Carta compromisso Políticas para o Futuro, da ANA, divulgada no município pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais, foi um instrumento de pressão importante para a criação desta iniciativa
A prefeitura de Lagoa Seca está distribuindo 1 tonelada e 380 kg de sementes crioulas – quatro variedades de feijão, uma de fava e uma de milho – para famílias agricultoras do município. Do próprio território, as sementes foram compradas a guardiões e guardiãs das Sementes da Paixão de Casserengue, Esperança, Arara, Remígio, Montadas e Areial.
Ao distribui-las, o governo municipal pretende que as sementes sejam multiplicadas pelas famílias agricultoras e, que o excedente da produção, as sacas que a família lucrar – como se costuma dizer na região – sejam vendidas a preço de mercado à prefeitura. Com um estoque maior de sementes reproduzidas em Lagoa Seca, a gestão do município deseja fazer nova distribuição.
Assim, Lagoa Seca inaugura seu programa de compra e distribuição de sementes crioulas. Uma iniciativa inédita não só no município como em todo o território da Borborema paraibana. Diga-se de passagem, um território que vem há 25 anos trabalhando com a expansão e fortalecimento da agricultura familiar agroecológica.
“Nós entendemos que a prefeitura deveria fortalecer o trabalho no campo da agroecologia. Fazendo esta política, a semente crioula circula no próprio território, se perpetua, e o agricultor é remunerado”, afirma Nelson Ferreira, um dos diretores do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Lagoa Seca, que é um ator muito importante para que esta política se efetive.
“Estamos nos contrapondo à política de compra às empresas que trabalham com sementes produzidas a base de agroquímicos”, diz Nelson Anacleto, que assumiu a secretária de Agricultura no começo da segunda gestão do prefeito Fábio Ramalho. “É aí que está a importância do trabalho da gente. Estamos fortalecendo as nossas sementes e politizando o agricultor sobre a diferença entre os dois tipos de sementes”, ressalta o secretário que é uma histórica liderança agricultora e compôs a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município por vários anos, e já foi vereador por dois mandatos.
Nas eleições do ano passado, Nelson Anacleto estava como candidato pela terceira vez a uma cadeira na Câmara dos Vereadores. Nesta condição, assinou a carta-compromisso Políticas para o Futuro, criada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e divulgada no município pelo Sindicato. O prefeito atual também aderiu ao documento. “Antes das eleições, assinamos a carta compromisso. A partir daí, conseguimos amarrar estas questões e operacionalizar na prática”, comenta o Nelson Anacleto.
“Nas duas últimas eleições [municipais], apresentamos um documento com uma série de programas voltados para a agricultura familiar”, assegura Nelson Ferreira, do Sindicato de Lagoa Seca. “Esta compra de sementes é uma das nossas propostas que se efetiva. Nós do Sindicato estamos acompanhando esta ação promovendo formações, debates e acompanhamento dos agricultores e agricultoras”, acrescenta.
Abrindo precedente – “Esta iniciativa significa muito mais do que nós do município possamos imaginar em termos de avanço. Desde 1996, trabalhamos com a agroecologia e nunca conseguimos sensibilizar os gestores públicos. Num dos meus mandatos como vereador, consegui aprovar uma lei que reconhecia as sementes crioulas como sementes [e isto torna este material apto para compras governamentais], mas não conseguimos avançar”, comenta o secretário Nelson Anacleto.
A primeira compra das sementes crioulas pela prefeitura de Lagoa Seca custou R$ 10.230 e foi feita a seis famílias agricultoras que fazem parte da Rede de Guardiões e Guardiãs das Sementes da Paixão, que articula os sócios dos 60 bancos de sementes comunitários espalhados pelos 13 municípios acompanhados pelo Polo da Borborema.
O Polo, como coletivo de 13 sindicatos rurais, mais de 150 associações comunitárias, uma associação de produtores/as agroecológicos, a EcoBorborema, e uma cooperativa de agricultores e agricultoras familiares, é outro ator extremamente importante na articulação e concretização desta política pública municipal, assim como o é a AS-PTA, organização da sociedade civil que assessora o Polo.
Na mediação da compra, destaca-se a ação da cooperativa CoopBorborema, inaugurada em janeiro deste ano para possibilitar compras institucionais aos produtos da agricultura familiar, como está. Os fornecedores são cinco guardiões e uma guardiã das Sementes da Paixão, que armazenam seu material nos bancos de sementes de suas comunidades.
Adriana Araújo, única mulher entre os fornecedores, vendeu mais de 43% das sementes. “Vendi 240 kg de feijão carioca, 100 kg de fava orelha de vó e 240 kg de milho pontinha. Temos muito estoque. Principalmente de milho e fava”, conta ela orgulhosa do trabalho que desenvolve no Assentamento Che Guevara, em Casserengue.
Por fazer parte dos estoques dos bancos de sementes comunitários, o milho fornecido para a prefeitura já tinha sido testado para confirmar que não estavam contaminados pelos genes que existem nos milhos transgênicos.
“Pra nós da agricultura familiar, é muito importante essas iniciativas do gestor municipal valorizar as Sementes da Paixão! É um belo exemplo da Prefeitura de Lagoa Seca. Esperamos que, nos próximos anos, outros municípios e o próprio estado da Paraiba, venha a adquirir as Sementes da Paixão, uma semente plantada e cultivada com todo amor! Amor à saúde e à vida”, comemora Adriana.
E como é a política de sementes do estado? – Para se ter uma noção do que significa a criação desta política em Lagoa Seca, é importante saber como funciona o programa de compra e distribuição de sementes no âmbito estadual. Com a palavra, Emanoel Dias, assessor técnico da AS-PTA que acompanha o tema das sementes crioulas há mais de 10 anos.
“O Programa Estadual de Sementes é coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca, a Sedap. Este programa atualmente compra diretamente da empresa Santana, que acaba por mobilizar quase a totalidade dos recursos destinados anualmente. As sementes são então distribuídas pela Emater e a gente não tem influência sobre o processo. Todo ano, geralmente, são distribuídas sementes de milho, feijão e, em algumas regiões, sorgo. O outro programa, mais recente, é o da Secretaria de Agricultura Familiar e Desenvolvimento do Semiárido, fruto da pressão feita pela ASA em uma das Festas das Sementes da Paixão. O governador retirou um pequeno percentual do programa da Sedap para a compra de sementes crioulas. O governo comprou dizendo que ela é crioula, só que a gente sabe que não é e ele quis que a gente da ASA fizesse a distribuição. São 12 toneladas de milho, 12 de feijão carioca e 12 de feijão macassar. A gente não aceitou fazer a distribuição porque não conhecia a origem deste material.”
Além de remar contra a lógica dos atuais programas governamentais de distribuição de sementes, esta iniciativa que germina em Lagoa Seca tem um valor fundamental em um ano de poucas chuvas. As sementes crioulas, por seu cultivo há anos na região, estão mais adaptadas às severidades do clima da região e costumam ser mais resistentes do que as variedades comerciais.
Segundo o Monitor de Secas, coordenado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a Paraíba tem 62% de sua área com seca moderada. O restante do território apresenta seca fraca. E Lagoa Seca é um dos 149 municípios paraibanos em situação de emergência devido à falta de chuvas.