Ação ajuizada em 2009 por quatro organizações será julgada na terça-feira (17) e pede a ilegalidade de norma da CTNBio
Nesta terça-feira (17), o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a partir das 14h, irá discutir uma ação ajuizada pela Terra de Direitos, Assessoria de Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), a Associação Nacional de Pequenos Agricultores e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que questiona os parâmetros de distância para o plantio de milho transgênico para evitar a contaminação das espécies não geneticamente modificadas. A decisão pode garantir aos agricultores/as e consumidores/as o direito de cultivar e consumir produtos livres de transgênicos. Atualmente, a distância definida pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio- órgão responsável pela análise e liberação de qualquer organismo geneticamente modificado) entre uma lavoura comercial de milho transgênico e outra de milho crioulo, prevista na Resolução Normativa (RN) n° 4 de 2007, deve ser igual ou superior a cem metros ou, alternativamente, vinte metros com bordadura de 10 fileiras de milho convencional.
A regra atual, no entanto, é insuficiente para impedir a contaminação de sementes crioulas, como relata o agricultor Silvestre de Oliveira Santos. Morador da comunidade Faxinal do Santo Antônio, no município de Fernandes Pinheiro (PR), Silvestre é guardião de sementes há 40 anos. “Eu cultivo variedades de milho puro e, infelizmente, de 2010 pra cá estou sendo prejudicado cada vez mais por agrotóxicos que meus vizinhos utilizam nas lavouras. Nesse ano, quando eu participava de uma feira de sementes crioulas em Juti (MS), foi feito um teste de transgenia no meu milho que eu cultivava há mais de 35 anos, apontou que o milho estava contaminado por transgênicos, fazendo com que eu perdesse todo o meu trabalho e preservação”, diz trecho de carta enviada por seu Silvério pedindo providências das autoridades.
Sobre a ação
A Ação Civil Pública 2009.70.00.021057-7 que será julgada pelo STJ foi ajuizada em 2009 na Justiça Federal do estado do Paraná, pelas quatro organizações. O relator da ação será o ministro Napoleão Nunes. Após as exposições das partes envolvidas na ação, os cinco ministros da 1ª turma do STJ começam a proferir seus votos. A advogada da Terra de Direitos, Naiara Bittencourt fala sobre a expectativa para o julgamento na próxima semana.
“Esperamos que o STJ vote pela declaração de ilegalidade do artigo 2º da Resolução Normativa nº 4 Da CTNBio, pela determinação da tomada de medidas precautórias em relação a contaminação de milhos transgênicos aos milhos convencionais ou crioulos, além das distâncias de plantio, considerando os fatores externos que devem influenciar na definição dessas distâncias”, explica a assessora jurídica.
Na última semana, como forma de sensibilizar os ministros do STJ, diversos agricultores começaram a escrever cartas contando sobre a contaminação de suas sementes crioulas.
Contaminação pela regra atual
Na Ação, foram reunidos mais 14 estudos sobre o tema, além de depoimentos de diversos agricultores que criticam a insuficiência de regras que protejam as plantações de milho crioulo da contaminação. A resolução da CNTBio, em 2007, foi também uma resposta a outra Ação Civil Pública ajuizada pela Terra de Direitos naquele ano, que questionava os critérios de aprovação e comercialização do milho transgênico liberty link.
Sarah Agapito, doutora em Recursos Genéticos Vegetais e Pesquisadora do GenØk Centro de Biossegurança da Noruega, ressalta que normativas como a da CTNBio deveriam considerar a diversidade dos biomas agrícolas do país, e não somente a distância entre as plantações.
“Uma normativa como a RN nº 4 generaliza os agroecossistemas brasileiros a uma distância única. Não existe base científica para provar que essa distância única iria prevenir a contaminação da lavoura de milho não transgênico. Isso depende de questões geográficas, climáticas e socioeconômicas. Se esses agricultores dividem o maquinário, por exemplo, isso também gera contaminação. Nesse caso, não faz diferença mudar de 100 para 400 metros, é uma questão de entender cada região agrícola e os tipos de produtores que existem nessas regiões”, defende a pesquisadora que realizou suas pesquisas de mestrado e doutorado investigando Organismos Geneticamente Modificados (OGMs).
A contaminação de sementes convencionais pelas transgênicas podem ocorrer de diversas formas. Elas podem ser levadas pelo vento, pela água e até mesmo por meio da ação de polinizadores como as abelhas, vespas e moscas, que podem deslocar o pólen do milho transgênico para longas distâncias, contaminando plantações de sementes convencionais, além de afetarem a saúde dos animais e causarem efeitos colaterais em humanos. Porém, as informações sobre esses riscos quase não chegam à população e são poucos os investimentos do Estado em estudos científicos.
“Lamento que o Brasil não seja um país que financia estudos em biossegurança. Recentemente, fiz pesquisa no CNPQ [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] por editais que abrangiam essa questão, temos apenas quatro editais desde 2007, e eles são para capacitação em recursos humanos. As pesquisas que utilizamos para pautar nossas decisões no Brasil, nem sempre levam em consideração o contexto brasileiro”, aponta Sarah Agapito. “Acabamos ficando na dependência de recursos e estudos do exterior para pautar nossas decisões nacionais. Se as pesquisas não são feitas no Brasil, elas não trazem a sociedade para o debate, o que gera desinformação”.
Mais agrotóxico
Além da falta de informações e do debate limitado com a população, outro tema importantíssimo nessa discussão são os agrotóxicos. As plantações transgênicas utilizam agrotóxicos de forma desenfreada, o que na visão do agronegócio e das empresas, são a garantia de produtividade agrícola e lucro. Muitas das empresas desse ramo investem tanto na produção de transgênicos como na de agrotóxicos. Porém, desconsideram os riscos ao meio ambiente e à saúde humana, e principalmente, o direito dos/as agricultores/as de plantarem alimentos saudáveis e sem agressão ao meio ambiente.
“Hoje, a maioria das pessoas não faz a associação direta entre o cultivo de transgênicos e os agrotóxicos. Das 49 espécies de milho liberadas comercialmente pela CNTBio, 38 são modificadas para tolerar herbicidas. Circulam informações simplistas de que os transgênicos são avanços tecnológicos, mas não é possível desvincular a dependência das empresas que fabricam tanto os OGMs como os agrotóxicos”, alerta Naiara Bittencourt assessora jurídica da Terra de Direitos.
Naiara destaca também que a falta de investimentos públicos em estudos acaba onerando justamente quem escolhe produzir sementes convencionais. Um teste para identificar contaminação ou não em sementes crioulas custa entre R$ 120 e R$ 130 reais, um custo alto para pequenos agricultores. Além do dano cultural, pois as sementes que estão nas mãos das famílias por gerações e gerações, são contaminadas e isso gera uma reação em cadeia. Eles são obrigados a descartarem as sementes para se livrar da contaminação. “Eu plantava a variedade de milho astequinha sabugo fino e preservava a semente pura há mais de 40 anos e, agora em 2019, foi contaminada toda a minha produção por transgênico…. perdi todo o meu esforço e trabalho de mais de 40 anos”, diz trecho da carta do agricultor Antônio Carlos dos Santos, de 76 anos, da comunidade de Rio Baio município de São João do Triunfo (PR).
Por Gisele Barbieri, Terra de Direitos