”, acrescenta Barbosa.
Entre as estratégias inovadoras, estão a integração de dois sistemas de conservação das sementes crioulas, usadas em geral de forma separada. A conservação na roça, também conhecida como on-farm ou in-situ, e a conservação fora do lugar de ocorrência da espécie, com a feita pela Embrapa, universidades e institutos de pesquisa nos seus bancos de germoplasma.
“A integração entre dois sistemas de conservação, apesar de ser uma recomendação, todo mundo reconhece como necessária, poucas experiências efetivas foram levadas a cabo”, assegura Paola Cortez Bianchini, pesquisadora da Embrapa Semiárido.
Neste projeto entre a ASA e quatro unidades da Embrapa – Semiárido, Tabuleiros Costeiros, Meio Norte e Cenargen -, está prevista a devolução de sementes crioulas guardadas no banco de germoplasma de várias unidades da Embrapa, assim como o uso das estruturas da empresa brasileira para guardar materiais com algum tipo de risco de desaparecimento ou contaminação, como é o caso dos milhos crioulos pelas variedades transgênicas.
Pesquisa – Outra estratégia do projeto é a validação científica das qualidades biológicas, culturais, sociais das sementes crioulas por meio da realização de pesquisas – chamadas ensaios de comparação – entre o material manejado há gerações pelas famílias agricultoras e as espécies comerciais, inclusive, as distribuídas pelos programas governamentais.
Esse tipo de ensaio foi realizado anteriormente pela Embrapa em menor escala, com comprovação das qualidades das sementes crioulas. Resultado que justifica a realização destas pesquisas em maior escala. As pesquisas são feitas com a participação ativa de seus e suas guardiãs em todas as etapas do processo, unindo o conhecimento sistematizado na academia com o conhecimento popular, regida pelos princípios agroecológicos.
Como o projeto envolve sete territórios, estas pesquisas serão feitas em uma escala nunca realizada pela Embrapa até então. “A grande inovação é você fazer um grande projeto de pesquisa descentralizado”, destaca Bianchini.
E qual a importância da validação das qualidades das sementes?
“Quando um agricultor, uma comunidade de uma região, uma política pública, ou seja, um gestor público de município, de estado ou de nível federal compreende a importância do uso e da conservação das sementes crioulas ou da agrobiodiversidade do Semiárido, isso é um salto muito grande. Porque você trabalha nas bases da sustentabilidade para a convivência com o Semiárido, que é o uso de espécies que são adaptadas às condições típicas do Semiárido”, explica Paola. “A partir do uso dos materiais que são adaptados a essa região, você tem uma das bases mais sólidas para trabalhar a sustentabilidade e resiliência nos agrossistemas familiares do Semiárido brasileiro”, completa a pesquisadora da Embrapa.
Segundo Maitê Maronhas, que compõe a equipe técnica da ASA que acompanhará o projeto Agrobiodiversidade no Semiárido, a resiliência de um agroecossistema é a capacidade que tem de retornar ao seu estado de equilíbrio após um evento extremo, as secas no semiárido brasileiro. “Mantendo-se produtivos, esses agroecossistemas possibilitam que que as famílias agricultoras dessa região sejam capazes de satisfazer suas necessidades alimentares, garantindo sua segurança e soberania alimentar e nutricional. E ainda, em muitos casos, comercializando em feiras, contribuindo para as pessoas na cidade com alimentos saudáveis, produzidos sem agrotóxicos e oriundos de sementes saudáveis”, destaca.
Além desta dimensão, a comprovação científica da validade das espécies crioulas possibilita a disputa de espaços nos programas públicos de distribuição de sementes. Segundo Barbosa, uma das intenções do programa é influenciar a lógica que rege o fornecimento das sementes pelos governos e discutir os programas de políticas públicas. “Sobretudo, o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] Sementes, na modalidade de compra direta com distribuição simultânea, quando se compra dos agricultores localmente e se distribui localmente esse material”, assegura ele.
Casas de sementes – Outra estratégia preciosa do programa é a sistematização de informações sobre o fluxo das sementes que saem das casas de sementes comunitárias, implantadas e fortalecidas pelo programa Sementes do Semiárido, e vão para o roçado ou o quintal das famílias agricultoras associadas ao banco comunitário de sementes.
