“Gostaria de parabenizar os guardiões de sementes pelos dados impressionantes que vimos aqui. Pelas nossas andanças, podemos afirmar com certeza que a região do Polo da Borborema é uma zona de conservação da biodiversidade no Brasil. Espero que o território possa usar estas informações para dar passos cada vez maiores”. A fala é de Natália Almeida, uma das pesquisadoras do Grupo Interdisciplinar de Estudos em Agrobiodiversidade – InterABio, associado à Universidade de São Paulo – USP que esteve presente no Encontro de Guardiões e Guardiãs de Sementes da Paixão do Polo da Borborema, realizado nos dias 18 e 19 de setembro de 2019, em Arara-PB.
O evento reuniu cerca de 80 representantes da rede de mais de 60 Bancos de Sementes de Comunitários (BSC) espalhados pelos 13 municípios de atuação do Polo da Borborema, uma articulação de sindicatos de trabalhadores rurais que há mais de 20 anos atua pela construção de um território agroecológico na região da Borborema, no Agreste da Paraíba, com a assessoria da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia. Os BSC são espaços de gestão coletiva das sementes locais cultivadas pelas famílias agricultoras, uma estratégia tão antiga como a da própria atividade da agricultura, de formação de estoques coletivos de sementes para se ter a garantia de disponibilidade do recurso no momento certo de plantar.
“Pelos Bancos de Sementes Comunitários não circulam apenas sementes, circulam histórias, saberes, solidariedade e vemos como é cada vez mais necessário que haja pesquisas solidárias e não ‘solitárias’”, completou Natália, que faz parte do grupo de acadêmicos que realizam pesquisas participativas na região a socializar resultados durante o encontro.
Durante o evento, foram socializados os resultados de duas pesquisas sobre manejo comunitário da agrobiodiversidade realizadas na Borborema. A primeira foi a coordenada pela professora Christine Werba Saldanha, do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, em João Pessoa, que há três anos vem dando continuidade a um trabalho de monitoramento dos estoques dos BSC na região, que teve início em 2015. A pesquisa mobiliza cinco estudantes de graduação e mestrado dos cursos de Engenharia de Produção, Agroecologia e Agronomia, em uma parceria com a Universidade Estadual da Paraíba – UEPB e o Centro de Ciências Agrárias da UFPB de Areia e as famílias guardiãs de sementes da Borborema.
O levantamento apresentado, referente ao ano de 2018, mostrou um estoque de 25 toneladas de sementes armazenadas nos bancos do Polo da Borborema, de 150 variedades diferentes. Uma novidade do estudo é a criação de cinco categorias para caracterizar a situação dos estoques e suas respectivas cores: elevado (azul); bom (verde); regular (amarelo); baixo (laranja) e crítico (vermelho). “As variedades com estoques críticos nos chamam a atenção e acendem o alerta para não perdermos esse patrimônio, lançando mão das estratégias como a da implantação dos campos de multiplicação, por exemplo, explica a professora. “O monitoramento ajuda a orientar a tomada de decisões, além de facilitar o intercâmbio de sementes entre os bancos dos territórios, pois eu tenho como saber exatamente onde tem a semente que eu preciso”, completou.
“Isso vem trazer uma responsabilidade muito grande para nós, gestores dos bancos, devemos ter um cuidado e um olhar também para os bancos de sementes familiares, que guardam uma riqueza ainda maior que a dos bancos comunitários”, avaliou seu Joaquim Santana, guardião do Sítio Montadas de Baixo, município de Montadas.
Troca de experiências e de sementes
O Encontro dedicou espaços para o intercâmbio entre os guardiões e guardiãs, seja por meio da feira de trocas, seja pela apresentação de experiências exitosas na gestão de bancos de sementes ou de estoques familiares, que geraram debates sobre as boas práticas na gestão dos BSC. A Feira de Sementes funcionou nos dois dias de evento, e foi um momento aberto para que todos os participantes expusessem as sementes que trouxeram para a troca, doação ou venda. Já entre as experiências apresentadas estavam a de bancos de sementes mais recentes, como é o caso do Banco de Sementes Santa Luzia, do Sítio Furnas, em Montadas, criado em 2016, e a experiência mais longa do Banco do Sítio Maracajá, em Queimadas-PB, ativo desde o ano de 2003. A primeira apresentada pela guardiã do feijão Rosinha, Rosilda dos Santos Lima e a segunda por Severina Pereira, conhecida como Silvinha, guardiã do milho Jabatão.
