“Eu passei muito tempo alisando o cabelo, por conta da sociedade que impõe que temos que ter cabelos lisos, então eu alisava para satisfazer as outras pessoas, não a mim. Quando parei de alisar, descobri o amor que eu tinha pelo meu cabelo como ele é, passei a me amar, a gente precisa se libertar disso, aceitar nosso cabelo crespo, cacheado, ele é lindo”. O depoimento é de Marcela Silva, 22 anos, jovem negra e agricultora do município de Areial.
Marcela contou sua história de transição capilar e aceitação de sua cor para os mais de mil jovens presentes a II Marcha da Juventude Camponesa do Polo da Borborema, realizada no município de Lagoa Seca, no Agreste Paraibano, neste dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. A Marcha é um momento de visibilidade da juventude rural da região e afirmação das bandeiras de luta dos jovens, entre elas a antirracista. Em 2019, o tema trabalhado durante o processo preparatório de encontros e oficinas municipais e regionais, realizadas pela Comissão de Jovens do Polo da Borborema, uma articulação de 13 sindicatos de trabalhadores rurais da região da Borborema, que atua pelo desenvolvimento rural sustentável com assessoria da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia.
“Estamos aqui para reafirmar as bandeiras de luta que levantamos em 2016, na nossa primeira Marcha, como a defesa da educação contextualizada, contra o fechamento das escolas do campo, contra o feminicídio, o machismo, o racismo e a LGBTfobia. A gente sabe que o jovem do campo e negro sofre o racismo todos os dias e estamos aqui para desconstruir isso”, explica Jeane Carla Clementino, 25 anos, do Assentamento Queimadas, em Remígio.
A Marcha contou com caravanas vindas de outros estados e de outras regiões da Paraíba, com jovens do GT de Juventude da Articulação do Semiárido Paraibano – ASA Paraíba, além de jovens vindos dos 13 municípios de atuação do Polo. Ana Gabriela Elias é agricultora e integrante de um terreiro no município de Boa Vista, ela veio junto com a caravana de 40 jovens do Coletivo Regional das Organizações da Agricultura Familiar: “A gente se sente liberto em vir para a rua e poder gritar que somos negros, somos povos de terreiro, agricultor, para a gente é satisfatório”, disse.
A programação começou com a acolhida as caravanas, que cotou com a participação do grupo de percussão “Afro Vida” de Lagoa Seca. Os jovens do Grupo de Teatro do Polo da Borborema encenaram a peça “A Vendedora de Sonhos” baseada no vídeo homônimo do Grupo Coisa de Preto, de Belo Horizonte-MG. No espetáculo, a forma desigual como a sociedade, em sua maioria negra, trata brancos e negros e a disparidade de oportunidades, são tocadas de maneira irreverente. “Vocês acham que isso acontece de verdade na nossa vida?” questiona Márcia Araújo, da Comissão de Jovens de Lagoa Seca. “Quantas vezes não sentimos os nossos sonhos serem diminuídos em razão da nossa cor”, complementou ao conclamar os jovens a ocuparem as ruas de lagoa Seca.
Após a Marcha, que percorreu as principais ruas do município, com estandartes, faixas e cartazes, ao som de música, animação e panfletagem dialogando com a população, o encerramento contou com show da cantora paraibana e negra Sandra Belê, que trouxe em seu repertório grandes nomes da música brasileira negros como João do Vale e Elza Soares.
Leia a Carta Política da Segunda Marcha da Juventude Camponesa do Polo da Borborema