Nos dias 13 e 14 de agosto, aconteceu em Brasília a sexta edição da Marcha das Margaridas, que nesse ano, ganha um novo caráter, o de contestação. Mais de 100 mil mulheres marcharam, por seis quilômetros em direção ao Congresso Nacional, carregando a plataforma política que foi escrita pelas muitas mãos das mulheres do campo, da floresta, das águas e das cidades. Com o lema “Margaridas na luta por um Brasil com soberania popular, democracia, justiça, igualdade e livre de violência”, pela primeira vez não houve um encontro com o Governo Federal, que vem retirando direitos dos trabalhadores, e sobretudo, das trabalhadoras.
Era ainda domingo (11/08) à tarde, quando um grupo de 22 mulheres do Polo da Borborema chegou até Campina Grande, para se somar ao ônibus da caravana da Articulação do Semiárido Paraibano. A alegria se misturava com medo e as incertezas de como seriam recebidas no planalto central. Muitas frutas, doces, um livro de cânticos e muitas, mas muitas histórias foram companheiras das mulheres até Brasília. Eram mulheres jovens, idosas, lésbicas, agricultoras, estudantes, mulheres de toda sorte. As histórias de vida e de superação do machismo, da violência, foram construindo cumplicidades e laços de amizade, que dias depois da volta ainda mantém o grupo de WhatsApp criado para partilhar informações e fotos ativo e agitado.
A caravana da Paraíba seguiu para Brasília com 5 ônibus, e os atrasos foram inevitáveis. Já chegando em Brasília, a emoção foi tomando cada mulher, o medo foi sendo substituído pelo sentido de resistência, de luta e de pertencimento ao encontrar outras tantas mulheres de tantos outros lugares, cores e tipos. Nem as filas intermináveis para o banho, para se alimentar ou para carregar o celular para mandar notícias para a família não atrapalharam o evento, ao contrário, davam mais sentido à luta.
Eram ainda três horas da manhã do dia 14/08 quando as mulheres começaram a se levantar para se preparar para a Marcha. A caravana da Paraíba vestiu sua camiseta lilás em homenagem à Margarida Maria Alves, a ilustre sindicalista paraibana que perdeu sua vida na luta contra os usineiros por direitos dos trabalhadores da cana. Com orgulho da conterrânea e a responsabilidade de manter viva a luta, a caravana foi organizando o material levado, que por sua vez, havia caminhado na décima edição da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, que acontece todos os anos no Polo da Borborema.
Entre as mulheres da delegação, Maria do Céu Silva era a mais ansiosa. Ganhou do movimento de mulheres do Polo da Borborema a missão de fazer a fala pelo GT Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia no ato em frente ao Ministério da Agricultura. Tinha a missão de denunciar a liberação criminosa dos agrotóxicos, a política perversa do agronegócio, os maléficos efeitos dos transgênicos, do desmatamento e do latifúndio, ao passo que propunha o feminismo e a agroecologia como um projeto soberano para mulheres e homens do campo.
Durante a longa caminhada, os gritos, os cânticos, as palavras de ordem iam conectando aquele “mar” de mulheres na mesma luta pelos quais há 36 anos atrás Margarida perdia sua vida. Não foi por acaso que um grupo de 40 mulheres do Polo da Borborema seguindo os passos de Margarida, foi até Alagoa Grande para conhecer sua história em preparação à Marcha em Brasília. A atividade teve início na Usina Tanques e na sede da casa de um dos mandantes do seu assassinato. Depois o grupo seguiu até a casa de Margarida onde foi assassinada com um tiro na cabeça, na frente de seu único filho. Hoje o local é um museu em sua memória. E chegaram ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande onde puderam ouvir o testemunho de mulheres contemporâneas da sindicalista. Sendo o Polo da Borborema um movimento sindical, esse encontro foi inspirador, capaz de fortalecer a luta e a resistência das mulheres.
Aliás, luta e resistência foram as palavras que mais ecoaram nas avaliações, mas também nos corações das mulheres que foram à Marcha. “A gente vive numa conjuntura difícil de perdas de direitos, do não reconhecimento da agroecologia, do feminismo por esse governo, pelos seus ministérios, mas a gente deu o recado, mais de 100 mil mulheres nas ruas de Brasília no dia 14 de agosto. Foi muito intenso, muitas reflexões, muitos diálogos. Uma multidão lutando pela resistência e pela convivência com nosso semiárido, principalmente a resistência da nossa agricultura e da nossa agroecologia”, avalia Maria do Céu Silva, do Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Solânea.
“A Paraíba foi forte, foi animada, foi articulada e com muita alegria. Foi com nossa força que o movimento de mulheres camponesas se somou com as demais mulheres que estava em Marcha com o mesmo objetivo de ecoar nossa voz em Brasília, em defesa dos nossos direitos, da nossa terra, da nossa Amazônia, da nossa diversidade. Nos encontramos e marchamos para resistir também aos retrocessos que estão acontecendo em nosso Brasil. Nós, mulheres agricultoras, indígenas, ribeirinhas levamos para Brasília nossa resistência e nossa luta diante dessa conjuntura que o Brasil enfrenta”, confirma Gizelda Beserra, do Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Remígio.
A Marcha das Margaridas foi sem dúvida um momento de renovação da capacidade de luta e de enfrentamento da onda conservadora e obscurantista que assombra o país. A sexta edição da Marcha das Margaridas se coloca como um marco nas lutas sociais e, com certeza, muitas sementes foram espalhadas pelo país. Como a jovem Gabriela Fernandes, de Lagoa de Roça, que diz: “Eu participei da Marcha pela primeira vez. Essa experiência foi única e incrível na minha vida. Foi um marco na minha vida. Agora vai ter uma Gabriela pós-marcha, uma Gabriela totalmente diferente. Quando chegamos na Marcha, pude ver várias pessoas, de vários lugares do Brasil e até fora dele. Todas com o mesmo intuito, indo ali para reafirmar que as mulheres estão na luta e que não vão desistir até conseguir todos os seus direitos. Ver tantas mulheres e de tantos lugares nos deixa mais seguras. Nos sentimos mais firmes para lutar e para seguir em frente para conseguir direitos não só para a gente, mas também para todas as gerações que virão após a gente. Não estou lutando por Gabriela só de hoje, mas estou lutando por todas as minhas descendências e isso foi o mais incrível que eu pude ver lá!”. Nas costas da camiseta da caravana da Paraíba estava escrito: “Eles não sabiam que Margarida era semente”. É isso, a jovem Gabriela nos mostra que as sementes caíram em solo fértil.