Raças de Milho
Os agricultores e agricultoras conheceram ainda os resultados da pesquisa “Raças de Milho das Terras Baixas da América do Sul”, realizada no Brasil e no Uruguai, pelo InterABio, que teve à frente as pesquisadoras Flaviane Malaquias Costa, do Laboratório de Genética Ecológica de Plantas do Departamento de Genética da USP e Natália Almeida, que também é professora da Universidade Tecnológica do Uruguai. O estudo aconteceu em áreas onde já existia um trabalho de conservação das sementes e abrangeu: os Pampas Uruguaios: Norte, Leste e Sul; o Pampa/Mata Atlântica do Rio Grande do Sul; o Cerrado/Pantanal do Mato Grosso do Sul; a Amazônia, no Acre; a Mata Atlântica de Minas Gerais e a Caatinga, na Paraíba. A pesquisa coletou amostras de milho e entrevistou agricultoras e agricultores para estudar quais os tipos existentes nestes países, considerando as raças como um indicador de diversidade.
Na Paraíba, estudo foi feito nos municípios de Alagoa Nova, Arara, Esperança, Montadas, Queimadas, Remígio e Solânea e mostrou que a região possuiu 68 das 359 de variedades de milho crioulo encontradas no Brasil e que das 15 raças encontradas no país, pelo menos quatro raças só são encontradas no território da Borborema. “Este é um sinal de que estamos conseguindo proteger raças que não são conhecidas no Brasil, nossa responsabilidade só aumenta e a pesquisa é importante para que a gente faça essa descoberta juntos”, comentou Euzébio Cavalcanti, do Assentamento Queimadas, integrante da Comissão de Sementes do Polo da Borborema e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Remígio-PB.
Ameaça dos Transgênicos
Um ponto que tem sido causa de grande preocupação no território é a entrada dos transgênicos, com atenção especial para as sementes de milho, devido a sua polinização aberta, cujos cruzamentos entre plantas podem facilmente ocorrer, com ajuda do vento. Os dois principais problemas são a perda da biodiversidade existente e a perda do direito do agricultor de poder escolher o que quer plantar. Alternativas como a intensificação dos debates, o isolamento espacial das plantações de no mínimo 400m de distância e o isolamento temporal, com diferença de no mínimo 40 dias entre das datas de plantio, foram debatidos durante o encontro. “Temos o problema do espaço nas pequenas propriedades, e também do tempo, pois todos plantam quando vem a chuva, mas o maior problema é a dificuldade de conscientização, das pessoas saberem os riscos dos transgênicos”, alertou Adriana Araújo, do Assentamento Che Guevara.
Outras duas experiências, uma de gestão familiar e outra de gestão comunitária de sementes foram apresentadas: a do guardião Paulo Alexandre da Silva, do Assentamento Oziel Pereira, em Remígio e do Banco de Sementes do Assentamento Che Guevera, município de Casserengue, apresentada pelo agricultor Augusto Belarmino.
Os guardiões e guardiãs presentes concluíram reafirmaram seu compromisso com a preservação das Sementes da Paixão e elencaram os seguintes encaminhamentos: implantação de campos coletivos de multiplicação; trabalhar com a ideia de comunidades livres de transgênicos e não apenas propriedades; elaboração de um documento público denunciando a contaminação de transgênicos no território; realizar plantios na entre safra e pensar em estratégias de comunicação sobre os efeitos negativos dos transgênicos; manutenção de estoques de reserva nas comunidades e na sede do Banco Mãe, localizado em Lagoa Seca-PB, entre outras.