“Nós vamos verificar, em campo, de que forma as casas de sementes contribuem para fortalecer estes agroecossistemas. Por que esta informação é importante? Porque a gente sabe que aumentar a agrobiodiversidade manejada aumenta a resiliência, a capacidade desta família estar no Semiárido e conviver bem com o Semiárido. E, associado a isso, a gente também quer informações sobre a segurança alimentar e nutricional das famílias que, novamente, se relacionam diretamente com a agrobiodiversidade que, quanto mais diversa, a alimentação da família tende a ser mais diversa também”, explica Maronhas.
No fundo, todas estes levantamentos vão responder a uma questão chave que investiga o impacto da inserção dos bancos nas dinâmicas produtivas e alimentares das famílias rurais do Semiárido: Como é que as casas de sementes estão influenciando os agroecossistemas e a segurança alimentar e nutricional das famílias?
Nesta dimensão da rede de bancos ou casas comunitárias de sementes, o projeto prevê ainda outra forma de reforçar a condição local de conservar as sementes próximos de si. Seis dos sete territórios envolvidos com a ação terão um banco mãe de sementes para guardar uma maior diversidade de sementes da região de sua e com equipamentos adequados ao beneficiamento destas sementes para sua melhor conservação.
Inova Social – Trata-se de um programa que articula projetos realizados pela Embrapa em parceria com outras instituições, em geral, organizações da sociedade civil.
O programa é dividido em dois objetivos estratégicos, um é relacionado à cadeia da caprino-ovinocultura e outra é relacionada à cadeia das sementes agroecológicas. Dentro de cada objetivo deste, são três projetos.
Os de caprino são dois aqui no Semiárido com a Embrapa Caprinos e Ovinos e um com a Embrapa Pecuária Sul em Bagé (RS).
Já os projetos de conservação das sementes crioulas são :este em parceria com a ASA e as Embrapas Semiárido, Tabuleiros, Meio Norte e Cenargen. Outro em Goiás realizado pela Embrapa Cerrado e o Movimento Camponês Popular (MCP). E mais um projeto envolvendo a Bionatur, do Movimento dos Sem Terra (MST), e a Embrapa Clima Temperado.
Projeto Agrobiodiversidade no Semiárido em números
5 estados
7 territórios
53 municípios
144 comunidades rurais
cerca de 3 mil famílias
3 anos de duração
12 milhões de reais o investimento total, sendo R$ 5 mi do BNDES e R$ 7 mi contrapartida da ASA e da Embrapa
TERRITÓRIOS E MUNICÍPIOS DE ATUAÇÃO
Sergipe, no Sertão Ocidental: municípios de Simão Dias, Tobias Barreto e Frei Paulo;
Bahia, território Semiárido Nordeste II: municípios de Antas, Cícero Dantas, Novo Triunfo, Sítio do Quinto, Jeremoabo, Santa Brígida, Fátima, Paripiranga e Adustina. E também nos municípios de atuação da Refaisa (Rede de escolas Famílias Agrícolas Integradas): Sobradinho, Antonio Gonçalves, Itiúba, Monte Santo e Cícero Dantas.
Pernambuco, no Sertão do Pajeú: municípios de São José do Egito, Tabira, Solidão, Santa Cruz da Baixa Verde, Triunfo, Flores, Afogados da Ingazeira, Carnaíba, Ingazeira, Itapetim, Santa Terezinha e Quixaba; e nos Sertões do Araripe e do São Francisco: Cabrobó, Moreillândia, Granito, Serrita, Lagoa Grande, Orocó, Petrolina e Santa Maria da Boa Vista.
Paraíba, território da Borborema: Lagoa Seca, Arara, Remígio, Areial, Montadas e Mogeiro.
Piauí, territórios dos Carnaubais e Cocais: Pedro II, Lagoa de São Francisco, Milton Brandão, Piracuruca, Castelo do Piauí, Buriti dos Montes, Juazeiro do Piauí, São João da Serra, Domingos Mourão e São Miguel do Tapuio.
Fonte: www.asabrasil.org.br
Por Verônica Pragana – Asacom